quarta-feira, 21 de setembro de 2011

SE BURRO DADO NÃO SERVE COMPREM UM CAVALO

(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)




 Para malhar em ferro frio vou dizer que sou um tipo embirrento c’mó caraças. Bem sei que você já se está a rir de galhofa, assim a pensar: “lá vem ele outra vez com a mesma história!”. Mas é assim. Quem me lê tem de me perdoar. Eu sou um gajo cheio de “grilos falantes”. Mas, em minha defesa, alego que não sou só eu. Todos os da minha geração de 1950, creio, são assim. Às vezes estou a conversar com pessoas da minha idade e escutando o que dizem –temos uma necessidade absoluta de sermos ouvidos-, chego a adivinhar o que vão dizer a seguir. Tal como eu, contam histórias, mais histórias, e mais histórias, e, volta e meia, lá vem o tradicional:”no meu tempo, isto; no meu tempo, aquilo; hoje não há valores, blá, blá, blá”.
E isto acontece, porquê? Porque, maioritariamente, somos filhos do adverso e feitos homens aos trambolhões. Como muitos, nascemos numa aldeia recôndita onde a água e a luz chegou já nós cavalgávamos a puberdade; os nossos primeiros sapatos foram estreados no exame da 4ª classe –até aí andámos descalços ou quase; não pudemos continuar a estudar por impossibilidade financeira dos nossos pais; diariamente, comíamos uma sopa frugal de feijão e couves, acompanhado de peixe quando havia –era o mais barato nessa altura- e que era muito bem rateado por todos; a única carne que se comia era a do porco de matança, que dava para meio ano, quando muito bem poupado, e uma chanfana na festa anual da paróquia, quando se matava uma ovelha, em honra do santo padroeiro.
Então, fruto desse tempo –ou não fôssemos nós o resultado do meio em que fomos criados, da circunstância, e da experiência empírica-, pasme-se, ainda hoje, guardo na minha mente princípios desse meu tempo de criança e continuam a acompanhar-me todos os dias e certamente até ao meu último suspiro. Por exemplo, começando no calçado, os meus sapatos são usados até deitarem a língua de fora. Como quem diz, já não aguentarem mais uma outra transplantação de meia-sola. Na roupa acontece o mesmo. Sou capaz de andar com calças de ganga até ficarem rotas nos bolsos de trás e junto à virola. Na alimentação acontece um facto muito giro. Vão rir, mas é assim. Desde sempre, habituei-me a comer tudo o que tenho no meu prato. Mesmo que não goste muito do que me é servido, nunca reclamo –podem até achar que isto é palavreado, mas é assim mesmo. Ao servir-me numa qualquer refeição, quer seja em minha casa, quer seja num qualquer restaurante, lembrando-me dos tempos de criança, que nunca esqueci, mentalmente agradeço o facto de ser bafejado com aquela comida –note-se que este agraciar não tem nada a ver com qualquer religião. Por outras palavras, é um “religar” que me une a um tempo escasso e que, através da memória, está continuamente presente e sempre me fez olhar para estes tempos hodiernos de abastança com alguma preocupação.
E comecei esta longa introdução porquê? Porque estou farto de ler os exageros de muitas pessoas, políticos e pais sobretudo, em torno da alimentação paga pela Câmara Municipal de Coimbra aos alunos das escolas do Concelho. Como se sabe, há pouco tempo, foi aberto um concurso internacional para servir milhares de refeições pagas pela autarquia. Ou seja, por todos nós. O que acontecia até aí era que o custo de cada uma, servida pelas IPSS, custava à edilidade cerca de 3 euros. A empresa que ganhou o concurso prontificou-se a servir todos os alunos ao preço de cerca de 1,50 euros. Ou seja, a Câmara, enquanto gestor representante de todos nós, tomando uma atitude racional, de poupança e eficiência, está a absorver metade das verbas que gastava até aqui.
Ora o que tem feito a oposição até agora? Colocar areia no motor e, em suplemento, um pau na roda para que as coisas, obrigatoriamente, corram mal. Bolas, eu não sou político partidário, mas tenho a certeza de que o que estamos a assistir é política barata, rasca, e de má qualidade.
Ainda hoje, no Diário as Beiras, Jorge Veloso, o presidente da junta de freguesia de Ribeira de Frades, lá vem debitar mais uns acrescentos contra a empresa que serve as refeições e pagas pela Câmara Municipal de Coimbra. Diz este senhor: “O que se passa é vergonhoso e não pode acontecer”. “Os pais queixam-se, também, de não estarem a ser “recolhidas amostras para atestar da boa qualidade da comida que é servida”. “Esta recolha visa “despistar eventuais situações de intoxicação alimentares. Também a louça utilizada não é esterilizada na máquina de lavar, devido à inexistência de detergente e a comida estar a ser transportada em “embalagens de esferovite”. “Além disso, queixam-se do atraso da hora da refeição e do caso ocorrido no primeiro dia de aulas, em que “cerca de 50 por cento dos meninos não tiveram sobremesa”.
Perante tantos argumentos ridículos –se puder volte a ler as razões hipotéticas evocadas- já dá para ver porque relembrei os meus tempos de criança. Diga-me, leitor, comparando a situação de hoje e a dos anos de 1950/60, não apetece fazer um grande manguito a este senhor e aos pais dos meninos? Nesse tempo passado, havia um aforismo sempre presente no nosso dia-a-dia: “a cavalo dado não se olha o dente!”. Pelos vistos, toda esta gente, o simples facto de receber gratuitamente a comida que lhes é posta na mesa, ofende-os. Porque não mandam de casa a lancheira para os filhos? Pobres meninos, filhos de tão ricos pais… em preocupação alimentar.


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7 comentários:

Anónimo disse...

Tens toda a razao To, uns choram-se outros sentennas na pele e estao calados.bjs.

Jorge Neves disse...

As refeições não são gratuitas para os alunos como se faz querer parecer, os pais tambem pagam.
é facil vender as refeições a 1.50euros, não estão a cumprir com o caderno de encargos no que diz respeito ao pessoal. Por agora fico-me por aqui a começarem a ser publicas as analizes do comer depois veremos e volto ao assunto.

Anónimo disse...

Concordo plenamente com o que escreveu. Coitadas das crianças a quem na década de 50 apenas era servida uma sopa vinda da cozinha económica, e era apenas aos mais pobres dos pobres.Os outros como eu iamos almoçar a casa e como merenda apenas aquilo que a mãe mandava de casa.Nos dias em que não havia não se comia.Apesar de tudo crescemos e fizemos-nos gente.
Ana Soares

LUIS FERNANDES disse...

Obrigada pelo comentário, minha flor de Luso.

LUIS FERNANDES disse...

Obrigado, Jorge, pelo comentário. Abraço.

LUIS FERNANDES disse...

Obrigada, Ana, estrela da Bairrada. Obrigada pelo comentário.
Ups! Quem diria que a menina nasceu na minha década?! Deve ser da água de Luso... sei lá?!

Anónimo disse...

Boa Noite!

Está tudo numa fase do contra. É "in" reclamar. Muitas das crianças e dos pais reclamantes nem este tipo de comida têm em casa. Enfim! Sei do que falo, porque também tenho uma criança a comer numa escola e, pago na totalidade. É pena que só agora esteja tudo preocupado e nos anos transactos só porque era determinada IPSS a fornecer as refeições ninguém visse em que condições era transportada a comida, a louça lavada à torneira em água fria...a comida que chegava já fria..., mesmos os pais falando com os responsáveis. Só agora é que toda a gente acordou! Se calhar não tinham lá filhos a comer. Pois eu já! Não sou dos anos 50, mas ensinaram-me regras, e bom senso! Alguém saiu a perder com um concurso aberto, transparente e sem interesses. Como diz alguém "Temos pena!.