quarta-feira, 29 de maio de 2013

ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS



ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS: O TENOR

 Tal como andorinha que do norte de África regressa na primavera, o Geraldo Duarte Santos, de 52 anos de idade, volta e meia, invade as ruas estreitas e, com o seu inconfundível vozeirão de tenor a cantar canções do Quim Barreiros, enche a Baixa de um inconfundível calor humano.
Tal como outros caminhantes na cidade que percorrem esta vida em busca de coisa nenhuma, o Geraldes é uma criança enorme, de sorriso doce, com corpo grande e mente pequena. Os seus gestos são ternurentos e não faz mal a ninguém. Tem um discurso algo monocórdico e nunca se sabe onde começa a ficção e acaba a realidade. Já escrevi muito sobre ele no meu blogue. Encanta-me a sua forma de ser. Gosto dele, e ele sabe isso. Quando regressa ao centro histórico vem sempre visitar-me e cravar-me ora uma moeda ora uma flauta. Como passarinho abandonado por todos, percorre estas praças e becos em busca de atenção e de um abraço amigo –coisa complicada nestes tempos de individualismo, digo eu. Nasceu em Macinhata do Vouga, ali para os lados de Águeda. “Já há muitos anos que ando aos caídos”, diz-me com a voz entaramelada, mas sem dramas, como alguém que as pedras do chão, à força de tanto ferir a alma, tornaram duro nas palavras mas aceitou o destino que lhe calhou em sorte. Prossegue, “durmo num prédio velho, junto à Estação Velha. Sei ler e escrever, graças a Deus. A minha mãe está em Macinhata. É muito pobre. Trabalhei nas quintas, estive em Espanha, sempre na agricultura. Não recebo nada do Estado. São as pessoas que me ajudam, graças a Deus, Nosso Senhor! Quando tenho fome vou ter com os muitos amigos que tenho nos cafés e nos restaurantes e eles dão-me comer. Toda a gente gosta de mim, graças a Deus! Não faço mal a ninguém. Ajudam-me. Gostam de me ver e ouvir cantar. Adoro cantar. Sabe que estive com o Quim Barreiros na Queima? Ele ouviu-me cantar… “Tiro o carro, meto o carro, à hora que eu quiser, na garagem apertadinha da doçura da mulher..”. Canto bem, não canto?”

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