segunda-feira, 15 de outubro de 2012

CHEGARAM AS CASTANHAS

(Imagem a preto e branco de Leonardo Braga Pinheiro)


 Quem faz o favor de me ler saberá que, como disco riscado, estou sempre a bater na mesma tecla: na actualidade, os locais habitados tornaram-se formatados e sem vida genética ligada na cultura de antanho. Em nome de uma homogeneização bacoca de tecnocratas com assento em Bruxelas, que não sabem nada do que é o povo no seu lado intrínseco de usos e costumes, transformou-se tudo em igual. Como se certos hábitos que nos davam identidade fossem sinónimos de subdesenvolvimento e atraso e, por isso mesmo, através de leis sem sentido cultural e histórico, destruíram-se séculos de saber fazer e de memórias. Progressivamente foi-se perdendo a naturalidade e implantou-se o artificial –quando penso neste processo, em analogia, lembro-me sempre de uma máquina de picar carne, no bocal maior entra a diversidade e no menor sai tudo massificado e igual.
Quem se lembra de Coimbra há quarenta anos atrás, sem esforço, vai recordar a cidade desse tempo através dos ruídos, dos vários pregões das vendedeiras, do vendedor da banha da cobra, da cigana a ler a sina, do barulho da amálgama de gente com seu rumor de fundo; dos cheiros que emanavam de cada recanto, de cada loja –com odor a naftalina-; de cada tasca –com o aroma de bifanas e “jaquinzinhos fritos-; de cada pequena fabriqueta de amêndoas e doces tradicionais –com o intenso perfume a açúcar em ponto.
Hoje, neste deserto de insensibilidade, poucos restam. Um dos odores que ainda temos oportunidade de “snifar” é o das castanhas assadas. Mas será por poucos anos. Quando desaparecerem pessoas como a dona Adelaide e a senhora Natália, se quisermos lembrar o Outono, resta-nos, se calhar, adquirir estas fragrâncias em casas de perfumes que nos venderão a sua essência.
Felizmente que, pelo menos este ano, a dona Natália ainda nos presenteia a todos com o seu espectáculo visual e festim para o nosso olfacto. Aí está ela, e às vezes o marido, a comercializar as castanhas. Um dia, inevitavelmente, vamos todos sentir a sua falta.

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