terça-feira, 9 de outubro de 2012

OS NOVOS FALCÕES



 Anda lá no alto misturado por entre as nuvens. Está sempre atento ao que se passa cá em baixo. Contrariamente a outros pássaros, embora cace com a ajuda do grupo, o falcão voa sozinho. É um predador do objecto por si consignado. Serve-se de todos para atingir os seus fins. “Fala” baixinho e nunca se irrita com o interlocutor. Depois de muitas noites sem dormir a estudar a sua presa, conhece o outro como ninguém; desde a sua fragilidade até à sua maior qualidade. Através da vaidade que provoca, explora o elogio até ao desgaste final, e o outro derrete-se todo como cubo de gelo exposto ao calor de Agosto. Tem boas relações na prefeitura, pelo menos pontuais, e com quem decide trava grandes amizades.
Este falcão, para além de ser um grande caçador, é um “caga-milhões”. Quem o ouve falar, de olhos tristes e ar simples, fica confuso e dividido entre a comiseração e o pasmo. Opta por esta premissa e é o seu desastre. Porque o julga capaz de reerguer a Babilónia vai colocar nas suas mãos as suas poupanças, que nunca mais verá. É um democrata; tanto furta um milhão ao mais rico como um cordãozito de ouro à mulher que sobrevive com uma reforma de 200 euros. Não tem consciência e a dor não tem lugar no seu coração. É um artista de teatro de rua que interpreta qualquer papel, desde Hamlet, de Shakespeare, à ópera bufa. Nada lhe mete medo. Atirar-se das alturas em voadura picada é o seu forte.
Segundo as suas gabarolices, já viajou por todos os céus do mundo; já comeu as melhores fêmeas; já dormiu nos melhores hotéis; já comprou metade desta terra. Enrolando facilmente um dono de um beiral, faz um ninho aqui, a seguir outro noutra ponta da cidade. Nunca está muito mais do que meio ano no mesmo lugar, porque outros otários solicitam a sua presença e “pedem” para serem burlados. No "cravanço" labora durante o dia. Abre as asas e levanta voo pelo negrume da noite e quando se dá pela sua falta alguém vai gritar de desespero. O que seria a cidade sem estes “artistas” da pirueta rasante? Uma pasmaceira? Se calhar pior. Talvez fosse um deserto de ideias.


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