quinta-feira, 24 de maio de 2012

LEIA O DESPERTAR



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA


Para além  da coluna Memória: "Brancal sem concorrência", deixo também os textos "Reflexão: Enterrar a cabeça na religião", "O sinal do Zorro" e "Rostos nossos (des)conhecidos: O Popeye".




MEMÓRIA: BRANCAL SEM CONCORRÊNCIA

 Em 26 de abril de 1976, quando no rescaldo das eleições legislativas se contavam os votos para uma maioria de esquerda entre o PS e o PCP, e com a recente aprovação da Constituição da República portuguesa se arrumava de vez com o PREC, Processo Revolucionário em Curso, a Brancal, loja de lãs, na Rua Visconde da Luz, abria ao público na cidade. Uma semana depois, na segunda-feira 3 de maio, entrava ao serviço Natividade Oliveira, a funcionária que viria a ser a pedra de toque no futuro deste estabelecimento comercial.
Nesses tempos idos, da década de setenta, o pronto-a-vestir ainda era incipiente. Talvez por isso se entenda que só na Baixa havia quase uma dúzia de casas a vender meadas. Eram a Bijoulan, a Rostex, a Zéfios, a Casa Monteiro, o Capitão, as Teresas e outras que a nossa memória já não lembra. Hoje, como símbolo de um tempo que passou –mas felizmente nesta área está a voltar-, a Brancal é o único sítio onde se podem comprar novelos em quantidade e de grande qualidade.


Mas, sendo assim, o que aconteceu para nos nossos dias só restar a Brancal? Responde a Natividade: “é assim, como sabe, nessa épocas de 1950 até 1985 –este último ano que considero ser o pico das vendas- o rendimento disponível das famílias era escasso e, acima de tudo, havia o costume de se fazerem camisolas à mão. Era um hábito cultural que se transmitia de mães para filhas –também, talvez porque a roupa feita, vendida nas lojas, ainda estava a dar os primeiros passos. Depois, sobretudo a partir de meados de oitenta, o pronto-a-servir invadiu tudo –se reparar, nesta altura, começaram a desaparecer as costureiras e os alfaiates-, e, por parte do consumidor, passou a haver mais dinheiro. Para além disso, creio também que a televisão, enquanto instrumento lúdico de serão, veio ajudar à festa. Então, naturalmente como se começou a vender menos, por inerência, foram encerrando as fábricas de lãs pelo país fora. No caso da Brancal é diferente, porque temos integração vertical, isto é, somos fabricantes desde a fiação até à tinturaria e incluindo a distribuição. Não temos intermediários. E para compensar, num vasto leque de oferta ao público, temos cerca de 28 pontos de venda em Portugal. Embora de grandes alicerces, é uma empresa familiar: os Brancais –é uma importante família muito conhecida na Covilhã, onde estão localizadas as fábricas e outros investimentos.”


A Natividade já não vê o patrão há cerca de 12 anos. Implicará esta ausência numa redobrada confiança na gerente? Interrogo. “Ora bem, não me caberia responder, no entanto sempre lhe vou dizendo que tudo faço para merecer esta fidúcia. Ao longo destes 35 anos, entreguei-me sempre totalmente de corpo e alma a esta causa. Procedo de modo igual como se o negócio fosse meu. Deito-me a pensar na loja, sonho com ela, e acordo a pensar nela. Às vezes, em brincadeira com o meu marido digo-lhe que tenho dois amores, assim como o Marco Paulo, está a ver? Também é certo que não estou sozinha, de dois em dois meses vem um supervisor perguntar o que é que preciso. É realmente uma grande prova de confiança. Mas, passando a imodéstia, acho que a mereço. Não tenho horas de saída; se necessário não vou almoçar e, posso dizer-lhe, muitas vezes, para preparar as coisas para o dia seguinte, fico até altas horas na noite.”
E, com esta crise, como é que estão a correr as vendas? Questiono. “Graças a Deus, muito bem. A tradição está a voltar outra vez e com muita força às lãs. Não sei bem, mas talvez pela saudade, pela memória de outros tempos, ou, quem sabe, pelo prazer de oferecer uma peça de roupa a um netinho, com a ternura de ter sido feita pela avó. O ano transato foi um dos melhores de sempre. É um negócio garantido. No último Natal tivemos muitos clientes a comprar uma meada com agulhas para oferecer na quadra. Felizmente, mesmo nesta altura, não há mãos a medir. Tenho a sorte de estar muito bem acompanhada pela Paula Costa, que é uma excelente colaboradora. Entendemo-nos muito bem e fazemos uma boa equipa.


Sabe que temos muitos homens a comprar para eles próprios confecionarem? É verdade. Conheço alguns que fazem muito bem tricot. Temos muitos outros a adquirirem malhas e agulhas para levarem para as esposas, mas ficam enrascados quando lhes perguntamos se a agulha é sem ou com barbela –é a cabeça que a agulha tem.”
E como é que a Natividade vê a Baixa atualmente? Pergunto. “Ai, senhor Luís, tenho muita saudade daqueles sábados em que os transeuntes passavam carregados de sacos. Sempre que há eventos por aqui e vejo muita gente vêm-me as lágrimas aos olhos. Dava tudo para que se mantivessem as lojas abertas. Ainda agora, com o encerramento da Casa Ruben, sendo sua vizinha, foi uma surpresa triste. Custou-me muito, mas mesmo muito. Se, por acaso, este senhor ler este texto gostaria de lhe transmitir o seguinte: muita força e coragem, senhor Ruben. Não tenho palavras para lhe quantificar a felicidade que lhe desejo. Que Deus o acompanhe. O senhor foi sempre uma ótima pessoa e deixa muitas saudades aqui na rua.”

REFLEXÃO: ENTERRAR A CABEÇA NA RELIGIÃO

(Imagem da Web)

 Segundo a imprensa, neste 13 de maio último, estiveram cerca de 300 mil pessoas no santuário de Fátima e foram queimadas 31 toneladas de velas. Poderia começar por dizer que a religião é o ópio do povo, tal como escreveu Karl Marx em 1844 –embora já tivesse aparecido anteriormente em textos de Kant e de Feuerbach- mas não quero ir por aí de uma forma tão linear. Antes de prosseguir, saliento que não estou a pôr em dúvida as opções de cada um e muito menos a fé -esta, enquanto convicção de verdade pessoal e indiscutível.
O que gostaria de refletir é que, num ano de intensa crise como a que vivemos, neste acorrer em massa à Cova da Iria, há muito de calculismo nas preces de quem lá esteve presente. “Eu vou, acendo uma vela, rezo a Nossa Senhora e Ela, em troca, ajuda-me nos meus negócios”, é assim que pensa o povo, na sua canonizada ignorância, e que durante um dia, embrenhado no odor da cera e dos cânticos religiosos, se julga senhor de todos os santos. No resto do ano, esquecendo tudo o que ouviu, indiferente à injustiça e insensível à humanidade perene, está sempre pronto a tramar alguém. Bem sei que historicamente sempre foi assim e, no futuro, sempre assim será. A bondade, enquanto sentimento autêntico, é imanente ao homem e sai de dentro, da alma, para fora. O que quer dizer que por muito puras e bem-intencionadas, que sejam as mensagens cristãs, por exemplo, sendo sempre extrínsecas, de fora para dentro, para a receber no coração, enquanto luz de aperfeiçoamento espiritual, nem todos, poucos, se deixam alcançar.


O SINAL DO ZORRO

 

(Imagem da Web)

 Na noite de quinta para sexta-feira, da semana passada, três dependências bancárias, na Rua Ferreira Borges e num raio de 20 metros, foram atacadas com um objeto contundente e viram os seus vidros quebrados. Embora este assunto passasse ao lado da imprensa nacional, e só fosse noticiado pela imprensa local, não deixa de ter a sua ponta de mistério. Teria sido uma manifestação de revolta ou um simples ato isolado de alguém que, ideológica e solidariamente, se coloca ao lado dos muitos espoliados pela máquina bancária? Pessoalmente inclino-me para esta hipótese.
Pode até parecer que concordo com esta atitude. Não, não aceito de maneira nenhuma este género de reivindicação, sobretudo, saliento, porque é anónima e cobarde. É violência gratuita e apologista do caos. Porém, mesmo defendendo a ordem e a legalidade, e a frontalidade que deve ser condição “sine qua non” de alguém que se preza, não considero despiciendo escrever que este “atirar e fugir”, este “sinal do Zorro”, apesar de inócuo, não deixa de ser uma marca na forma imoral como os bancos estão a atuar na sociedade portuguesa. Estas entidades, outrora denominadas de “instituições de crédito” que detinham a responsabilidade do desenvolvimento social, hoje pouco diferem do “onzeneiro”, de Gil Vicente, no século XVI e subsequentes, o agiota que emprestando dinheiro a juros com garantia real, tudo fazia para, invocando vários estratagemas, confiscar a propriedade ao devedor. Este sistema bancário não serve o público em geral. Financiando-se no Banco Central Europeu a taxas reduzidas, serve-se a si mesmo e o de localizados interesses, mas jamais o povo.

ROSTOS NOSSOS (DES)CONHECIDOS


O “POPEYE”

 É o António Simões da Silva, mais conhecido pela alcunha carinhosa de "Popeye". É um passante diário das nossas ruas estreitas. Tem uma leve demência, no entanto não deixa de respeitar quem está. Sempre que o vejo, lembro-me do pai, homem de H grande e já falecido. Com um farto bigode enrolado nas pontas, bombeiro-chefe de profissão, andava sempre de chapéu. Um dia, para minha sorte, cruzou-se comigo. Sem nos conhecermos, o seu testemunho foi fundamental num acidente de viação em que eu estava envolvido. Apesar de já ter passado cerca de 25 anos, o seu exemplo continua a servir-me de guia no dia-a-dia. De certo modo, neste meu singelo ato de retratar o filho, fica o agradecimento e a homenagem ao velho Silva.






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