sábado, 5 de janeiro de 2013

"COMO É QUE FOI? COMO É QUE FOI?" (3)



 Hoje, por volta das 10h00, a denominada “Orquestra de Músicos de Rua de Coimbra”, composta pela Celeste, pelo Paolo, pelo Emanuel, pelo Armando, pelo Lourenço, pelo Luís, pela Fátima e este vosso serventuário, começou a terceira ronda e última, a cantar as Janeiras. Saliento que hoje a nossa actuação foi filmada pelo nosso “camaraman”, operador de filmagem, o Luís Filipe Perdigão que, mais uma vez, fez o favor de registar em vídeo a nossa passagem pelas ruas da Baixa.
Foi interessante porque, para aquecer as vozes e desentorpecer as mãos –hoje estava um frio cortante-, começámos a ensaiar às 9h30 no Largo da Freiria. Como as lojas ainda não tinham aberto ao público, num relance, foi bonito ver alguns funcionários comerciais a cantar connosco. É curioso também verificar que, num registo alargado, contribuíam mais facilmente os empregados do que os patrões. Por parte de alguns empresários deu para sentir um certo desligamento. Vi alguns, incluindo pessoas com responsabilidades no sector, dizerem ostensivamente que não traziam carteira. Estas pessoas ocupam lugares políticos, na relação com a polis, no mínimo era-lhes exigido uma performance nem que fosse teatral, no gesto de dar uma moeda grande ou pequena, para que não passassem por insensíveis e pelintras. É óbvio que estas pessoas ocupam estes cargos apenas pelo protagonismo e nunca estiveram interessados nem em dar qualquer exemplo aos seus pares nem em representar quem quer que fosse. Infelizmente o país está cheio destes modelos. Passemos à frente.
 Assisti a outros profissionais do comércio que ao serem confrontados pela Celeste, de uma forma depreciativa, se afastavam sem uma única palavra de cumprimento. Vi outros que, por exemplo, a limparem um vidro, sem um único olhar ou palavra assim continuaram. Bolas, isto é uma declarada falta de respeito. A maioria destes comerciantes começaram do nada e depressa esqueceram o que passaram para alcançar a posição que detêm hoje –ainda que, pela crise sentida e olhando para mim, é de supor que não seja invejável-, mas há muita falta de cultura, sobretudo educação e respeito pelo próximo, por parte destes profissionais. Nem a letra da “Canção das Janeiras” os fazia darem um olhar de consideração:

CANÇÃO DAS JANEIRAS

Senhora que estais lá dentro
vem cá fora, vem-nos ver,
traz contigo qualquer coisa,
qualquer coisa p’ra comer;

Já agora sem abusar,
um dinheiro, por favor,
é p’ra dar ao Deus-menino,
filho de Nosso Senhor;

Tenta   ser mui generosa,
dá uma nota de contente
a ti pouca falta faz,
e a nós muita, certamente;

        REFRÃO

Somos os Reis cá da terra,                   
vassalos e sem peneiras,                     
cantamos canções de amor,          
na tradição das Janeiras                
                                         
  
Nesta casa mora gente                                                                   
com  coração p’ra sentir                                                           
ainda lembra, certamente,                                                  
quando ao rico foi pedir;                                                     
  
 É triste não recordar
 e a memória esquecer
 se não tem nada p’ra dar
 ao menos venha nos ver; 

Obrigada gente boa,                           
alma muito generosa,                          
que nunca vos falte a broa,                
nem o brilho de uma rosa. 

Dizia eu então que cerca das 10h00 recomeçámos a nossa via-sacra pelas ruas estreitas.   Estivemos em frente à Câmara Municipal e acabámos na Rua da Sofia. Hoje, ou por ser Sábado ou por que a maioria dos transeuntes tinha conhecimento, já que ontem saiu em todos os jornais locais e nacionais a nossa prestação de cantar as Janeiras na Baixa, a verdade é que dos três dias este foi mesmo o melhor. Vários anónimos deram notas de 5 e 10 euros. Juntou-se 183,00 euros, e que, em resultado dividido, deu cerca de 26 para cada um dos sete músicos –como já disse, repito para não haver confusão, eu não conto nesta divisão. Só quando ganharmos milhões é que vou buscar a minha parte, com juros. Por enquanto, como são cêntimos, não aceito. Nós os ricos somos assim.
Em resumo final, deu para ver que esta iniciativa, de um modo generalizado, foi muito bem aceite por todos e correu muito bem. Proximamente virão outras festividades, como o Carnaval, a Páscoa, Dia da Cidade e outras, ora estes músicos, com um custo mínimo, podem muito bem serem aproveitados para alegrar a Baixa. Para além disso, tenho a certeza, com este passo, estamos todos a começar a aceitar melhor que estas pessoas prestam mesmo um bom serviço para alegrar as ruas e são muito importantes para a cidade.

O ACORDEON DO PAOLO DEU O “ESTADÉU”




 Durante este desempenho de hoje os baixos do acordéon do Paolo Vasil, o músico romeno, resolveram ir-se ainda mais para baixo. Por outras palavras, o instrumento avariou. Mesmo assim o Vasil, muito menos ritmado, andou até ao fim. Depois da prestação o Paolo veio ter comigo e, naquele seu olhar terno de meiguice, com a voz entrecortada dividida entre “pretoguês” e “romenês, disse: “sinhôr”… Luís, “estar” em dificuldade… Não ter dinheiro para “concirtar” instrumento de música. O “qui” posso fazer? Quem “mi” pode ajudar? “Mi” precisa de juntar todo o dinheiro para a renda “di” casa. O “qui” posso fazer, “sinhor” Luís?”
Naturalmente que não tive resposta para esta questão. Trabalho todos os dias e, como todos, também tenho dificuldades. Sou um pequeno comerciante remediado, mas que para andar com eles, músicos, durante todo este tempo, tive o meu estabelecimento encerrado e tenho alguns custos a que não dou importância. Dito de uma outra forma: tenho cara igual ao Pai Natal, mas não sou igual. Não tenho barbas brancas como este e sou muito mais novo. Dito de outra maneira e em apelo: se durante a próxima semana você, leitor, passar junto ao Museu Municipal do Chiado e encontrar lá o Paolo Vasil seja generoso. Lembre-se que a sua “enxada” de trabalho está avariada. Obrigado.


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