sexta-feira, 1 de março de 2013

O ESPELHO DA ACTUALIDADE COMERCIAL




 Ontem a Rua Ferreira Borges foi palco de um acontecimento que, embora comece a ser vulgar, nos deve fazer pensar. Para além da vergonha que a demandada deveria ter experimentado –se é que sentiria mesmo, mas isso é outra questão-, tratou-se de um despejo comercial onde, como é hábito, se gera algum aparato pela permanência de um ou mais agentes da PSP.
À primeira impressão, até podemos pensar que, ao longo da nossa história recente, sempre houve e haverá inquilinos que não satisfazem o compromisso contratual com a outra parte, neste caso o senhorio, e, portanto, literalmente interrogamos: “e o que tem este facto de extraordinário?”
Antes de ir directamente à resposta, vou divagar um pouco. Sem me armar em moralista subjectivo –porque também não vale a pena já que você não acreditaria- e, neste caso é o que importa, alocando o princípio da boa fé, enquanto conceito jurídico e em sentido objectivo, geral, a regra da boa conduta, em que os contraentes devem agir de modo honesto, correcto e leal deve estar sempre presente nos negócios. Especulando, já vi que você está a arranhar na cabeça como a pensar: “mau, mau! Onde é que este teórico quer conduzir a conversa? Então um contrato de arrendamento, celebrado entre duas ou mais partes, para além de ser lícito, estabelecido em liberdade –um propõe um preço e outro aceita-, livre de coacção, não pressupõe estar envolvido no espírito da boa fé e imbuído de honestidade pela correcção e lealdade dos entes?”.
Aparentemente assim é, mas só mesmo na aparência. Antes de prosseguir, há uma premissa que devemos levar em conta e, aos meus olhos, transforma este caso de ordinário para extraordinário: segundo vizinhos, e já por aqui, pela Baixa, se constava, o valor acordado entre inquilina e proprietário pela pequena loja era de 2800,00 euros mensais. Volto a repetir que o contrato foi celebrado livremente entre as partes –claro que, antes de avançar, deve-se clarificar que, no meu entendimento, este conceito de “celebrado livremente” só se pode entender quando as fracções em oposição estão num plano de equilíbrio relativo. Isto é, quando nenhum dos confrontantes, em posição dominante, pode exercer uma postura de domínio absoluto sobre o outro. Ou seja, aproveitando-se da fragilidade do outro, impõe a sua vontade. Relembro que neste caso, como noutros, está em oposição um proprietário, abastado ou não –embora a presunção de posse seja relevante e evidente em casos análogos- e um pequeno comerciante que inevitavelmente, pelas circunstâncias, tem de trabalhar para sobreviver, comer, pagar as suas contas e, mesmo mal, conseguir viver.
Para fundamentar melhor, mesmo não percebendo nada de Economia Política –quando por lá andei fizeram o favor de me chumbar, isto só para entenderem que daqui não sai grande coisa e estão mesmo perante uma grande nódoa-, armado em grande intelectual, vou socorrer-me do pensamento da Escola Clássica. Segundo Malthus e Ricardo, primeiro quartel do século XIX, a definição de renda era assim apresentada: “Renda é a parte do valor do produto total que resta ao proprietário (arrendatário) após o pagamento de todas as despesas de qualquer espécie correspondente ao cultivo, incluindo-se nestas despesas os lucros do capital empregado, calculados segundo a taxa usual e comum dos lucros do capital agrícola no período de tempo considerado”. Isto quer dizer o quê? Tão-somente que a renda paga ao dono da coisa, terra ou edificação, deve ser justa. E exemplificava assim: “Desse modo, se o produto total for unicamente igual ao valor das despesas necessárias ao cultivo, não pode haver nem renda, nem lucro.”
Já agora, ainda dentro da Escola Clássica, vale a pena citar Adam Smith acerca da teoria da renda: “Não é por qualquer forma proporcional àquilo que o proprietário possa ter despendido na respectiva beneficiação, ou ao valor que se lhe torna possível exigir; é-o, sim, àquilo que o rendeiro tem possibilidade de pagar
Passando para a Escola Marxista, terceiro quartel do século XIX, é interessante ler o conceito que Marx fazia dos proprietários: “O proprietário de terras que era um funcionário importante da produção no mundo antigo e na Idade Média é hoje, dentro do mundo industrial, um aborto parasitário”. Qualquer semelhança entre o conceito de Karl Marx e o caso que trago à colação, como se deve calcular, é pura coincidência.

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