terça-feira, 20 de dezembro de 2011

UMA QUADRA DIFERENTE COMO NUNCA NA CIDADE




 É terça-feira, são 17h00 acabadinhas de saírem em toques de rebate no relógio da torre da Igreja de Santa Cruz. A larga Rua Visconde da Luz, para quem não tiver outros dados comparativos, parece ter muitos caminhantes. O mesmo se passa na estreita Eduardo Coelho. O problema é que, dando uma volta pelas lojas, praticamente estão todas vazias de clientes. Aliás, se repararmos nos transeuntes, notamos que não há muitos sacos com compras nas suas mãos.
As montras dos estabelecimentos, quase todas, ostentam indicação de “promoções”. Apesar desse desconto em convite ao consumo, facilmente encontramos um ou outro dono da loja, à sua porta, a olhar para quem passa, como se antevisse que aquele poderá ser o cliente mistério que pode salvar a semana. Em cada um, olhando a sua fronte, são visíveis rugas de preocupação, como a dizer que este Natal não é mais o tempo de oferendas e prendas de outro tempo e que, embora curta, era uma época, a última do ano, para ajudar a recuperar o saldo perdido do ano inteiro. Infelizmente, pelo dano que irá causar no comércio, tudo indica que esse costume morreu. O Dezembro é simplesmente um mês igual a outro qualquer. O ano deixou de ter picos. É somente um gráfico plano e sem variações.
Encostados à Hortícola de Coimbra, uma quase centenária casa de sementes, dois músicos, um a tocar acordeão e outro saxofone, puxam forte uma música de acordes natalícios. Como são bons instrumentistas, para quem passa, mesmo não sendo especialista, na recompensa, é generoso na moeda doada. A caixa que serve de apanha-moedas, está bem composta e com o fundo reluzente, mostrando que o “negócio” vai de vento em popa. Enquanto aprecio a paisagem vou ouvindo o tilintar das moedas deixadas e a chocar com outras. Curiosamente, numa harmonização perfeita entre humanos, não se ouve outro qualquer ruído na paisagem urbana. Só os acordes bem ritmados, em trinados de honra ao Deus-menino, parecem quebrar aquele silêncio que, sem barulho, se torna incomodativo.
Ali próximo vejo um comerciante à porta e, mentalmente, especulo se estes bons músicos, no grão-a-grão, não estarão a fazer mais dinheiro que muitas lojas comerciais aqui na Baixa nesta altura. A verdade é que as moedas doadas são bem empregues, penso em abstracção. Mesmo com algumas, parcas, ornamentações, a Rua Visconde da Luz, se não fosse aquela sonoridade bem compassada, pareceria que estávamos numa qualquer tarde de final de Outono.
Na Rua Eduardo Coelho, junto ao largo da Freiria, e encostados à desaparecida sapataria Reis, quase em paradoxo, entre a morte e vida, está um casal de holandeses. Ele, com um vozeirão de tenor que despreza amplificação, toca viola. Ela, com um pequeno tambor, acompanha na percussão. Quem passa a calcorrear as pedras da calçada, pela elevada qualidade sonora, pára estático e, inevitavelmente, curva-se para contribuir. No chapéu ornamentado com fios dourados, e que mais parece um ninho de pardais em gestação, as muitas moedas brilham como ovos à espera do nascimento. Mais uma vez se verifica que a prestação está a ser bastante contributiva. Um comerciante, à porta da sua loja, talvez fazendo comparação com o seu negócio e com as recentes declarações do nosso Primeiro-ministro, exclama alto e bom som: “para a terra dele, a Holanda, querem exportar os professores e de lá, em importação, vêm músicos. Estamos bem arranjados com o negócio!”
Com as pessoas a comprarem o menos e o mais barato, é a quadra de um Natal possível, como diria o Presidente da República, Cavaco Silva. O problema vai ser o próximo Janeiro, quando as facturas começarem a cair.

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