sábado, 3 de março de 2012

O HOMEM DA BICICLETA ÀS CORES (2)


 Está quase a fazer um ano escrevi um texto sobre o que apelidei de “O Homem da Bicicleta às Cores”. Há dias voltei a cruzar-me com ele e, mais uma vez, não resisti a fotografá-lo e a tentar entabular conversa. Escrevo “tentar”, porque não é muito fácil estabelecer um diálogo com este homem, mas, talvez porque já me tinha metido com ele anteriormente, devagarinho, com alguma desconfiança patente da sua parte, lá fui tirando uns monossílabos.
É um personagem muito curioso, sobretudo pelas diversas poses, como se, em performance, estivesse sempre a representar, e que vai apresentando ao longo da conversa. É um trocar de perna, lento e imperceptível. É um olhar de lado, sedutor, como se fosse uma dama, É um levar a mão ao chapéu constante, como se quisesse dizer sem dizer: “olhe este meu exemplar fantástico!”.
Chama-se Celso da Fonseca, e mora ali para os lados de Assafarge. Está reformado, segundo me diz. Agora é um estudioso da vida, sem descurar a cultura, a civilização, e sem prejudicar o gosto de ajudar os outros. O seu objectivo é levar uma vida perfeita, vai-me dizendo. Trabalhou numa firma do pai, na Rua Figueira da Foz, com amortecedores. Agora vive sozinho e não faz nada. Quer dizer, não é bem assim. Agora cuida sua bicicleta –que infiro ser uma extensão de si mesmo e resultado da sua exclusão e solidão. “Gosto muito dela –vai-me dizendo- estas cores bonitas sou eu que as misturo. É Deus que me diz como devo fazer”, enfatiza.
-Ai sim? Interrogo. O Celso costuma falar com Deus?
-Costumo sim! Falo com ele todos os dias. Deus não despreza as pessoas…
-E de que assuntos fala Deus, consigo?
-Ele fala pouco dos outros planetas. Há planetas no Universo que se lá chega em 3 segundos.
-Hoje o Celso já falou com Deus?
-Sim, falei com Ele durante a manhã…
-E o que lhe disse Ele?
-Disse-me para eu sair de casa. Para eu vir dar uma volta. E eu vim até à Baixa…
-Bons dias e obrigado. Concluí.
E o Celso lá seguiu os caminhos da sua estranha vida. Habitualmente segue em direcção à Rua Eduardo Coelho. Pelo que tenho apreciado e sei, faz sempre duas paragens obrigatórias: uma numa montra de lingerie e outra em frente a uma loja de produtos de “recuerdos”. Curiosamente, aqui, não são os artigos que lhe interessam, mas sim a “bela dona” que está atrás do balcão.


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