quinta-feira, 20 de setembro de 2012

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA 

Para além  do texto "A cidade da cruz ao peito", deixo também os textos "Hébil, o pintor maldito" e "Reflexão: Habemus fé".


(imagem de Leonardo Braga Pinheiro)

A CIDADE DA CRUZ AO PEITO

 O Diário de Coimbra (DC) do último domingo noticiava: “Adjunto demite-se após “ofensa” no Facebook”. Continuando a citar o DC, “O adjunto do presidente da Câmara de Coimbra, João Francisco Campos, apresentou ontem a demissão do cargo que ocupava há cerca de ano e meio na sequência de um comentário que colocou há poucos dias na sua página do Facebook. No dito comentário, depois de recordar momentos em que alertas feitos pelo PSD foram desvalorizados e até criticados pelos eleitores (dá o exemplo de Manuela Ferreira Leite), João Francisco Campos termina com a frase: “Agora esse mesmo Povo, ou parte dele, queixa-se que afinal o Rei vai nu. Vão p’ro carvalho.”
Continuando a citar o DC, “A polémica terá levado vários elementos do partido, e não só, a chamarem a atenção do presidente da Câmara e, segundo o Campeão das Províncias, um munícipe dirigiu mesmo uma carta a João Paulo Barbosa de Melo a exigir uma posição deste. O presidente da Câmara de Coimbra esteve ausente do país, regressou ontem de manhã e ao final da noite chegava às redações a confirmação de um desfecho que se assumia, nos últimos dias, inevitável.” –ao lado, em coluna assinada pelo próprio, João Campos, em título “Não era minha intenção”, pede desculpa a quem “por ler o meu texto, se sentiu ofendido pelo que disse.”


Ora bem, antes de prosseguir com a minha prosa, em metáfora, começo por mergulhar o bastão no balde água benta e aspergir sobre João Campos –que não conheço. Ao mesmo tempo, como se estivesse a executar um ritual de exorcismo, expulsando os demónios da desvirtude e purificando-o da influência impura ou nociva do desvio, lanço estas palavras: “eu te absolvo pecador arrependido, para que salves a alma e o espírito de quem te obrigou a passar por penitente!
Agora, depois desta ressalva em jeito de ironia –e que ninguém se ofenda, caso contrário, como não tenho partido e não me posso demitir, ainda vou malhar com o cabedal no pelourinho da Praça do Comércio-, vou escrever mesmo em tom sério. Em todos os lugares habitados do mundo existe sempre uma Dona Pombinha –quem não se lembra desta figura na telenovela “Roque Santeiro”, que passou por cá entre 1985/86? É uma figura emblemática, defensora da moral e dos bons costumes. Purista dos sete costados, tudo para esta personagem é ofensivo ao Criador. Ora, em analogia, não vou designar ninguém com este estapafúrdio apelido, mas depois do celebérrimo caso do ex-comandante da Polícia Municipal, Euclides Santos, em que este, por engano, enviou a todos os funcionários da autarquia as boas festas com mulheres seminuas, e em que foi demitido, dá para perceber que estamos perante outra narrativa de desfecho similar. Será que ninguém vê que acontecimentos destes, sendo tão insignificantes, dando-lhes uma importância desproporcionada e desmesurada, só tornam ridículos quem os decide sancionar? É que para risível, com graves custos pessoais e familiares, já deveria ter chegado os irreversíveis danos causados na imagem de Euclides Santos –e foram enormes. Incomensuráveis. Não escrevo ao sabor da pena, porque tenho conhecimento dos seus efeitos. Foi uma bomba de neutrões na sua intimidade. É caso para interrogar: as pessoas com responsabilidade perderam o bom senso? Foi? Onde para o tão apregoado respeito pela liberdade de expressão?
Era altura destes responsáveis, nomeadamente políticos eleitos, tomarem conta de que são tão pecadores como qualquer um e, numa hipocrisia consentida, despirem o capote de virgens imaculadas. E, sobretudo, depois de o substituírem pela tolerância, largarem esse malfadado sentimento masoquista de “postura de Estado, “sentido de responsabilidade”, que para além de ser inibidor e auto censório é uma arma de dois gumes que atinge todos e, a continuar, jamais se saberá onde acaba. Além de mais, era bom saberem que os eleitores querem olhar para eles como terrenos, homens que bebem uns copos nas tascas, dizem umas asneiras, em bom vernáculo, se preciso for. Querem pessoas humanas, vulneráveis, na mesma semelhança, com os mesmos gostos e vícios, e não seres puros e metafísicos. Para isso, para se embarcar na transcendência, vai-se à igreja. Pelos vistos, quase quatro décadas não ensinaram nada aos políticos profissionais da nossa terra. Bem sabemos que aparentemente, no geral, os cidadãos, todos, clamam por imagens de virtude. Mas, quem anda por cá há muitos anos e observa o que se passa à sua volta, sabe que os humanos, verdadeiramente, nunca expressam claramente o desejo na sua vontade. Pedem uma coisa mas querem outra. É preciso usar de hermenêutica para os entender.
Se Diácono Remédios, o personagem criado por Herman José, existisse e viesse a Coimbra diria: “Valha-os Deus, criaturas!”

(Foto do diário de Coimbra)

HÉBIL, O PINTOR MALDITO

 Parece-me estar a vê-lo a transpor a porta. Num passo pausado, mas firme, que a sua vetusta idade não permite grandes velocidades, apoiado na sua inseparável bengala de cabo em prata, caminha na minha direção. De rosto longo, de aparente tranquilidade e bonomia reflexiva, salientam-se dois olhos pequeninos, algumas vezes semicerrados, perscrutadores e atentos ao mínimo pormenor, como, por exemplo, o bater de asas de uma borboleta. Sublinhados por duas espessas sobrancelhas, um meio sorriso enigmático ilumina a sua face um pouco austera. Um conjunto de fato, já com muitos anos de andanças, camisa e um inseparável laço, para além de fazer dele um pachorrento avô, transportando-nos para umas décadas anteriores, dão-lhe uma aura de personagem de mistério. Chega ao pé de mim e pergunta: “e o comércio? Como é que está? Já vendeu alguma coisa hoje? Não se esqueça que tudo tem o seu momento. Um negócio é como um casamento. É preciso ter paciência e saber esperar. Nada de precipitações. É necessário ter os olhos bem abertos, está a ouvir? A maioria que por aí anda nem sabe nada nem vê nada!”. Mergulha a mão no grande bolso lateral do casaco, “olhe aqui esta magnífica peça que acabei de comprar –e mostra-me um relógio de bolso antigo em plaqué-, o estúpido do vendedor nem soube o que me vendeu. Você sabe lá o que está aqui?”. Retira de outra algibeira uma folha fotocopiada replicada provavelmente do “Benezit”, “este relógio, quase de certeza, pertenceu a Marcel Proust no virar do milénio para o século XX. Olhe aqui. Olhe aqui! Gosta, não gosta? Pois, mas isto não é para o seu dente. Você não tem categoria para adquirir uma peça de arte destas!”. Passado um bocado estava a tentar vender-me o relógio. Era assim Alberto Hébil.


Falecido em 2 de Agosto de 1998, foi um renovador nas artes plásticas, em Coimbra e no país. A sua obra estende-se desde o figurativo e paisagístico até ao expressionismo e abstrato. São célebres e constituem a sua essência artística os “noturnos”, as “procissões” e os “retratos”. Parafraseando o Diário de Coimbra (DC) a noticiar o seu desaparecimento na época, “Com 85 anos, o decano dos artistas da Lusa Atenas lega uma obra ímpar, onde não faltou “uma revolução artística nos campos da pintura e da escultura.”
Foi mentor de Mário Silva, de Santana Alho e tantos, tantos, outros pintores a quem, com os seus conselhos bem vincados de ânimo, empurrava para que não desistissem de criar. Este grande pintor que conheci bem nasceu em Arouca, em 1913. Depois de passar pela academia de Belas Artes de Paris, em 1930, em que foi aluno de Marcel Thuiller, veio viver para Coimbra. Em 1968, na Quinta Avenida, em Manhattan, Nova Iorque, inaugurou uma galeria, a que chamou “Coimbra Gallery Modern”. Este seu feito internacionalista constituía a sua alma materializada, a sua bandeira existencial, e, com muita garbosidade, o levava a afirmar sem peias: “eu sou o maior pintor do mundo! O resto, os que andam para aí, são uns idiotas! Não passam de uns coimbrinhas!”
Não escrevo sobre Alberto Hébil por acaso. É que considero que, quer em vida quer depois da sua morte, nunca lhe foi atribuído o legítimo e devido valor que mereceu. Foi esquecido e tratado como pintor maldito. É curioso lembrar que Mário Nunes, que, neste milénio, durante dois mandatos, foi vereador da Cultura da edilidade coimbrã, na hora do desaparecimento físico de Hébil, em 1998, e na qualidade de presidente do GAAC, Grupo de Arte e Arqueologia do Centro, no DC dizia que “lamenta, porém, que a Câmara Municipal de Coimbra não lhe tenha dado o galardão de mérito cultural e artístico; merecia-o pelo muito que fez pela arte e pela renovação das artes plásticas de Coimbra e do País”.
Aprendi muito com Hébil, mas o que mais me prendia e seduzia era a sua personalidade “sui generis”. Era uma figura carismática e um teimoso nato. Tinha um ego mais alto que a torre da Universidade. Agarrava-se a uma ideia, defendia-a até às últimas consequências, e se fosse contraditado, arrumava a questão subliminarmente: “você é um ignorante. Não percebe nada!”. Defendia teses que ninguém acreditava nelas a não ser ele próprio, ou, se calhar, nem ele mesmo. O que mais me impressionava nele era a sua ratice e a sua incomum dupla qualidade de artista e comerciante de excelência. Conhecia o género humano, nas suas fragilidades e pontos fortes, como ninguém. Sempre que o meu trabalho o permitia, passei muitas tardes a conversar com ele, sentados, em frente à minha loja. Impressionou-me tanto esta convivência que, em sua honra, compus um poema e musiquei-o. Em gravação, tive ocasião de lho dar a ouvir ainda em vida. Pareceu ficar enternecido. Ficará para sempre gravado na minha memória. Pela sua construção pictórica, Hébil tem um lugar intemporal cativo na nossa história. Coimbra está em dívida para com ele.

(Imagem de Leonardo Braga Pinheiro)

REFLEXÃO: HABEMUS FÉ

 Não é a primeira vez que escrevo sobre o facto de a Baixa, apesar da grande crise económica que estamos atravessar, numa renovação contínua, persistir em ser um espaço muito apetecível e procurado por novos investidores. Se é certo que, tal como anunciei aqui, no último mês encerraram três estabelecimentos, em contrapartida, por estes próximos dias, em compensação, outros quatro far-nos-ão companhia. Tenhamos esperança nos tempos que se avizinham.




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