quinta-feira, 29 de março de 2012

LEIA O DESPERTAR...


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Para além  da coluna "Memória: um Pinto d'ouro", deixo também o texto "Reflexão: Povo que lavras no rio"

MEMÓRIA: UM PINTO DE OURO

 Não se sabe muito bem, mas é possível que a construção da nova ponte sobre o Mondego, com início em 5 de Abril de 1951, e com projeto de engenharia de Edgar Cardoso, constituísse a “pedra de toque” para a decisão de Carlos da Silva Pinto, natural de Meruge, Oliveira do Hospital, e então com 33 anos, de apostar na outra margem direita e assim, à época, abrir o melhor restaurante de Coimbra: o Pinto d’ouro. 

Substituindo a antiga passagem para a outra margem em ferro, e que já vinha do século XIX, esta nova ponte foi inaugurada, com pompa e circunstância, em 30 de Outubro de 1954. Ora, tendo em conta que, poucos meses antes, este famoso café e restaurante se implantou num antigo espaço de uma cantina de polícia, tudo leva a crer que teria sido o lado visionário de Silva Pinto, o ler nas estrelas, que esteve na origem do nascimento do Pinto d’ouro. O certo é que os vários milhares de pessoas que assistiram à inauguração da ponte de Santa Clara, em boa verdade e em sintonia, na mesma data, estavam também a celebrar a entrada em cena desta grande casa de restauração junto à antiga “Casa da Ponte”. E Carlos Pinto sabia o que fazia, ou não tivesse tirado o curso em duas das mais famosas universidades de hotelaria da cidade, a pastelaria Império e a padaria Palmeira, ambas na Rua da Sofia. Para além disso, porque na sombra de um grande obreiro estará sempre uma estratega, a observar, a planear e a pesar os prós e contras, também neste caso havia a esposa do fundador, e considerada a trave-mestra: Gracinda Medina Pinto.

Fosse pelo grande empurrão da celebração da nova passadiça para o outro lado ou não, ou porque a sorte premeia os audazes, a verdade é que este restaurante começou logo por ser um Sol brilhante no firmamento da gastronomia conimbricense. “Foi um raio de luz numa noite escura”, diz quem sabe e conheceu bem. Num bom serviço de mesas, não faltava o pessoal, limpo e asseado, equipado a rigor, com calça e sapatos pretos, casaco branco e camisa com respetivo laço negro. 
As mesas eram cobertas com toalha e emolduradas com guardanapo de pano, de um branco imaculado, louça e talheres gravados com o logótipo da casa. Sempre que entrava um grupo de estrangeiros, previamente contratados por agência ou pelo Turismo era surpreendido, em cada mesa, por pequenas bandeiras da sua nação de origem e acompanhadas da portuguesa. Quando provavam o “couvert” começava a ouvir-se o hino do país visitante. Muitos estrangeiros, perante aquela surpresa, abraçavam-se e choravam de emoção. 
Ali, naquela pequena embaixada, nada era feito ao acaso, desde o “pinto de ouro”, em faiança da Fábrica Viúva Alfredo de Oliveira, que era oferecido nos banquetes, até ao alto-relevo, em gesso, de Cabral Antunes, em alegoria à carne e ao peixe e que, com convite sub-reptício, envolvia quem transpusesse a porta.
 É evidente que o coração de um restaurante é sempre a sua cozinha e também aqui, entre outros, eram famosos os pratos típicos de Bacalhau e o frango à Pinto de Ouro, invenção de dona Gracinda. Eram de tal modo bem confecionados que, em Agosto de 1972, Amália Rodrigues, de improviso, escrevia assim no Livro de Honra: “O Pinto parece galo! Pois francamente não vi que o Pinto faça um robalo como este que aqui comi. Estava fresquinho a saltar o malandro do robalo, só lhe faltava cantar tão bem como o Pinto galo!”
No grande livro de memórias, de capas avermelhadas e nome da casa lavrado a ouro, para além da opinião da grande senhora do fado, pode ler-se ainda hoje os pareceres de Beatriz Costa, Vitorino Nemésio, Max e muitos outros intelectuais e artistas que passaram por Coimbra.

Em 1960, Carlos da Silva Pinto, era um homem de sucesso. Teria já ao seu serviço cerca de 30 empregados. Provavelmente, acusando o muito esforço, faleceu precocemente em 1984. Vamos dar voz à dona Gracinda, sua companheira desse tempo que não voltará mais, “trabalhava-se muito -nem o senhor imagina! Olhe que depois de encerrar o restaurante à meia-noite, eu ainda ia lá para trás, para o quintal, lavar as toalhas até às 2h00 da manhã. Passadas poucas horas dormitadas em solavancos lá estava outra vez a servir os pequenos-almoços a quem passava na antiga estrada de Lisboa e em direção a Fátima. Ai que tempos, senhor! Quem me dera poder voltar atrás e ver aquele corrupio de gente a sair das camionetas. Dormiam dentro delas, à espera que o café abrisse. Quando as portas eram descerradas era um pivete inebriante que ficava no ar que nem lhe conto.”
Desde Fevereiro de 2001, e depois de ter passado por um período de trevas, esta grande catedral que muito honra a cidade, pelo passado e presente, está muito bem entregue: ao Casimiro de Jesus e sua esposa Odete. Diz o primeiro: “sabemos bem a responsabilidade que temos sobre os ombros para manter esta casa de memória ativa. Nos dias que correm, acredite, não é fácil, mas trabalhamos muito para conseguir. Temos a sorte de ter aqui ao lado a Faculdade de Desporto. O nosso café é como se fosse para os estudantes a sua segunda casa. Acarinhamo-los muito. É como se fossem nossos filhos. Logo a começar as aulas, como cerimonial de batismo, iniciamos com a “poção mágica”, que é um caldeirão de 80 litros de uma bebida típica que só eu sei a receita. Quem bebe deste purgante, será sempre um bom estudante!”

REFLEXÃO: POVO QUE LAVRAS NO RIO

 Na página 2, é publicada uma carta de Paulo Diniz, um operador do Mercado Municipal D. Pedro V, em que versa uma reportagem publicada na edição anterior do Despertar. Nesta missiva fica bem patente a incapacidade e a frustração de alguém que quer continuar a remar num mar de displicência, abandono e desinteresse pelos demais colegas. Não sou jornalista. Sou um pequeníssimo comerciante da Baixa, que, tal como este mercador, todos os dias se depara com o mesmo problema. Por isso declaro o maior respeito pelo seu desabafo. O associativismo, a solidariedade, está numa profunda crise. Todos constatamos isso. Envolver alguém para defesa do coletivo é uma batalha de rios de suor. Porém, se posso invocar algo em minha defesa, todos os dias me julgo idiota por defender, através da escrita, quem tantas vezes me maltrata. No entanto, em complemento solitário, ajuízo que um homem sozinho não mudará o mundo, mas se ajudar e salvar uma única causa estará a torná-lo melhor. É preciso acreditar!


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