terça-feira, 24 de julho de 2012

A REUNIÃO DO MOVIMENTO CÍVICO, VISTO PELO "OLHO DE LINCE" (1)

(IMAGENS DA WEB)

 Quem me viu e quem me vê. Já fui o melhor jornalista do mundo ao serviço deste blogue. Já percorri o Globo inteirinho de lés-a-lés. Já vi o sol da meia-noite no Polo Norte, já fiz amor nas Pampas, no cimo da Argentina, já apanhei caracóis na horta do senhor Gregório.
Veio esta crise mundial, apanhei um pontapé nas partes inferiores e interiores do meu ser, e nunca mais levantei garimpa. Reportagens no estrangeiro já foram. Trabalhos jornalísticos, mesmo cá na rua estreita, só em sonhos. Resultado desta falta de trabalho: estou mesmo nas lonas. Agora sou observador a tempo inteiro e polidor de esquinas a tempo parcial. Mas faz-me falta o escrever. Todos os dias sonho com uma peça de qualidade. É certo que podia elaborar, para me entreter neste ócio entediante, até um diário, mas, em boa verdade, todos sabemos, quanto menos temos que fazer menos nos apetece. Passo os dias sentado ali na esplanada do café Santa Cruz. Pelo menos lá sempre vou contemplando a vista e enchendo o olho com aquelas gajas boas que por ali passam. E, diga-se em meu abono, como estou ao lado da catedral, sempre vou apanhando umas palavras santas do pároco, Jesus Ramos, e vou-me tornando, progressivamente, um bom e melhor cristão.
Estava eu ontem a fazer a minha reportagem visual, como quem diz, a cobrir, salvo seja, uma turista com um decote generoso e uma amostra de saia, em que mostrava duas pernas que –ai, meu Deus, que até se me dá uma dor aqui no peito!- quando o “Carlitos popó”, o estafeta do “Questões Nacionais”, me entregou um envelope do director, Luís Fernandes. Eu seja ceguinho, dei um salto na cadeira que até bati com a cabeça no chapéu-de-sol. Veio logo o senhor Costa, o funcionário, todo aflito, com um copo de água para me acudir, mas, por acaso, foi uma viagem curta, com embate pequeno, e eu estava bem. Achei graça porque o Costa, o mais célebre pintor de artes plásticas autodidata de Coimbra, colocou-me as mãos sobre os ombros para me amparar. Lá lhe fui dizendo que estava bem e que certamente o envelope que acabara de receber seria um cheque de ordenados em atraso, de uns milhares de euros em dívida. À frente do Costa, abri e, bolas, era uma mensagem escrita manualmente lá do director: “logo à noite vá ao Hotel Dom Luís fazer a reportagem, convocada por Jaime Ramos, para a elaboração de um “movimento para a criação de uma sociedade melhor”. Porra!, fiquei de rastos! Não só não era o pilim, como, ainda por cima, era mais um movimento cívico do Jaime Ramos. Fosca-se, este homem não pára! É uma máquina de movimentos. Ele é bem o paradigma do “mexa-se pela sua saúde!”. Resultado desta minha primeira acareação comigo próprio: enterrei-me pela cadeira abaixo. Lá veio outra vez o Costa agora com uma toalha húmida e umas palavras rejuvenescedoras: “então, então, "Olho de Lince"?! Calma! Que a vida é curta!”
À noite, cerca das 21h00, lá rumei ao planalto do hotel Dom Luís. Parei no estacionamento o meu carro com uma dúzia de anos, e que faz uma chiadeira maior que a minha vizinha, a menina Etelvina, quando está lá nos carinhos “infundáveis” com o amante, o senhor Albino, e comecei a apreciar o hotel. Noutros tempos, quando eu já fui rico, cheguei a ficar aqui. E só aqui? Eu estive hospedado nos melhores hotéis do mundo, desde a Europa, América, Ásia e até na Oceânia. E agora? Agora? Olhei para as minhas calças de ganga, mais poidas que as de um ex-mineiro de Aljustrel, e para as alpercatas que já viram melhores dias. De repente até se me deu um baque de revolta. Saí do carro, bati a porta de raiva, e coloquei-me a olhar a cidade iluminada, com a torre da Universidade lá no alto a vigiar os movimentos. Até parecia que olhava para mim, a maldita! Palavra, deu-me cá uma irritação aquela pose aristocrática da gaja. Por momentos ainda cresci para ela, como se dissesse: “que é que você quer? Está para aí a olhar para mim? Quer alguma coisa, é?” –mas a filha da mãe não respondeu. Foi como se ela dissesse: “vai para o diabo que te carregue. "Você" é estrebaria!”
Desviei os olhos mais para baixo para a Baixa, para zona da Câmara Municipal. E fui atravessado por uma ideia: e se se criasse um movimento para apresentar um candidato independente à autarquia? E, mentalmente, em solilóquio, comecei a falar comigo: “ó Lince, carago, podias muito bem “fazeres-te à fruta” lá ao paço episcopal, da Praça 8 de Maio. Sei lá! Mas, sendo um liberal assumido –e desconhecido, ainda por cima- como é que conseguias congregar apoios da fina flor conimbricense, a melhor prata da casa? Sobretudo de outras correntes ideológicas? Bom, uma pessoa vê, os interesses sempre estiveram acima das convicções. Bastava que eu desse ideia de que era um bom partido. Os meus futuros apoiantes largavam todas as ideologias crenças e apoiavam-me. Ai! De certeza que ira ter ao meu lado membros do CDS/PP, do PSD, do PS, e até do PCP. E outros, Lince? Como, por exemplo, advogados conotados com a esquerda, engenheiros, professores, alguns presidentes de câmara da região, e restantes áreas políticas, achas que conseguias? Interrogava-me eu em frente ao hotel Dom Luís. Estou convencido que sim. Bastava apenas despoletar a conveniência individual nestas pessoas. Apesar de todos invocarem a convicção como mastro defensivo de navio em águas internacionais, o interesse pessoal, a vaidade, o pendor primário pela sobrevivência é sempre maior e fala mais alto. Devias tentar, Lince.
É pá, já são 21h30 –dei por mim a exclamar. Com os pensamentos em turbilhão, até me esqueci das horas. Vou mas é rumar ao salão onde está a decorrer a reunião.

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