quinta-feira, 21 de março de 2013

AS FILAS DO SILÊNCIO

(Imagem da Web)

 Embora haja cadeiras vazias, o homem está em pé na grande sala da administração pública. De vez em quando, saído do visor de atendimento por número sequencial sai um “clique” a querer indicar que está um funcionário à espera do próximo cliente. Reparei que, para além do seu olhar parado e fixo, de uma das suas mãos um bastão branco com uma argola na ponta toca o chão. É invisual. Se ninguém anuncia o número no visor como é que ele pode saber quando chegará a sua vez? Começo por me questionar.
Chama-se Armindo Claro, tem 41 anos de idade e é completamente cego. Enquanto espero a minha vez, meto conversa com o Claro. Como é que consegue saber quando chega a sua vez para ser atendido? Já que nenhum empregado, alto e bom som, sublinha os números de atendimento? Interrogo. Responde o Armindo: “Ora bem, normalmente tenho prioridade. Está previsto na lei. Embora, diga-se, às vezes as pessoas não entendem porque tenho necessidade de lhes passar à frente e reclamam. Aqui, nesta repartição pública, apesar de não ter um segurança, sempre fui bem atendido. Mas, de facto, já que você fala nisso e os visores são mudos, deveriam ter mais atenção a situações como a minha, de invisual. A administração, no mínimo, deveria ter aqui alguém para nos encaminhar. Esquecem as nossas limitações. Olhe, por exemplo, eu recuso-me liminarmente a enviar o IRS pela Internet.”
Fomos interrompidos por um funcionário que saiu de dentro balcão. Depois de o cumprimentar com simpatia, colocando-lhe a mão no braço, exclamou: “vamos lá então para o primeiro-andar, senhor Armindo?”. E ambos foram engolidos pelo lance de escadas.

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