quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A INUTILIDADE DA POBREZA (ENSAIO)

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)



Texto escrito inicialmente por José Xavier Nunes
 e, com a devida vénia, acrescentado por Luís Fernandes



 Quanto mais pobreza houver entre os homens menos se desfrutará a riqueza em liberdade. O detentor da opulência, ao viés de se sentir escolhido e livre, experimentará um sentimento de acossado, refém da sua própria condição de abastança. Ser-se rico e estar rodeado de pobres, do ponto de vista moral, deveria ser considerado abominável, um martírio só suportável por mentes obscuras, sadomasoquistas e egocêntricas, sem outro alcance além da ponta do seu nariz. A pobreza não exalta a riqueza, enxovalha-a e cola-se-lhe como estigma de um passado pouco virtuoso. Toda a riqueza é vertical, efémera e a prazo. Seja na terceira ou infinita geração, mais cedo ou tarde cairá. Em contraposição, a pobreza é horizontal e, como pandemia, tenderá a alastrar-se provocando a desordem, a insegurança e tenderá em retornar o homem às suas origens selvagens.
Para os que nada têm, a riqueza é vista como uma doença furunculosa que provoca rancor, inveja e desdém. Os seus sinais de ostentação, assentes em alicerces de injustiça, são como verrugas no espírito dos pobres que ensombram até o sol mais radioso, que aquece uma humanidade pretensamente feliz e enquanto primado da sua condição. Gozar a riqueza em locais isolados e inacessíveis aos demais mortais deveria ser um assombro à alma de um endinheirado. Sem o poder evitar, terá sempre por perto os fantasmas da fome, material ou espiritual, deambulando pelo espaço dos seus jardins. Dormirá com soporíferos de variada ordem, porque o seu espírito não tem descanso, atormentado que está pelos gritos silenciosos de quem mais não tem com que viver senão a esperança do dia de amanhã. Viver na riqueza afastado do chafurdar da pobreza em incompleta insensibilidade é um ato desumano sem esperança num futuro equilibrado, ajustado na igualdade de que todo o homem é meu irmão, em contraposição às assimetrias sociais divididas entre o mais e o menos.
Como espada de Dâmocles assente numa justiça natural, tanto se morre por ser rico como por ser pobre, mas o abonado requer mais pompa na hora da circunstância... como se tal coisa lhe valesse além das fronteiras da morte e do esquecimento perene. Nenhum rico ficou para a História apenas pela sua fartura. Depois de uma vida de exploração, em contrição e para lavar a alma, alguns ficaram pelas suas acções geradoras de bem-fazer. 
É tão inútil e contra natura manter um povo de pobres, como gozar uma riqueza afrontado por uma maldição assente em esqueletos enterrados em quintais.
Filosoficamente, ninguém lucra com um estado continuado de empobrecimento. É como escolher a noite escura em detrimento do dia brilhante. Em vez de iluminados nascerão seres abjectos, monstros insensíveis. A riqueza tomada sobre cadáveres, como síndrome patológica, se tornará sombria, símbolo da indignidade e sem glória. Materialmente, sabemos, está a acontecer. Deliberadamente e intencionalmente, obedecendo a um plano maquiavélico e estudado ao pormenor, a maioria enfraquece para fortalecer e enriquecer uma ínfima minoria, um grupo parasitário que, destruindo teses justas num amanhecer de esperança colectivo, rebenta com as ideologias planetárias de uma justiça social.
No silêncio, o pobre, aceitando a sua condição como fado impossível de alterar, resigna-se, vira-se ao transcendente e reza. No ruído envolvente, o rico exalta-se e julga-se Deus, mas ninguém o ouve -da mesma forma que se compreende e se toma a pobreza como desígnio. É uma aceitação tácita baseada na hipocrisia e fobias sociais. Virando-se para o metafísico, como complemento de respostas impossíveis, surgem então, vindos de remoto antanho, os espectros de má memória e as maldições cíclicas que se abatem sobre o ser humano como fatalidade. 
Que utilidade terá para o mundo um exército de pobres? Descalços e vazios, nem vislumbram o inimigo. O inimigo? E quem será o inimigo do pobre? Em que brumas perdidas se pode encontrar? Na história? Na antropologia? Na essência do homem? Vai o abundante, enquanto mentor imbuído de benfeitor, obrigá-lo a combater este invisível causador de desgraça? Com que direito impõe a sua legitimação? Mas, afinal, voltamos à interrogação, quem é verdadeiramente o inimigo do pobre? Será o rico? Não, não pode ser! A riqueza não deve ser ostracizada enquanto meio para alcançar um fim de maior desenvolvimento e melhor bem-estar social. Já se constituir um fim em si mesmo será parasitária –que aliás, maioritariamente, é o que acontece, sobretudo quando os governos apelam ao aforramento. Obrigatoriamente, deveríamos querer acabar com os pobres e pretendermos ser, mesmo numa desigualdade impraticável de suster, todos mais abastados e para que ninguém fosse obrigado a estender a mão por necessidade. Então, se não é o copioso, quem é o adversário do pobre? É a AMBIÇÃO, enquanto desejo único e açambarcador, primo, tutelar, ditatorial, exterminador, que, na sua ganância sem limites, calca, destrói e achincalha o ser humano, e amanda para o charco a ambição natural, a aspiração, aquela que nos move e empurra para frente, com fé num mundo melhor, e que existe dentro de cada um de nós.
Também é verdade que a pobreza existe porque dá jeito enquanto cosmo de projecção dos medos do homem. O que seria das religiões sem a pobreza? O que seria dos políticos partidários sem o apelo vincado aos sem tecto e sem esperança?
Quem se sente humilhado rumina vinganças e, pelo ressentimento que o corrói, raramente tem tempo para obras poéticas. E se o tiver, porque para dar valor ao tempo precisa de ter a cabeça arrumada, como timoneiro indigente prefixado, pirata nas entrelinhas do asco, as suas cogitações serão sempre tristes e medonhas, a marearem em oceanos de angústia e sofrimento num barco de velas negras.
Hipoteticamente, num inglório esforço, como adventista do sétimo-dia de uma religião de equidade com fé num homem novo, poderá sair à rua a reclamar com a sua voz revolucionária e a quebrar o silêncio dominante. Mas, como nuvem passageira de um infinito presente de situacionismo, sem ser ouvido por surdos disfuncionais, depressa regressará à sua pobreza como origem de destino, e como, na natureza, o lobo voltará ao seu covil. 
É de uma inutilidade atroz perseguir como fim planificado de alguns e perpetuar a pobreza na sociedade. Inevitavelmente germinará em guerra, mesmo que seja calada pelo suicídio, e provocará muitas vítimas infelizes. Daqui, deste exército de descontentes e de penúria, como guerreiros mal-nutridos, poucos sairão vivos. Mas, na mesma desdita, os capitalistas também acabam por perder. Será a riqueza uma maldição?

1 comentário:

Conversas... disse...

Digo citando a Biblia, "Mais fácil é entrar um camelo por um buraco de agulha do que um rico no reino do céu...", leia-se rico não só os que tem abundância de bens materiais, mas todos os ricos em arrogância, desonestidade, incompetência, abuso de poder, etc..., e leia-se reino dos céus como felicidade, consciência tranquila, amor pelo próximo, e bem fazer que é o caminho para a felicidade total, e para a imortalidade! Bom Dia!