terça-feira, 5 de junho de 2012

CRISE NO COMÉRCIO? ONDE? NÃO SE ESTÁ VER...


 Com organização da APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, pelas 16h30, realizou-se, na sede da Junta de Freguesia de São Bartolomeu, um encontro com os deputados do Partido Socialista (PS) à Assembleia da República, Basílio Horta, independente, Mário Ruivo e Rui Duarte. Na assistência esteve também o vereador do executivo municipal, na oposição, Carlos Cidade. Este encontro, a pedido da agência da baixa, segundo um membro da direcção, “foi para tentar que, perante o descalabro no comércio da cidade, se faça alguma coisa pelos comerciantes. Já pedimos audiência a todos os grupos parlamentares. O que se está a passar tem de ser levado às mais altas instâncias”, enfatizou o meu informador, que optou por não se identificar.
De um universo de cerca de 500 lojas, e cujos associados da APBC foram convidados de porta-a-porta a estarem presentes, numa sala praticamente vazia, estiveram 15 comerciantes, incluindo dois membros da mesa, e dois hoteleiros, com casas de hóspedes na Baixa.
O painel foi constituído pelo anfitrião, Carlos Clemente, presidente da junta de freguesia, Armindo Gaspar, presidente da APBC, Arménio Pratas, membro da direcção, Basílio Horta, Rui Duarte e Mário Ruivo, deputados do PS.

E ENTÃO? COMO É QUE FOI?

 Armindo Gaspar, abrindo, começou por agradecer aos deputados pela disponibilidade manifestada. “O comércio passa um momento muito difícil. Ainda agora assistimos ao encerramento de uma loja cujo comerciante tem 77 anos, e sai com uma “mão à frente e outra atrás”. Ao fecharem portas ficam sem dinheiro para se sustentar. Nós, comerciantes, estamos a aguentar historicamente. Há uma injustiça tremenda. Depois de uma vida de trabalho, não temos direito a subsídio de desemprego. Fala-se muito dos jovens. Tudo bem. Certo! Então e nós? Que fizemos tudo, trabalhando desde crianças. Ninguém se lembra de nós? Têm falido muitos comerciantes, mas vão fechar muitos mais. Estamos a viver à custa dos filhos –não tenho vergonha de o dizer. O pequeno comerciante está completamente esquecido. Num país democrático, isto não deveria acontecer! As contas caucionadas estão a ser a morte anunciada de muitos. A banca, para além de não emprestar dinheiro, está a utilizar as habitações como garantias reais. Precisamos de ajuda. Os comerciantes estão numa situação de declarada pobreza –alguns de pobreza envergonhada. Precisamos de auxílio. Muito obrigados por terem vindo. Muito obrigados!”

A seguir falou Arménio Pratas: “Começo por dizer que é lamentável, depois de se correr todos de porta-a-porta a informação deste debate, a pouca adesão dos comerciantes. Todos os grupos parlamentares se disponibilizaram a ouvir-nos, excepto o do CDS/PP.
Em 2010 já falávamos na possibilidade de fraccionar o pagamento do IVA. Isto é uma reivindicação que já vem de longe para evitar o incumprimento dos comerciantes. É preciso um “Plano Mateus” para o comércio. A Segurança Social está a fazer acordos até 55 meses. Quando vamos dialogar com as Finanças dizem logo que o IVA não é nosso. É dos nossos clientes, invoca o fisco. O problema é que, devido à carência financeira dos comerciantes, utiliza-se estas verbas para outras despesas e, depois, chegamos ao dia 10 ou 15 –se mensal ou trimestral- e já não temos dinheiro para a liquidação.
O Comércio de rua está com quebras de 40 a 50 por cento. Como não podemos pagar atempadamente, as fábricas, em cadeia, entram também em rotura financeira. Precisamos de ajuda, senhores deputados!”

A seguir falou Rui Duarte: Esta iniciativa, de estarmos aqui, decorre do nosso dever público nesta situação dramática que o senhor Armindo acabou de enunciar. A nossa discussão pretende ser frutuosa.”

Mário Ruivo foi o seguinte: “Um agradecimento por nos terem convidado. Pelo nosso grupo parlamentar do PS foi enviado um e-mail para a Comissão de Finanças e não recebemos resposta. Estamos muito preocupados com esta situação do comércio de Coimbra.”

Virando-se para Armindo Gaspar, tomou a palavra Basílio Horta: “Não tem que agradecer. Estou aqui como deputado independente ao serviço do país. Este remédio que está a ser dado (pelo Governo) não cura o doente. É preciso uma consolidação orçamental; para sermos financiados precisamos de cumprir; é preciso, enquanto estivermos intervencionados, atingir os objectivos, todos sabemos! Porém, o que está acontecer é uma quebra no investimento de cerca de 60 por cento. O PS tem alertado para esta matéria. Vamos ver como é que a Europa reage, depois da eleição de François Hollande –o novo presidente francês. É necessário que o dinheiro chegue às pequenas e médias empresas. Não digam que é o mercado a funcionar. Não é! Se os bancos vão buscar financiamento ao BCE, Banco Central Europeu, a um por cento, por que é que não emprestam às empresas? A Inglaterra está a financiar projectos através dos seus títulos do tesouro. Vão à banca e são apoiados. Há custos de contexto. A energia está cada vez mais cara. É importante que os fundos estruturais sejam reforçados. Há o problema da construção civil e obras públicas. O país está afundar-se. Agora o problema está de mal a pior. Quando não há confiança não há consumo. E quando não há consumo é o capitular constante do país.
Tem de se fazer um plano de apoio ao comércio. Tenho falado com a Confederação. Porquê só apoiar o sector de comércio e não outras actividades? Precisamente para não gerar reclamações de outras pequenas e médias empresas de outras áreas.
Veja-se o caso da entrega das casas aos bancos. Porque é que não se parte desta iniciativa e alarga-se para o comércio? É preciso definir o que é a pequena e média empresa. Pode haver alguém que não necessite. É preciso uma suspensão de execução para quem precise mesmo. A lei da insolvência é boa –conheço-a bem, fui o único da minha bancada a votar favoravelmente. Os restantes deputados abstiveram-se. Antes da insolvência é preciso ajudar antes de se chegar lá. Quando se chegar mesmo, então, é preciso acudir. Temos de olhar para isto. Os comerciantes vão viver de quê? É preciso resolver esta questão do subsídio de desemprego e outros, como, por exemplo: os pagamentos diferidos; a suspensão de execução; as insolvências e a questão da banca. Vamos ouvir a Confederação do Comércio se com eles, conjuntamente, fazemos uma “task-force” para resolver esta situação patente. Vamos tentar fazer um projecto-lei.”

Voltou a falar Arménio Pratas: “é preciso dilatar o tempo de pagamento ao Estado. Nós queremos pagar. Precisamos é de condições para o fazer.”

E ESTÁ ABERTO O DEBATE. FALA PÚBLICO

 O primeiro elemento da (pouca) assistência foi Eduardo Costa, um reputado hoteleiro que muito tem pugnado pela defesa da Baixa. “Deixava o turismo para outra ocasião, mas, embora, adiando, entra também nesta questão. A entrevista de Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio –ontem no Público- falava da (nova) lei das rendas que vem aí. Dizia ele que era uma má lei. A Câmara Municipal de Braga ofereceu 60 lojas a jovens empreendedores com meio ano gratuito. A situação na Baixa de Coimbra assusta. Até os bancos ajudam a desertificar esta zona antiga: têm vários prédios vazios há vários anos.
O aumento do IVA em Setembro vai ser dramático para a hotelaria.”

Retorque Basílio Horta: “Tem toda a razão em relação à lei das rendas. Votámos contra. Votámos também contra o aumento do IVA para a restauração. Vai ser uma desgraça!
Eu sou independente; os meus colegas são do PS; nós estamos aqui abertamente para resolver os problemas das pessoas. O nosso papel aqui é mesmo resolver problemas!

Armindo Gaspar faz um acto de contrição e agradece: “porque me esqueci, gostaria de agradecer à Junta de Freguesia, na pessoa do presidente, Carlos Clemente, ao doutor Martins –advogado e ex-quadro da ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra-, que nos tem acompanhado gratuitamente nesta iniciativa. Pela disponibilidade de ambos que têm manifestado, muito obrigado.

UM CASO PUNGENTE NA ASSISTÊNCIA

 Ermelinda Adelino, comerciante numa destas ruas estreitas com loja de sapataria, numa coragem invulgar, quase fez chorar toda a assistência com as suas declarações sentidas. “Nós precisamos de alguém que nos ajude. Nós, os pequenos comerciantes, estamos a morrer de fome. Estabelecemo-nos há 40 anos. Já não temos casa. Temos o carro na garagem, porque não temos dinheiro para a gasolina. O meu marido tem 79 anos de idade, e trabalha desde os 11. Nunca pensei que chegávamos a esta situação. Estou disposta a ir bater a todas as portas, embora, diga-se já fui a todo o lado. Já fui à Câmara Municipal: já fui ao IAPMEI; já fui às Finanças –temos uma dívida ao fisco, que nem é de grande monta. Precisamos de poder pagar dentro das nossas possibilidades. Se as lojas encerrarem todas o que vai ser da Baixa?
Nas Finanças disseram: "não vale a pena fazerem uma exposição a contarem a vossa situação". Passada uma semana, nem de propósito, foi perdoada uma dívida ao senhor Aprígio Santos -presidente da Naval.”

A seguir expos Manuel Ribeiro, um ex-comerciante da Baixa da cidade, agora aposentado. “Ninguém se lembra dos comerciantes. Os agricultores se tiverem um ano de seca vem logo a ministra. Os comerciantes arriscam e fazem trabalhar as fábricas. Porque é ninguém olha para eles? -As políticas dos “democratas de aviário”. As elites deste país estão a borrifar-se para quem os elegeu. O povo ainda pensa! Em Paris, quando lá estive há cerca de 20 anos, o comércio encerrava todo ao Domingo. Porque é que, cá, as grandes superfícies não encerram neste dia? Estas grandes áreas são um terramoto social. Antigamente havia ética, no tempo da lei dos saldos. Agora estamos no reino da “parolândia”. Quem está no parlamento está a dar uma punhalada no povo que o elegeu.
Na Baixa temos vários problemas: no Terreiro da Erva é uma miséria; os corrimões da Praça 8 de Maio é uma desgraça; os barracões da CP são uma vergonha!”

Atalha Basílio Horta: “Estive num debate com António Borges. Falava eu no aumento do desemprego –ele respondia: “é inevitável!”; lembrava eu que as falências estão a aumentar –respondia ele: “é inevitável!”.
A Cimpor era a nossa joia da coroa portuguesa. Tem 8 mil desempregados. Fizeram uma OPA e os brasileiros destruíram-na. O senhor António Borges acha muito bem! Quando se fala nisto é “populismo” –graças a Deus, eu não preciso disto. Que país é este? Esta nação pode ser pobre, mas, no mínimo, precisa de ter paz nas consciências. O desfasamento entre os que nada têm e os que tudo têm é brutal! O caso dos medicamentos: alguns já não há em Portugal. O caso dos descontos de muitos aposentados. As pessoas descontaram. Não é possível manter uma sociedade assim! A única forma do país ir para a frente é através da internacionalização da economia. Não se pode ouvir o doutor António Borges a afirmar que é preciso baixar os salários. Vamos voltar para trás 100 anos? E ninguém se indigna?”

A seguir falou  António Martins, ex-quadro da ACIC: “Todos os governos têm reparado na revitalização das cidades –Coimbra tem a SRU, Sociedade de Revitalização Urbana. Mas quando estas entidades iniciarem estas pessoas –apontando para a assistência- já não estarão cá. Que o país olhe para esta gente que está na bancarrota, do mesmo modo como a Troika olhou para o país!”

Armindo Moura, um outro hoteleiro muito conhecido aqui na Baixa, disse o seguinte: “ajudem este povo! Começámos todos a trabalhar ainda crianças. Hoje vamos acabar em desonra, sem nada, sem culpa nenhuma! Levem esta mensagem para os colegas deputados. Eles têm de saber o que está acontecer!”

A seguir falou Arménio Pratas: “A lei dos saldos foi alterada no tempo do senhor Serrasqueiro –eu disse-lhe que ele era o coveiro. O comércio deve encerrar ao Domingo. A lei dos saldos tem de ser alterada. O “caso Pingo Doce” é uma palhaçada. Vão à China comprar as coisas a um euro e depois fazem promoções durante todo o ano!”

Responde Basílio Horta: “Eu disse na Comissão de Economia que viesse o ministro explicar. A resposta foi: “é o mercado a funcionar”. Como é que se pode aguentar isto se o Governo não moralizar esta situação?”

E falou Clemente: “Obrigado a todos. Sinto-me satisfeito por poder ajudar os comerciantes e poder colaborar. Gostei muito de o ouvir, doutor Basílio Horta. Aproveitando a presença do vereador na Câmara municipal, Carlos Cidade, para que leve alguns recados ao executivo.
A SRU é alguma marca de refrigerantes?"

Numa curta intervenção, quase em uníssono, falaram Rui Duarte e Mário Ruivo: “Da nossa parte, contribuiremos com o maior empenho. Estamos aqui com toda a abertura interpartidária. Um agradecimento a todos. Ressalvo a coragem da Dona Ermelinda.”

Terminou Armindo Gaspar com o seguinte: “Estamos a tentar reunir com toda a gente. Esta obrigação não nos cabe por inteiro, mas como a ACIC parece não existir, temos nós, APBC, de andar para a frente. Estamos todos a morrer na praia.
Muito obrigado a todos. Muito obrigado doutor Basílio Horta. Gostei muito de o ouvir. Até vou dormir mais descansado. Por favor, ajudem-nos!”

NOTAS DE RODAPÉ

POSITIVAS:

 Neste encontro, a estrela cintilante, quase como foi a estrela de Belém para os Reis Magos, foi sem dúvida Basílio Horta. Notou-se também que os dois deputados presentes, Rui Duarte e Mário Ruivo, tacitamente, arredaram-se para que os holofotes recaíssem sobre o ex-deputado do CDS/PP, provavelmente, porque a experiência deste deputado que já foi ministro fala mais alto. E convenceu mesmo.
Para o público em geral, à saída, davam-se por muito satisfeitos por terem deixado os seus estabelecimentos durante cerca de 90 minutos. Embora um ou outro enfatizasse assim: “ó pá, gostei mesmo do “tio Basílio”! Só espero que não me desiluda. Espero sinceramente que esteja a ser sincero e cumpra com o que prometeu!”

NEGATIVAS:

 A falta de comparência dos comerciantes. Quem pode entender este desprezo? Será que os 15 que estiveram na Junta de Freguesia estariam a fazer teatro? É evidente que não. Eu sei que não. Ando há vários anos a escrever sobre tudo isto que está a acontecer –disse lá isto mesmo. É incompreensível esta falta de comparência de quem está a morrer e, no mínimo, num egoísmo atroz, não estenda a mão para quem quer ajudar. Porca miséria! E mais não escrevo, porque estou a abusar da paciência do leitor. As minhas desculpas, mas considero o que está aqui escrito um documento para memória futura. Muito obrigado a quem chegou até aqui.


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