quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

DIÁRIO DE UMA EXPERIÊNCIA SOLIDÁRIA (2)



 Hoje, por volta das 9h30, o Francisco Veiga, o Arménio Pratas e eu, mais uma vez demos corda aos atacadores para que os sapatos nos conduzissem em mais uma acção solidária a favor do comerciante Armindo Gaspar, anteontem assaltado e, por inerência, com toda a loja destruída.
Começámos por ir aos estabelecimentos onde ontem nos mandaram passar hoje. “Porque tinham outros sócios e tinham de conferenciar, não podiam decidir imediatamente”, invocaram. Como já temos cabelos brancos e muitos calos no rabo, deu para perceber logo que quem assim procede, é mais que óbvio, está a tentar descartar-se e a adiar para não contribuir. E de facto, na minoria de casos onde isso aconteceu ontem, hoje continuavam à espera de falar com os sócios. Enfim é uma artimanha que já todos conhecemos, a falta de coragem em dizer: “não dou nada.”
Felizmente que isto é apenas uma amostragem ínfima, as folhas secas que nem deveriam ser referidas, mas, para memória futura, é bom que se saiba como, perante a desgraça alheia,  alguns comerciantes mostram esta atitude.
Tenho um grato prazer de dizer que, mais uma vez, tive o privilégio de constatar que a alma humana é profunda e generosa. A maioria contribuiu. Deu para ver, tal como ontem, que os que aqui financeiramente estão melhor –no sentido de que conhecemos algum historial destas pessoas- foram os que se negaram a dar uma simples nota de 5 euros. Os argumentos são imensos, mas convém referir alguns neste género: “porque razão tenho eu de contribuir para alguém que foi assaltado? Eu já fui uma vez e ninguém aqui veio perguntar se eu precisava de ajuda!” –não deixa de ser curioso o que vou contar a seguir. Como tenho o blogue, sempre que soube da desgraça destas pessoas, eu fui lá para noticiar aqui e ao mesmo tempo, porque já senti o mesmo três vezes, deixei-lhes sempre uma mensagem de esperança e de conforto. Pois são estes sujeitos hoje que, numa completa frieza perante a necessidade de um colega, se escusam a participar nesta solidariedade.
É muito peculiar sentir que quem pouco tem é quem está disposto a repartir. É fantástico. Entrámos em lojas pequenas, apenas com o dono, e sem qualquer cliente. Antes de falarmos já a pessoa estava a puxar por uma nota, e a acompanhar com a seguinte mensagem: “desculpe dar tão pouco! Olhe que ainda não abri a caixa. Isto tem sido tão difícil de aguentar. Mas só pensar numa situação dessas em que o senhor Armindo está a viver até me causa arrepios. Muito obrigado a vocês pelo excelente trabalho que andam a desempenhar. Muito obrigado em nome de todos os que estão mal.”
É excepcional contar com pessoas como esta que aqui vou dar o nome: o Alfredo do Restaurante Paço do Conde. Ainda estávamos à porta já ele estava a chamar: “ó Luís! Venham cá! Eu sei ao que vêm” –e puxa do bolso um generoso contributo em dinheiro. “Olhem lá, e se vocês fizessem aqui um jantar para ajudar o senhor Armindo? Eu gostava de o auxiliar em tudo o que eu puder. Fazia um preço meramente simbólico e juntávamos todos os amigos dele. Que acham?”.
O que havíamos de achar? Que com pessoas como o Alfredo este mundo não cairá, mesmo que uma minoria seja constituída por sacanas. Ficou então combinado que dentro de dias, em data a anunciar, iremos convidar todos os amigos do Gaspar, incluindo todos os políticos da cidade – cada um pagando o seu repasto. Faço questão de solicitar a sua presença, incluindo o presidente da Câmara Municipal de Coimbra, João Barbosa de Melo. Sempre quero ver quantos amigos tem o Armindo. Sempre quero ver se os políticos partidários, incluindo a oposição, podem dispor de 15 euros e um tempo para dar aos seus munícipes que muito tem dado para a cidadania. Vamos ver. Vai ser um bom desafio. Que se negue quem tiver coragem.
A  manhã de hoje rendeu 430 euros. Foi muito bom. Mais uma vez obrigado a todos aqueles que contribuíram –e também para os que não participaram. Em nome do Armindo, em nome de outros “Armindos” que se sintam na mesma situação deste, em nosso nome, os nossos profundos agradecimentos. Um grande e efusivo abraço de solidariedade.



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