sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

ACASOS (IN)FELIZES (2)


 Durante a manhã escrevi aqui que há candeeiros de rua que nascem com sorte macaca. Não sei se estarei a ser claro, mas quero dizer que nascem em dia aziago, sem sorte nenhuma. Vejam lá se não estamos em presença de uma destas manifestações azarentas?
No Sábado passado, o temporal, que não tem respeito pela velhice e deveria ter –porque este lampião é dos mais antigos da cidade e faz parte de um acervo que foi desaparecendo e sendo substituído por uns harmonizados e muito feiinhos graças a Deus-, dizia eu, para que você não perca o fim à meada, que o tempo, na sua imprevisível má-disposição, deu para marrar no pobre lampião, que por acaso até é cristão e está ao lado de quem vai frequentar a Igreja de São Tiago todos os dias à noite por vontade do senhor Bispo, D. Virgílio Antunes, e que finalmente, depois de tanto o aborrecerem por aquele templo estar encerrado na Baixa, abriu portas a quem lá for por bem. Continuando, a luminária, depois do aperto pelo vento, ficou com uma asa caída, como quem diz a porta aberta, e com uns vidros laterais partidos. Era coisa de monta? Não senhor. Se o seu proprietário fosse privado uma hora depois estaria o assunto resolvido. Encostava-se lá uma escada, retiravam-se os cacos, tirava-se a medida, ia-se mandar cortar os vidros necessários e pronto: estava a coisa feita. Acontece que o gestor da iluminação pública é a Câmara Municipal, ora, por aqui, já se vê que a coisa chia mais fino. Esta coisa de mudar um vidro não é assim tão simples como parece. Só ignorantes “casca dura e cabeça tipo quartzo”, como eu, não percebem a complexidade de uma obra desta natureza.
Continuando, como se estava perante uma enormíssima dificuldade, o que fizeram dois funcionários camarários na segunda-feira? Eu explico, porque estou a escrever para isso. Olharam para o exemplar de ferro forjado, lá para o alto, e, especulando, deveriam ter dito um para o outro: “é pá, isto está muito alto!”. E, em face da dificuldade circunstancial, foram para o que se faz sempre em presença de algo que implica esforço mental e físico de alguém que trata da coisa pública: isolar a área envolvente. E assim, por causa de uma portinhola aberta e dois vidritos partidos, apartou-se uma parte das Escadas de São Tiago. Quer saber quanto tempo? Calma. Eu conto tudo, mas nada de me pressionar. Eu respondo: até hoje. Quer dizer, foi até hoje, por circunstancialismo, por que poderia ser durante semanas. Quer que lhe conte? Quer? Então faça favor de não mostrar ansiedade. Seja calmo como os funcionários da autarquia, caso contrário, lá vamos nós aumentar os fármacos antidepressivos –ainda hoje a imprensa falou disso.
Continuando, quer você saber porque retiraram hoje as tarjas vermelhas? Eu conto –embora preferia não ter de o fazer, mas já que você insiste assim seja. Então é assim, logo de manhã passei na Praça do Comércio e vi uma grua de uma empresa de limpezas, que, parece-me, trabalha também para a Câmara Municipal, encostada ao prédio do candeeiro azarado. Estavam lá dois funcionários a limpar os vidros do edifício da Caixa Geral de Depósitos. Tirei uma foto e, falando lá com um vizinho entabulámos conversa sobre a possibilidade de a máquina elevadora servir para colocar os vidros no azarento candeeiro e retirar aquelas inestéticas fitas vermelhas das escadas. Fui falar com o manobrador e coloquei-lhe a seguinte questão: diga-me lá, se por acaso viesse aí alguém da edilidade, você desviava o cesto uns metros e deixava que trocassem aqueles vidros partidos, para retirarem essas fitas que já estão aí há uma semana e à espera de outro temporal que há-de vir qualquer dia? E o homem, que pelos vistos é uma boa alma prática, disse imediatamente que sim. E o que é que eu fiz? Quer saber? Quer? Então tenha lá calma que isto é para ir contando devagar. Pensei cá com os meus botões, vou ter com o Director do Gabinete do Centro Histórico –que, ao que se sabe, o seu departamento está a dar as últimas, se calhar porque apresentava demasiada dinâmica para uma máquina tão emperrada- Sidónio Simões, que é um tipo experiente assim na mesma linha do manobrador, e, em três tempos, esta coisa fica resolvida. E coloquei os pés ao caminho do Gabinete do chefe. Azar meu, hoje estava em formação. Paciência, avancemos para bingo. E lá expliquei à funcionária o que me lá levou. Esta passou a bola para outra, muito simpática, por acaso, e voltei a explicar. Colocou-se em ligação telefónica para o departamento de iluminação pública, mas, outra vez azar meu, o engenheiro também não estava. Procurou-se uma senhora responsável e que me foi deixada a possibilidade de explicar o que ali me levou. Comecei a contar e fui logo interrompido pela voz feminina do outro lado: “o senhor sabe que houve muitos problemas neste fim-de-semana na cidade e devido ao temporal e assim e assado”. E eu queria falar mas a senhora preocupada, certamente a pensar com seus botões que ali estava um chato do “caraças, não me deixava. Até que, já farto de ouvir as explicações, mentalmente, dei um murro invisível e disse: posso falar, minha senhora? Posso? E a senhora, do outro lado do fio, deixou. E curioso, graças a Cristo Nosso Senhor, até me entendeu e passou a outro senhor. Lá expliquei outra vez. E, graças à nossa padroeira Rainha Santa, então não é que ele também compreendeu? E fez muito mais: disse que ia mandar lá já o pessoal para tratar do assunto em questão. Lindo. Não é? Pois é. Quando as coisas são assim tão fáceis é uma maravilha… é certo que contei com a ajuda divina, mas, para o caso, também não interessa nada. Continuemos.
Passados cerca de 30 minutos, mais coisa menos coisa que isso também não interessa nada, apareceram dois funcionários da autarquia. Dirigi-me ao mais velho, cerca de cinquenta anos mais IVA, e disse-lhe: bom dia. Fui eu que, através do Gabinete do Centro Histórico, falei para o seu serviço. Era para ver se, aproveitando este elevador, que vai estar aqui durante toda a manhã, vocês colocavam ali os vidros que faltam no candeeiro e, assim, arrumava-se isto. Estas fitas estão aqui desde segunda-feira. Estão a parecer mal. O homem olhou para mim, pareceu-me exclamar um “grunhido” ininteligível qualquer, que não compreendi bem, mas pela aparente má-disposição, em especulação, poderia ser entendido e significar qualquer coisa como isto: “quem é este parvo? Por que ma havia de estar a chatear? Se eu até estava tão bem lá no serviço! Fosca-se! Sempre aturo cada melga!”. E fui à minha vida, pensando que o assunto estava resolvido. Fiquei contente, com a certeza de que tinha feito o que devia.
Voltei lá cerca das 13h00. Já não se avistava a grua. As fitas vermelhas tinham desaparecido. O Candeeiro lá no alto já tinha a portinhola fechada e os vidros partidos tinham sido removidos. Quanto à colocação de uns novos, e aproveitando o elevador, isso já é outro assunto. É preciso ter calma. Estas coisas não são assim. Sei lá, às tantas é necessário um projecto de obras?; quem sabe um requerimento para o IGESPAR?; sei lá, só se deve trocar vidros com um elevador dos bombeiros?
É que a gente fala, fala, mas as coisas não são assim. É muito provável que, com a nova Lei de Compromissos não houvesse verba cabimentada… calculo o valor dos vidros em 20 euros. É tudo muito fácil para quem está de fora. Isso é que é! Ah, pois!
E o que pensa disto a candeia pública? Pois, essa é a questão. Tentei por todos os modos falar com ela, não respondeu. Sei lá, se calhar até tinha o telemóvel desligado.



2 comentários:

Daniel disse...

O problema começa logo nos funcionários da Câmara, que são quem lida mais de perto com este tipo de problemas, nota-se à distância que andam sempre com pouca vontade de fazer alguma coisa. Depois ainda há toda a burocracia para conseguir a verba necessária para fazer a reparação. Depois ainda é preciso que o chefe do departamento autorize, mas antes ainda tem de ser analisado pelo Sr. engenheiro. E no fim disto tudo ainda deve ser preciso elaborar um relatório. Entretanto há muitos outros problemas por resolver, que vão ficando em lista de espera.
Quando passamos nas ruas não é difícil encontrarmos pequenos defeitos na via pública, sinalização e mobiliário urbano que ficariam resolvidos com uma simples e rápida reparação, que nem implica grandes custos. Era bom que houvessem equipas de rua com vontade e autonomia para resolver estas situações da forma mais célere possível.

JPG disse...

Grande narrativa Amigo!

Como canta o Sérgio Godinho...

«Rabugenta, eu? Não senhor!
Eu hei-de ir desta pra melhor
mas falo pelos que cá deixo
não é por mim que eu me queixo»

Abraço e bom fim-de-semana!