quinta-feira, 5 de abril de 2012

UM NECESSÁRIO NOVO CONTRATO SOCIAL COM O MERCADO




 Ontem, cerca das 17h30, cruzei-me com o Mário numa destas ruelas estreitas. Trazia um saco de plástico cheio de alfaces. Ao passar por mim, parou, abriu o saco e exclamou: “ó pá, já viste isto? Olha que esta quantidade toda de alfaces custou apenas 70 cêntimos, ali na loja dos chineses. Se fosse no mercado, as “mulherzitas” pediam mais de um euro e meio!”
Antes de prosseguir, convém esclarecer que o meu amigo Mário é dono de um pequeno restaurante aqui na Baixa. Gostaria de dizer também que, após a sua explanação, retorqui: “está bem, Mário, mas não esqueças que o Mercado Municipal é um apêndice de toda esta zona, e tu, ao deixares de lá ir, estás a contribuir para o seu encerramento”. Embora lamuriasse qualquer coisa, tenho a certeza de que o homem não ouviu nada do que lhe disse.
Vamos por partes, já tive um pequeno restaurante na Alta até 1994. Nessa altura, todos os dias ia à “praça”, como era assim denominado o mercado. Como encerrava às 15h00, se tivesse necessidade, por exemplo, de alface, então sim, iria a uma pequena mercearia. Ou seja, o Mercado Municipal era o porto principal de abastecimento e a pequena frutaria de bairro era o acessório. Nestes 18 anos posteriores tudo mudou. Praticamente desapareceram todas as pequenas mercearias e a nossa “praça”, progressivamente, foi definhando e deixando de ser o centro aglutinador de compras. Por outro lado, e a contribuir, os pequenos restaurantes de bairro cada vez trabalham menos, e menos têm necessidade de ir ao mercado. E então por aqui já dá para ver que, depois de muitos pontos de venda terem claudicado, estão agora a surgir, em seu lugar, lojas de frutas e legumes chineses.
Então, continuando, assistimos a dois movimentos contraditórios entre si, mas ambos destruidores da nossa praça local. Por um lado, em 2002, depois da entrada do euro em circulação e substituindo a nossa moeda matriz, segundo rezam as donas de casa –e são muitas neste lamento-, o que custava 100 escudos -correspondente a 50 cêntimos-, repentinamente e sem explicação, passou para um euro. Ou seja, para o dobro.
Por outro lado, e agora, verificamos que –segundo diz quem lá vai e são muitos- os chineses, em alguns artigos, vendem a preços abaixo de custo –o chamado “dumping”. Quando abriu aqui a primeira loja de frutas isso mesmo me foi confirmado pelo proprietário chinês. Dizia ele que, em vez de pagar publicidade, praticava preços baixos, mesmo que isso implicasse o provável encerramento de outros colegas. “Isso era um problema deles!” –exclamou.
Ora, chegados aqui, creio, já podemos fazer um balanço da situação. Então o que é preciso fazer?
Para já, era preciso que a ACMC, Associação do Comércio de Mercados de Coimbra, desactivada há vários anos, retomasse o seu papel interventor associativo. Depois disso, os membros desta agremiação, deveriam correr todos os grandes e pequenos restaurantes da Baixa e sensibilizar os proprietários para a elevada importância de se comprar ali. Mais ainda, por um lado, garantir bons preços a estas casas de repasto e, por outro, independentemente do valor da encomenda, arranjarem forma de, diariamente, entregarem em mão as compras até às 19h00 –este serviço de porta a porta, naturalmente, deve estender-se a todos os particulares da cidade. Poderiam, por exemplo, ter um serviço de estafetas que seria pago e beneficiado por todos.
É preciso estabelecer um contrato social entre os operadores do mercado e os hoteleiros da Baixa. É óbvio que os benefícios serão comuns, mas, para isso acontecer, é preciso explicar individualmente que a continuação de todos só será possível se houver encadeamento comum. Isto é, haver uma partilha de interesses e custos a distribuir por todos igualmente. Se assim não acontecer, se ninguém fizer nada, mais tarde ou mais cedo, inevitavelmente e por muito boa vontade que a autarquia tenha, o Mercado Municipal D. Pedro V encerrará e, subsequentemente, o Centro Histórico, constituído pela Alta e Baixa, irá atrás. É preciso explicar a todos os interessados –neste caso as vendedeiras e os hoteleiros- que todos temos de dar um pouco do presente para receber algo no futuro. Temos, todos, de deixar de ser menos calculistas e imediatistas e tentarmos ser mais solidários com o colectivo. Já se sabe que os custos desta nossa pouca visão estão à vista de todos.


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