quinta-feira, 19 de abril de 2012

LEIA O DESPERTAR...



LEIA AQUI O DESPERTAR DESTA SEMANA


Para além  da coluna "Memória: "Os Estúdios Diorama", deixo também os textos "Reflexão: Uma cidade Insensível" e "As pontas da indignação".




MEMÓRIA: OS “ESTÚDIOS DIORAMA”

 Em 1888, quando a empresa Kodak, de George Eastman, inventor do filme fotográfico, e com um marketing arrojado, se abriu ao mundo, tornando acessível a todos a fotografia analógica, cujas experiências com a câmara escura já vinham de Leonardo da Vinci, certamente nunca teria pensado no que viria a seguir, nomeadamente a invenção da radiografia, do cinema e da televisão, e muito menos na relação de caminho-destino que, um século depois, uniria a famosa marca americana aos “Estúdios Diorama”, em Coimbra.


 Arlindo Almeida Santos nasceu em 2 de Abril de 1944, em Arrifana, no sopé da Serra da Estrela. Num tempo de escassez em que os filhos eram uma fonte de rendimento para os pais, mal acabou a escola primária, e ainda de cueiros, em 1954, começou logo a trabalhar em Seia, na oficina de fotografia de M. Sousa Cabral. Talvez porque ganhasse pouco ou, quem sabe, talvez esta cidade não chegasse para a sua fome de aprender, em 1963, então com 19 anos de idade, começou a laborar na foto Hilda, no Largo da Portagem, em Coimbra, com o mestre Varela Pécurto. Ali se manteve durante três anos, e de onde partiu para o Serviço Militar Obrigatório. Regressou, à cidade dos estudantes, em 1969. Não se sabe se a crise académica, neste ano, teria influenciado o futuro de Almeida Santos, o que se sabe é que na urbe mondeguina, nesta altura, haveria mais de duas dúzias de lojas de fotografia em atividade. As melhores casas estavam situadas na Baixa. Entre outras, a foto Hilda, a foto Monteiro, a foto Rasteiro, a foto Gaspar, a foto Corvo, a foto Cinearte e o Vítor Ramos –estes três últimos, felizmente, ainda resistem.


Em 1970, Arlindo Santos abriu, no Largo da Freiria, os “Estúdios Diorama”. Inovador, criativo e aplicado no trabalho de retratar pela imagem, depressa saiu do anonimato e a sua casa começou a ser referenciada em todo o distrito. Vamos dar a palavra ao Arlindo: “sempre gostei de fotografia. Este ramo, esta arte, foi desde que me conheço o meu mundo mágico, o meu segundo amor –depois da família. Senti-me sempre atraído pelo seu mistério. Foi sempre uma paixão, um amor platónico onde a virtude, a ligação espiritual, se sobrepõe ao interesse material. Foi por isso mesmo que em 1975, num tempo de imagens a preto e branco, abri o primeiro laboratório a cores, na Avenida Fernão de Magalhães. Foi um sucesso em toda a zona Centro. De Leiria a Aveiro, todos os colegas vinham revelar as suas fotos à minha casa. Cheguei a ter 8 empregados. Diariamente ia levantar os rolos às muitas tabacarias da cidade, que trabalhavam para mim em regime de comissão. Não havia mãos a medir. Entre 1975 e 1990 investi em máquinas cerca de 80 mil contos, quatrocentos mil euros –e aponta os gigantes elétricos no seu estabelecimento, na Rua dos Esteireiros. Sabe quanto valem hoje? Zero! O seu destino, quando qualquer dia entregar a loja ao senhorio, será a sucata. 


Sabe como me sinto? Um operário a quem prometeram um grande prémio se trabalhasse bem com dedicação e que no fim o patrão, alterando as regras unilateralmente para não cumprir, abandonou no deserto da ambiguidade. O problema é que, como jogador, apostei tudo nesta cartada, porque confiei que o Estado seria pessoa de bem. Acontece que não é! Repare, não estou contra a evolução da fotografia. Bem sei que foi por este desenvolvimento que a captação de imagens saiu dos laboratórios e, democratizando-se, chegou a todos os lares. O que me causa revolta é o nosso Estado não ter o mínimo respeito por profissionais como eu, que se entregaram de alma e coração à causa, sacrificando a família, e enterrando tudo o que tinham e não tinham –por este investimento, nunca comprei  habitação. E agora, como se já não bastasse a acessibilidade e a vulgarização da digitalização da imagem, o que faz o Estado? Desprezando totalmente a dedicação de décadas, monta máquinas digitais nas Lojas do Cidadão e faz o trabalho que deveria ser nosso. É para o Cartão do Cidadão, é para o Passaporte e para tudo quanto é documento oficial. Até os passes dos autocarros já levam uma fotografia digital assim e sem passarem pelas nossas mãos. Estes equipamentos custaram uma fortuna, que todos estamos a pagar, mas ninguém se importou com isso. Muito menos se estão a condenar uma reconhecida profissão ao total desaparecimento. A desculpa é que aquelas máquinas leem os dados biométricos, nos olhos, a altura, a impressão digital, e tudo isso. Mas isto serve de argumentação para nos sentenciar? 


A fotografia tradicional, como a conhecemos, é uma arte. Hoje está a desaparecer e foi substituída pela imagem digitalizada. Nunca será a mesma coisa.
Sinto-me defraudado, enganado, na profissão que abracei há 58 anos. Esta economia não é sustentável. Em nome do desenvolvimento, é selvagem apoiada por uma lei que protege o mais forte e desampara o mais fraco. É predadora dos mais pequenos, que estão a desaparecer. Sinto-me desfalecer e perder o ânimo todos os dias. Estou triste, muito triste. Bem gostaria de dar cor a esta sua crónica, mas não consigo. Lamento, mas tem de ficar a preto e branco. Passo os dias a restaurar retratos antigos, mas poucos, e, no tempo morto, que sobra demais, na Internet buscando mais conhecimento, no fundo -embora não acredite-, com alguma esperança que o futuro seja melhor.”


A similitude entre a Kodak e os “estúdios Diorama” é que a primeira já foi, e o segundo, inevitavelmente, será também trucidado por este progressismo avassalador, que, invocando o superior interesse de todos, provoca a infelicidade de muitos.

AS PONTAS DA INDIGNAÇÃO


 Num destes dias de abril eu estava sentado no café a ler “O Despertar”. Na mesa ao lado acomodaram-se dois homens. Teriam trinta e poucos anos. Não os conhecia, pareceu-me nunca os ter visto –embora também não é de admirar, raramente seguro um rosto na minha mente. Dizia um deles: “ó pá, aquela cena tocou-me profundamente. Até as lágrimas me vieram aos olhos. Tu já imaginaste uma velhinha a pedir por tudo que não lhe retirem o contador de água por uma dívida de 6 euros? Só queria que visses! Porra, um homem não é de pau! Cá dentro bate um coração –e leva a mão ao peito. De lágrimas a correr pelo rosto, ela dizia: “ó senhor, por amor de Deus não me corte a água, que depois não tenho 50 euros para a religação. Recebo uma reforma pequena. Às vezes, para conseguir comer, tenho de deixar de aviar a receita na farmácia. Se tem família, senhor, por favor, não me faça isso!”.
“O que é que achas que eu poderia fazer? Prossegue o homem para o companheiro. Puxei de 6 euros e dei-lhos para que fosse liquidar a fatura. Sabes o que me indigna? É que estes cortes estão a incidir sobretudo sobre os mais desfavorecidos. Neste universo há filhos e enteados. Há os que conseguem furar o sistema e os desgraçados. Ali para os lados da Estação Velha, lá no alto; ali naquela urbanização de luxo, junto ao Portugal dos Pequenitos, onde só moram doutores; ali junto aos Covões, numa urbanização de opulência; nestes três casos, mas na cidade serão centenas, assiste-se a ligações com pontas diretas, mas ninguém lá vai cortar água nenhuma, nem querem saber da falta de pagamento. Como funcionário, isto revolta-me!”
Levantaram-se e seguiram em direção à porta. Fui atrás deles. Pedi desculpa por ter ouvido a conversa, não pude evitar, retratei-me com o homem. Tal como o senhor, fiquei indignado, disse. Isso que contou é mesmo verdade? Interroguei. Sou colaborador de um jornal, se me for mostrar um caso, escrevo sobre isso. Fomos no meu carro a um lote de várias casas perto do Hospital dos Covões e, na entrada de uma urbanização, em duas secções dispostas de contadores, eram visíveis vários tubos esbranquiçados a ligar o lugar destinado ao fiscalizador de cobre. Onde deveriam estar seis, apenas um marcava presença. Mas, uma vez que está ali um contador, estas ligações diretas não são permitidas? Perguntei. “Não senhor. Em caso algum é consentida uma ligação destas. Além disso, estas casas estão já ocupadas com pessoas”, enfatizou.
Tirei várias fotografias para provar esta tese. O homem desapareceu. Evitam de me perguntar sobre ele porque, pela minha falta de memória, já o esqueci.



REFLEXÃO: UMA CIDADE INSENSÍVEL


 Na última sexta-feira, da semana passada, realizou-se no restaurante Jardim da Manga o jantar comemorativo dos 123 anos dos Bombeiros Voluntários de Coimbra. Apesar de amplamente divulgado na imprensa apenas seis dezenas de conimbricenses, contando com os próprios elementos da corporação e alguns políticos, poucos, responderam ao soprar de velas.
Não é justo o presidente da direção, João Silva, andar constantemente a apelar à solidariedade social para conseguir manter esta reconhecida associação em funcionamento e a cidade, num comportamento de provocação que raia o ostracismo, virar-lhe costas continuadamente. Se calhar fará todo o sentido interrogar: Coimbra quer manter os seus Bombeiros Voluntários ou não? 

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