sábado, 22 de setembro de 2012

A FEIRA DE VELHARIAS PRECISA DE UMA "MEXIDA"



 

 Durante alguns anos vendi em feiras de velharias. Sem me arvorar em bom, conheço estes certames por dentro e por fora. Algumas vezes, quando eu estou como comprador e perante um negócio eminente, consigo até adivinhar o pensamento do vendedor. Tenho o maior respeito por estas pessoas, que, para além de percorrerem o país de ponta a ponta para fazerem uns cobres, acima de tudo, move-os um vício que é o contacto com as coisas antigas.
Conheço quase todos os vendedores na feira de Velharias da cidade. Coimbra tem o certame dos mais antigos da zona centro, com cerca de vinte anos de existência. Começou com uma intenção meramente sócio-cultural, em 22 de Junho de 1991, na sequência das actividades de final de ano escolar da Escola Silva Gaio, com a designação de "Feira de Trastes". Teve o apoio do Departamento de Cultura e estabelecimento de velharias "O Velhustro". Face ao êxito alcançado, o executivo municipal em reunião de 5/7/1991, deliberou dar-lhe continuidade. Nessa altura a comissão de feira era constituída pelas seguintes entidades: Câmara Municipal de Coimbra/Departamento de cultura; Junta de Freguesia de São Bartolomeu; Polícia de Segurança Pública; Escola C+S Silva Gaio; GAAC, Grupo de Arqueologia e Arte do Centro; e "O Velhustro" -dados retirados de uma comunicação camarária de 2003.
E como é que se sentem os vendedores? Bem? Mal? Assim, assim? Lembrei-me de escrever sobre este assunto, porque hoje, quando estava em frente a uma banca ouvi três comerciantes a desabafarem sobre o que se passa na organização da feira –lembro que, segundo o site da Câmara Municipal de Coimbra, actualmente a comissão de feira é constituída por um representante da edilidade, outro do estabelecimento “Velhustro”-desde o início da alegoria, Carlos Dias-, outro da Polícia de Segurança Pública e outro ainda da Junta de Freguesia de São Bartolomeu. E o que se passa, afinal? Interroguei as três vendedoras. Duas delas disseram imediatamente que não queriam falar. Outra, identificando-se, disse que ia contar o que lhe atravessava a alma. Vamos ouvi-la:

“Chamo-me Arlete Gonçalves. Sou do Porto. Há dois anos que venho para aqui. Nunca me foi atribuído um lugar fixo. Dizem que não há. Mas eu sei que há. Eu vejo, porque há espaços vazios. Para além disso, tenho visto chegar outros vendedores, ocupam um lugar e eu continuo à espera. Só me dão um lugar por volta das 10h30. É sempre assim. O senhor Dias é muito mal-educado. É uma pessoa muito grossa no trato e que não tem respeito por ninguém. Toda a gente lhe obedece; é o polícia; é a doutora; ninguém o contradiz; se calhar desculpam-lhe a idade. Ele é que manda na doutora da Câmara. Por exemplo, a doutora manda-me instalar junto às escadas (de São Tiago). Eu instalo-me. A seguir vem o senhor Dias e tenho de encurtar metade do espaço. Nunca mais vou voltar aqui a vender. Há muita gente que não tem lugar fixo. Isto é uma desordem completa. Deveriam fazer um esquema e reorganizar a feira como deve ser. O que se passa aqui é uma confusão danada. É a feira mais confusa que faço. Esta feira precisa de outros dirigentes a mandar. As pessoas estando muito tempo no mesmo lugar sentem-se donos das coisas. Nesta incerteza não posso continuar. Não dá para a despesa.”

E O QUE DIZ OUTRO VENDEDOR?

 “Chamo-me Paulo Santos, e venho de Oliveira do Hospital. Venho para aqui desde 1994. Deixou de haver qualidade nos expositores. Aqui funciona o lugar pela simpatia. Uma “prendinha”, uma “cunha” de vez em quando resolve as coisas e assim, facilmente, se arranjam lugares. Já aconteceu comigo mais do que uma vez. Há pessoas que falham sucessivamente durante 6 meses e até um ano. Quando voltam retornam ao lugar inicial. Era uma questão de bom senso substituir estas duas pessoas na organização. Houve muitos colegas que já deixaram de vir, foi o caso do senhor Albertino Gonçalves, da Teixeira, de Seia. Os critérios de atribuição de lugares ofendem. Não são justos; não são equilibrados. Todos sabem por aqui, e consta-se, que uma “prendinha” facilita o lugar. Há pessoas que andam três anos à espera e isso facilita o “atabalhoadamento”.

E OUTRO VENDEDOR, O QUE PENSA?

 “Chamo-me Rui Morais, e venho de Oliveira do Hospital. Faço esta feira há cerca de 4 anos. Estive 3 anos à espera de lugar. Houve pessoas que vieram depois de mim, tiveram logo lugar e com muito mais espaço do que eu. Uma vez que não se paga o lugar, o espaço deveria ser igual para todos. Atribuir a uns uma área enorme e a outros uma ínfima é um critério injusto. As pessoas que estão à frente não têm grande coordenação. Algumas vezes tem acontecido vir uma pessoa pela primeira vez e, arranjando-lhe logo lugar, passa à frente dos mais antigos. Já ofereci algumas peças para conseguir relacionar-me com as pessoas que distribuem os lugares, mas, mesmo assim, não tive grande sorte, porque o meu espaço é cada vez mais reduzido. Os critérios destes orientadores são duvidosos. Entre os vendedores há alguns que têm mais poder do que outros.”

OUTRO VENDEDOR QUE VENDE NA FEIRA DE MIRANDA DO CORVO

 (Pediu para não ser identificado) eu faço as feiras de velharias de Miranda do Corvo e da Lousã e não acontece nada disto. Lá paga-se 5 euros, mas todos os vendedores são iguais. Todos têm o mesmo espaço e todos pesam o mesmo. Além disso, lá, à medida que vão chegando vão ocupando os espaços vazios. Não há querelas nenhumas!”

E O QUE DIZ CARLOS DIAS?

 Perante as acusações dos vendedores identificados, fui ouvir Carlos Dias, fundador da Feira de velharias e o decano na cidade destes artigos de antanho. Vamos ouvi-lo.
-Você conhece-me bem! Eu não quero saber disso! Eu vou pedir a demissão da feira. Estou farto disto. Há lugares para toda a gente. O que é que eles querem? Agora é que estão a reclamar? Têm de esperar pelo lugar e mais nada! A seu tempo, todos têm lugar.
Olhe lá, veja bem o que é que vai escrever. Está ouvir?

Não foi possível ouvir a representante da Câmara Municipal de Coimbra por não se encontrar presente à hora a que falei com estes vendedores. Cerca das 16h00.


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E HÁ MAIS ALGUÉM QUE SE QUEIXE?

 Durante a noite, fiquei a matutar neste assunto. E se outros vendedores não pensassem assim? O que menos quero é ser injusto para alguém. Vai daí, hoje, Domingo, fui à feira de velharias de Aveiro ouvir mais depoimentos. Vamos ver o que dizem na primeira pessoa:

“Chamo-me Victor Tavares, sou de Coimbra e faço muitas feiras na zona centro. Já deixei de vender na feira de Coimbra há cerca de três anos. Ao fundo da Praça do Comércio, junto ao pelourinho, vende lá uma colega que tem uma tenda. Eu estava ao lado. Comecei a notar que esta senhora cada vez se estendia mais para o meu lado. Foi avançando, avançando, até me tapar completamente e os restantes vendedores junto à igreja de São Bartolomeu. Dei conhecimento à direcção da feira e nunca ligaram ao meu apelo. Perante este critério que considerei abusivo, fiz uma exposição ao então vereador da cultura Mário Nunes que nunca me deu resposta. Na altura, ouvi vários comentários de que alguns vendedores, para terem mais facilidades no espaço, davam umas prendas. Eu nunca dei nada. Sou contra isso. Como comecei a aperceber-me que uns eram filhos de Deus e outros do Diabo, abandonei para não me chatear e nunca mais lá voltei a vender.”

OUTRO VENDEDOR

 “Chamo-me Maria Lúcia Teixeira, sou de Aveiro. Juntamente com o meu marido fazemos esta feira de Coimbra desde o princípio. O Dias é rabugento devido à idade dele. A mim nunca me chateou. Também não tenho nada a dizer da funcionária da autarquia. Nunca me beneficiou nem prejudicou.”

OUTRO VENDEDOR

 “Chamo-me Augusto Monteiro e juntamente com a minha mulher, Lucinda Pereira, fazemos a feira desde os começos. Somos dos mais antigos. Não temos nada a dizer da direcção. Sempre se portaram bem connosco. Que com o Dias é muito rabugento, às vezes, não deixa de ter a sua lógica. (Para nós) foram sempre correctos. Em Coimbra não pagamos… (entendes?)… sentimo-nos bem.”

E OUTRO VENDEDOR AINDA

 “Chamo-me Jaime Lobo, sou de Coimbra. Faço a feira há 15 anos. Nunca tive problemas com ninguém da direcção. Sempre tive o mesmo lugar. Se, às vezes, precisar de faltar, aviso. Não tenho nada a dizer. O tratamento para mim tem sido sempre correcto. Acho que os vendedores deviam pagar. Não há nenhuma divulgação da feira, sei lá, um painel nas entradas da cidade. Por exemplo, em Aveiro há sempre divulgação na estrada.”

OUTRO VENDEDOR

 “Chamo-me Francisco Moreira, sou de Coimbra. Como vendedor, frequento a feira há cerca de 15 anos. Para mim o maior problema tem sido o facto de o meu lugar ser onde colocam o palanque, no meio da praça, junto ao pelourinho. Volta e meia lá estava eu sem lugar. Queixei-me várias vezes à doutora. Foi então que um vendedor desistiu e eu fui ter com ela para ocupar o lugar do desistente. Não deu grande andamento a isso, mas eu ocupei o lugar. Não tenho nada contra ela. Tem-se portado bem comigo, apesar de tudo. O Dias é que é um malcriado. Trata as pessoas indecentemente. Deve ser da idade!
Já ouvi falar de que, às vezes, é preciso “untar” as mãos para conseguir lugar… mas não posso afirmar.”

E OUTRO AINDA

 “Chamo-me Isabel Penicheiro e venho da Praia de Quiaios. Vendo na feira de Coimbra há 10, 12 anos. Ontem, Sábado, assisti a uma cena sobre um colega que conseguiu um lugar vago do Lobo –porque este faltou. Esse colega já anda lá há vários anos. O Dias, e com a doutora, arrumou um escândalo impressionante. A doutora até estava envergonhada. Ele, o Dias, foi intratável para Fernando Pinhão, que já foi político do Partido Socialista, creio que até deputado. O senhor Pinhão é uma pessoa muito delicada. O Dias é intragável, intolerante. É intratável. Ele pensa que ainda está antes do 25 de Abril. Já ouvi várias histórias da “prendinha”. Andei uns anos à espera de lugar certo. Comigo, nunca ofereci nada. Mas com esse senhor recuso-me a falar. É tempo perdido. A doutora, para mim, é uma pessoa muito correcta. Até chego a ter pena da senhora. O Dias é que põe e dispõe. É uma figura caricata. É uma falta de educação notória e permanente. A feira precisava de tirar este homem. Não se admite que uma pessoa com tanta falta de educação esteja à frente de um certame assim. Tenho conhecimento de pessoas que vêm de novo e passam à frente dos que estão à espera.
A doutora diz que não há lugares fixos, mas não é verdade, porque os há. Ali há filhos e enteados. Aquele homem não tem autoridade nenhuma para desempenhar o papel que desempenha. Mas ainda lhe digo mais, por que razão continuam com os vendedores ali na praça uns em cima dos outros? Porque não os estendem pelas outras ruas e até àquela praça, da igreja, que é tão bonita?”

(TEXTO ENVIADO PARA CONHECIMENTO À CÂMARA MUNICIPAL DE COIMBRA)




3 comentários:

Jorge Neves disse...

Acerca da Feira das Velharias nunca escrevi nem tenciono escrever,mas tenho-a observado ao longo dos anos.
Costumo sempre que posso dar por lá uma espreitadela, e nos últimos anos tenho observado uma mistura de velharias com artigos que de velharias ou antiguidade nada têm, o que não dignifica a feira.Tenho observado quase uma selvajaria no que diz respeito à ocupação do espaço, muitas das vezes assisto ao espetar de longos ferros no chão da Praça Velha para segurar os toldos.
Em todas as Feiras fica imenso lixo no chão, principalmente folhas de jornais antigos, cartões e papelões que os vendedores não apanham e nem a CMC se encarrega de mandar apanhar através dos seus serviços.
Se cada vendedor pagasse uma quantia pela ocupação do espaço e se a Câmara Municipal de Coimbra disciplinar os espaços e proceder à limpeza no final da Feira, todos tínhamos a ganhar.

Gaivota em terra disse...

Não propriamente para comentar este artigo, mas para partilhar aqui na "blogosfera" que tivemos eu e o meu marido, oportunidade de conhecer o "dono" deste blog, pessoalmente, na sua loja em Coimbra. Foi um prazer. Não se tratou de fazer negócio mas de uma excelente conversa sobre os mais variados temas. Já é tão difícil, hoje em dia, encontrar pessoas assim: cultas (o q ele sabe de História), interessadas, curiosas, conscientes do seu papel na sociedade e dos seus direitos e deveres de cidadania.
Sr. Luís Fernandes, Só hoje pude vir aqui para ver o seu blog. Parabéns! Voltaremos a passar por aí e por aqui! Será sempre um prazer! Obrigada!

LUIS FERNANDES disse...

Obrigado ao Jorge, que já é um velho cliente da "casa", obrigado a "Gaivotas em terra por terem comentado.
Quanto ao elogio de "Gaivotas em terra", quem me dera ser assim, "Gaivota". Infelizmente não é! Com idade, como sabe bem, se, por um lado, nos vamos tornando mais emocionais, com a lágrima no canto do olho sempre pronta a saltar à mínima sensação, por outro, também ficamos mais amadurecidos, como fruta seca, como quem diz, mais racionais. Sabemos muito bem o que é preto e o que é branco. Os cinzentos são meras confluências de apreciação. Isto para lhe dizer que recebo com gosto o seu elogio, mas, desculpe contrariá-la, não é verdade. Sou muito ignorante. Sou mesmo -não é falsa modéstia. Sempre que posso vou tentando colmatar essa lacuna que não foi preenchida em tempo útil por impossibilidade, mas, dificilmente conseguirei adquirir o que perdi. Esta é a verdade. De qualquer modo, porque sei que as suas gentis palavras estão carregadas de boa intenção, muito agradecida.
Luís Fernandes.