quarta-feira, 24 de julho de 2013

"A MINHA GERAÇÃO"



Há mais de dois anos, em Março de 2011, escrevi este texto.
Enquanto ouve este novo trabalho dos UHF, “A minha Geração”, leia a crónica. Passando a auto-citação, creio que vale a pena.



 Confesso, estou completamente baralhado. Pela demissão da classe política, em Lisboa, na Avenida da Liberdade, estiveram, não se sabe muito bem, à volta de 20 mil pessoas. No Porto e nas restantes cidades do país, incluindo Coimbra, segundo a SIC, o número de manifestantes rondaria cerca de 100 mil manifestantes.
As pessoas têm razão? Têm. E mesmo se, eventualmente, ontem não tivessem, bastava o anúncio, hoje, de um novo PEC, Pacto de Estabilidade e Crescimento –o quarto- para a terem. Então porque estou confuso? Pois, aí é que reside o busílis da questão, não sei. Há qualquer coisa que me escapa. Porque razão havia três gerações, avós, pais e filhos? Onde irá conduzir este protesto? À demissão, ou queda provocada através de moção de censura, do Governo? Provavelmente é o que irá acontecer, mas e depois? Caindo este governo os nossos problemas estarão naturalmente resolvidos? Será este Governo o grande inimigo do povo? Será este Governo do Partido Socialista o causador de toda esta frustração? Convém não esquecer que foi eleito há pouco mais de um ano, legitimamente e sufragado através do voto popular.
Antes de avançar na minha reflexão, já agora, atentemos nos comentários das diversas manifestações em várias cidades portuguesas e passadas na televisão. Deu para ver os mais díspares argumentos, uns escritos em cartazes e outros em respostas dadas directamente a jornalistas. Vamos lá analisar alguns que eu vi e ouvi:

-“Queremos a alimentação mais barata!”
-“Queremos a gasolina mais barata!”
-“Queremos pagar menos impostos!”
-“Estamos fartos desta precariedade!”
-“estamos contra o aumento de propinas!”
-“Defendemos mais direitos!”
-“Direito ao trabalho livre, sem exploração!”
-“Precisamos defender mais futuro!”
-“Queremos uma vida melhor, pá! Não quero dar a cara, pá!”
-“Ordenado mínimo para os políticos!”
-“Sócrates vai para a rua!”
-“Demissão de toda a classe política!”
-“Isto é produto da nova ordem mundial. Abram os olhos!”
-“Isto não resolve nada! É preciso partir para a violência!”
-“O que é que tem de mudar?”, perguntava a jornalista da SIC a um manifestante. “Tudo…tudo!”, respondeu o entrevistado, sem mais nada dizer.

 Vou passar à frente destas declarações escritas e faladas. Deixo isso para reflexão. Começo pelas questões colocadas no início do texto. Porque estiveram representadas, pelo menos, três gerações? Portanto, os avós das gerações de 1930/40, os filhos destes, nascidos nas décadas de 1950/60, e a última geração nascidas nas décadas de 1980/90?
A resposta óbvia é que estarão todos à rasca. Muito bem, mas e para além do evidente? Ou seja, por outras palavras, estiveram ali para simplesmente protestar contra o Governo por este ter defraudado as legítimas aspirações de todos? “É verdade”, poderíamos responder em uníssono. Mas, já agora, num exercício alargado de dúvida, perguntemos: só o Governo é que deverá arcar com a culpa de tudo? Será que estas três gerações, na qual me incluo –nasci em 1956-, não terão também a sua quota-parte?

Comecemos pelos nascidos nos anos de 1930/40:

Foi uma geração patriarcal muitíssimo sacrificada, onde, essencialmente nas aldeias, a fome foi uma diária servida sem cerimónia. Os seus filhos, numa grande maioria, eram encarados como sua propriedade e, no mínimo, eram força de trabalho sem contemplações. Pouco importava o que fizessem desde que o seu rendimento fosse inteirinho para o lar paterno. Era este patriarca que, como chefe de família legalmente instituído, punha e dispunha. Talvez pela ineficiente alimentação, o álcool era rei em muitas casas portuguesas. A pancada imperava todos os dias à mesa e fora dela. Raramente a educação intelectual era preocupação destes lares de família. Leia aqui uma história verídica dessa época;

Os nascidos nas décadas de 1950/60:

Esta geração, portanto filhos da anterior, começou a trabalhar muito cedo. Muito novos tiveram uma noção ampla da vida. Como em todas as estirpes, entrou em conflito directo com os seus progenitores -mais o pai, mas insurgindo-se contra a omissão da mãe- e pondo em dúvida que essa forma de educação tivesse o mínimo de correlação com um desenvolvimento necessário a qualquer criança.
Abandonaram cedo a agricultura do interior e, logo terminada a instrução primária, rumaram à grande cidade. Como as ferramentas que dispunham era muito melhores que os seus pais, e também porque, apesar do grande choque petrolífero de 1973, tiveram uma revolução de Abril de 1974, que para além de constituir uma profunda transformação social, foi essencialmente económica. Não podemos esquecer que os ordenados deram um grande pulo e, apesar de muitas falências em massa no tecido empresarial nessa altura, os cidadãos passaram a viver melhor. Apesar de trabalharem sempre, preocuparam-se com a sua formação. É uma geração viciada no trabalho e, talvez porque pouco teve, é profundamente materialista. Curiosamente, contrariando os seus antecessores, põe de lado o álcool ou outra qualquer substância que lhe sirva de muleta.
Uma grande maioria, estudando de noite e a trabalhar de dia, chegou à Universidade. Mesmo os que não chegaram criaram grandes negócios e foram bem sucedidos na vida. Uns no comércio, outros nos serviços, outros na indústria. Foram ainda bafejados com a adesão de Portugal à então CEE em 1986 e este facto foi fundamental para a sua ascensão. O fazer parte desta grande comunidade de países europeus, através da vinda de milhões de contos em subsídios, foi a pedra de toque para o grande salto no consumo e desenvolvimento social.
 Uma preocupação ruminava a mente desta geração: os seus filhos não iriam passar o que eles passaram e sofreram na infância. Esta lembrança, em forma de recalcamento, era uma espécie de bandeira desfraldada e erguida ao vento;

Os nascidos nas décadas de 1980/90

Esta geração, contrariamente aos seus pais, que trabalhando noite e dia e dormindo sobre espinhos, nasceu e cresceu sobre algodão. Logo desde o berço passaram a ter tudo, desde uma alimentação frugal até ao grande acompanhamento no seu crescer com muito afecto. Tiveram de mão-beijada todos os jogos de consola e acesso a tudo o que fosse formação intelectual. Tiveram na escola e no colégio as melhores marcas mundiais calçadas nos pés e nas camisolas vestidas.
Como entretanto o ensino universitário se democratizou, toda esta criação foi para a Universidade e tirou cursos e mais cursos. Pouco interessava sobre o quê, desde que fossem licenciados e, muito por vaidade, os seus pais –como eu- pudessem gritar aos sete ventos: “o meu filho é doutor!”.
Começaram a chegar ao mercado de trabalho já com quase 25 anos –lembremos que os seus progenitores começaram a trabalhar ainda infantes. Os primeiros a saírem diplomados ainda arranjaram empregos, os que vieram nas fornadas seguintes, naturalmente já não havia emprego para tantos mestres.
E foram ficando em casa dos pais. Estes, perante este descalabro nas suas planeadas aspirações foram ficando frustrados e começaram a ver que afinal o ter canudo não era sinónimo de ter trabalho. Por sua vez, para desespero da família, e também fruto de novos costumes adquiridos enquanto estudantes, uma grande maioria, apesar de não serem auto-suficientes economicamente, continuam a levar uma vida nocturna de “desbunda” e sempre a "cravarem" os familiares. Contrariamente aos seus progenitores, o recurso ao álcool e ao tão popular "charro" é transversal a toda a Europa neste ciclo de desenvolvimento.
Poucos se agarram a mais qualquer coisa para além do objecto de licenciatura. Os que enveredam por áreas do “povo simples” acham que não devem estar ali.
Os pais, como bateria de acumulação, vão enchendo “desaforo” e frustração perante um quadro que ultrapassou em muito as suas previsões planeadas em longas noites de insónia;

O ABANDONO DO SECTOR PRIMÁRIO

Resultado da adesão de Portugal à Europa, e porque, comparativamente com países vizinhos, éramos excedentários em produção agrícola, por directiva contratual, fomos abandonando a agricultura, as pescas e a indústria pesada.
Progressivamente fomo-nos virando para o comércio e serviços.
Passamos a ser um país de vendedores.
O que restou da nossa produção ancestral, de produtos endógenos, por ignorância e quase má-fé, foram desaparecendo quase todos;

A FRAUDE DA GLOBALIZAÇÃO

No início da década de 1990 começou a invasão das “lojas de 300”. Como se sabe eram produtos vindos da China a preços irrisórios. Em Coimbra, na Rua das Padeiras, chegou a haver grandes filas na rua para comprar artigos baratos provenientes do país do Sol Nascente. Ninguém se preocupou, ainda nesta década, de ter encerrado a nossa última fábrica de guarda-chuvas –não esquecer que temos um clima temperado e com muita água a cair no inverno. Ninguém se preocupou que as fábricas de ferramentas portuguesas fossem encerrando paulatinamente, porque foram substituídas pelos artigos chineses.
Como subscritores da Organização Mundial de Comércio em 1994, e portanto a planejar na globalização, a seguir foram as fábricas de têxteis, de calçado, e tudo o vento levou para o Oriente e, depois, era devolvido para o resto do mundo, e nomeadamente a Europa, com a sigla “made in China”.
Claro que todos nós surfávamos alegremente nesta onda consumista, onde uma minoria enriquecia a olhos vistos e uma maioria ia hipotecando o seu futuro.
Os empregos eram cada vez menos para uma juventude cada vez mais apta intelectualmente a entrar no mundo do trabalho. Só que, para tão nobre povo culto e educado, trabalho nas áreas correspondentes não havia.
Para serviços pesados, como a construção civil, o recurso foi a imigração;

A FUNÇÃO PÚBLICA COMO MECA

Como passou a não haver empregos para tantos aspirantes, os sucessivos governos nas últimas duas décadas, cada um à sua conta, foram metendo uns milhares de amigos na função pública. Escusado será dizer que estes “rapazotes” foram sempre para os melhores lugares. O trabalho de “sapa” continuou a ser feito pelos mesmos “básicos” de sempre.


AS NOVAS TECNOLOGIAS A SUBSTITUIR A MÃO-DE-OBRA HUMANA

A era digital entra em força nas empresas e outrora uma pequena fábrica que ocupava uma centena de pessoas passou a ser da responsabilidade de menos de uma dezena e com maior produção –só para lembrar, recordemos no ano passado a substituição de quase todos os portageiros da brisa por máquinas automáticas.
Claro que, a continuar assim, em competição desigual, como é que se podem criar mais empregos? O desemprego aumenta como nevoeiro em manhã húmida;

O CONSUMO COMO ASTRO-LUZ DO FIRMAMENTO

E tudo corria razoavelmente bem, não fosse o atentado das torres gémeas em Nova Iorque, em Setembro de 2001. Aqui, com grande sobressalto, assistimos que afinal a América não era invencível como se fazia crer. E foi o princípio da hecatombe mundial. As torres caíram nos Estados Unidos e a Europa começou a tremer. O consumo sofre o primeiro revés.
As empresas começam a falir na Europa, e nomeadamente em Portugal.
Começam a subir os impostos em flecha para suprir o défice de IRC das empresas.

ESTADO PROVIDÊNCIA VAI AO DIVÃ DO PSIQUIATRA

Na década de 1990, com a economia a cavalgar a trote -mesmo apesar de uma crise em 1993-, por António Guterres, então Primeiro-Ministro, em 1995, é criado o Rendimento Mínimo Garantido. Foi um “fartar vilanagem” com pessoas a receber em quadruplicado. Bastavapara isso que se inscrevessem em vários distritos. São demasiadas histórias contadas.
No virar do milénio, e já depois do derrube das torres, mesmo com a economia nacional a decair fortemente, tudo continuou na mesma. As despesas com a saúde todos os anos aumentavam, as autarquias cada vez mais se endividavam. Ninguém se lembrou que, perante o paulatino cair do consumo –que era o sustentáculo da nossa débil economia- era necessário cortar nas garantias laborais. Ninguém teve a coragem de assumir que numa economia frágil, sem produtividade, e sem rentabilidade, não se poderia continuar a pagar 15 meses num ano. Dos governos que se sucederam nenhum deles assumiu que era necessário flexibilizar o Código Laboral e agilizar os despedimentos. Erradamente, em vez disso, começou a convidar-se à aposentação compulsiva. Resultado: falência eminente da Caixa de Aposentações e da Segurança Social.
Para complementar esta bomba de deflagração, criam-se mecanismos legais para o aborto, e a população activa, em aumento da passiva, diminui a passo de lebre;

A FRAUDE DO PROTOCOLO DE BOLONHA

Como se já não houvesse demasiados licenciados no país, através da ratificação da convenção de Bolonha, passou a ser possível ser licenciado ao fim de três anos. Claro que era (e é) um engodo, mas que interessa isso? O que importa é que o meu filho seja doutor!

AS FALÊNCIAS DOS GRANDE BANCOS NORTE-AMERICANOS

Em Setembro de 2008 rebenta a bronca com a falência do Lehman Brothers e o sistema financeiro mundial, como dominó, começa a ruir em barda.
Só então todos vimos que este sistema financeiro, suporte do económico, afinal tinha pés de barro e estava em crise profunda.

A GRANDE CRISE NA JUSTIÇA

A partir de 1990, no consumo, entrámos na era dos Direitos, Liberdades e Garantias. Ninguém se lembrou que, perante tantas premissas garantísticas, com os conflitos a aumentarem, não haveria edifício da justiça que resistisse. Resultado: a justiça entope.
Passamos a ser um país de direitos e nenhumas obrigações.
O Estado, em contra-ciclo e ainda para aumentar mais a confusão, passa a utilizar as leis para controlar a vida privada: resultado: mais e mais processos em tribunal.

E AGORA?

Agora estamos perante um inevitável PEC IV. Perante a necessidade de nos abastecermos de crédito lá fora, não haverá volta a dar a isto.
Soluções, aparentemente, não haverá mesmo, a não ser todos pagarmos com juros de língua de palmo o que usufruímos, sem poder, nos últimos 25 anos;

 O PSD IRÁ DERRUBAR O GOVERNO?

Perante tantas incertezas algumas coisas sabemos: este Governo cairá apeado pelo presidente da República -através da dissolução do Plenário- ou através de uma moção de censura. Sabemos também que, em princípio, José Sócrates não se demite nem que a porca torça o rabo.
Sabemos também que apesar de Passos Coelho dizer ontem que não deixaria passar este PEC IV, provavelmente e mais uma vez, como no Orçamento Geral do Estado, vai apresentar ao eleitorado umas pequenas vitórias de Pirro e o PEC lá passará na Assembleia da República. E porque irá o PSD viabilizar mais um pacote de drásticas medidas? Exactamente porque não tem soluções novas para apresentar ao eleitorado perante a enormidade de problemas que afligem a Nação. Mais ainda, este grande partido de oposição sabe que o executivo de Sócrates, como já não está a governar para as sondagens, vai tomar medidas de urgência e anti-populares, como é o caso da flexibilização da Lei do Arrendamento e alteração do Código do Trabalho, com as indemnizações por despedimento a caírem para um terço;

E agora em final, depois de tanto escrever, certamente você gostaria que lhe apresentasse um culpado desta situação? Pois, gostava, mas eu não indico. Apenas posso dizer que todos teremos a nossa parte de culpa. No fundo, bem no fundo, os políticos que temos hoje, com todos os defeitos e virtudes, são o resultado da nossa, muita ou pouca, exigência. Se nos enganaram ao longo de todas estas últimas décadas? É provável, mas, pensemos: não seria isso mesmo que nós queríamos? Não fomos nós que pedimos? Agora queremos que eles falem sério? Muito bem, então aguentemos o murro. Ele está aí!


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