quinta-feira, 4 de agosto de 2011

CARTA A MEU FILHO (1)



Beco da Paroleira, 4 de Agosto do ano da graça de 2011.

 Meu filho, espero que esta minha carta te vá encontrar bem de saúde e na companhia de quem mais gostas aí no Perú. Ainda não recebi nenhuma missiva tua, mas não estou preocupado, até acho normal, afinal hoje escreve-se muito pouco e tu, mesmo sendo herdeiro de um “escritor” como eu, passo a imodéstia, não serias excepção. Claro que, depois, todos reclamamos que as pessoas não interpretam o que lêem e, na subsequência, em cada dia que passa, é mais um anúncio de um posto de correios que encerrou, etc… etc. ... e tal!
Eu por cá vou andando e tentando aguentar-me, graças a Nosso Senhor Jesus Cristo –como sabes, sou agnóstico, mas nestas alturas de aflição convém invocá-Lo.
Estou cada vez mais “cheché”, baralhado e cansado desta terra danada que qualquer dia me vai consumir o corpo e agora, na política corrente, me desgasta a alma.
Por falar na dita, conto-te que no que toca à política transcendental até vai muito bem. Como o tempo está ameno e os meteorologistas ameaçaram com trovoada e chuva até domingo os profissionais da ignição ficaram todos em casa. Posso dizer-te que, contrariamente há uma semana atrás em que chegou a haver cinco dezenas de incêndios por dia, hoje, no país, não está a lavrar nenhum. Por conseguinte, se tens o mesmo entendimento que eu, há duas hipóteses para salvarmos o pouco que resta da floresta. Ou o Governo impõe por decreto que todos os profissionais da previsão do tempo durante todo o verão anunciam chuva e trovoada ou então, em vez de se contratarem helicópteros, estabelece um protocolo com o São Pedro para mandar um tempinho mais ameno, com frio e chuva à mistura, neste verão.
No tocante à política nacional está tudo como sempre esteve nos últimos dez anos. É crise para aqui, é preciso poupar para acolá, mas tudo continua na mesma. Ou seja, nem a crise sai da crise nem ninguém poupa. Tudo continua na mesma. Continuamos todos a ir ao restaurante de luxo –que estão sempre a abarrotar- e a ir para o Algarve passar férias.
É certo meu filho que o léxico mudou muito. Inventaram-se palavras novas. Agora há a Moody’s, que é assim uma espécie de fantasma para todas as idades. Não sei se te lembras, quando eras pequeno, se não comias a papa toda eu dizia: “ou comes ou chamo o polícia!” -se fosse agora, se eu repetisse que chamava a polícia, começavas logo a rir-te a bandeiras desfraldadas, porque a polícia já não mete medo a ninguém- actualmente, por cá, dizemos às crianças: “ou comes ou levas com a Moody’s e baixa-te a notação!”
Ainda no tocante à política nacional quem está mais preocupadito é o nosso Chefe da Paroleira. Então não é que os jornalistas da revista Visão andaram a esburacar os terrenos da sua vivenda lá no Algarve com o mesmo afinco como se procura petróleo? Que queres? São esta cambada de jornalistas que só estão bem a dar ferroadas. Não sei se entendes?!
No tocante à política local, cá na autarquia, tudo continua na mesma como há uma década atrás. Quer dizer, na mesma, não, parecido. Não sei se te lembras, meu filho, em 2001, entrou o Encarnação à força toda. Quem o acompanhava, que mais pareciam unha com carne em polegar feliz, ainda te lembras? Não?! Eu ajudo-te. Era o Pina Prata. Tão amigos que eles eram! Prometeram mundos e fundos. E nós acreditámos todos. Eu sei lá o que nos deram em promessa?! Foi a cobertura das Ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz, foi a revitalização da Baixa e até nos garantiram um Metro de Superfície. Lembras-te? Sabes o que deu? Andaram os dois à “turra e à massa”, acabaram a dormir em quartos separados –salvo seja-, com o Pina a passar a independente do PSD, as ruas da calçada continuaram à chuva, a Baixa continuou em baixo, e não houve Metro para ninguém.
Agora que o Encarnação foi cuidar dos netos e passou o posto ao João Paulo Barbosa de Melo, esqueceu-se e na mesma embalagem lá ia a maldição do Prata. Sim, não faças essa cara de admiração, meu filho! Até estou a ver de onde choveu esta danação do Barbosa, só poderia vir daí. Então não estamos na mesma? Agora o João Paulo anda à “porra e à maça” com o João Orvalho. Diz-me, meu filho, não estamos a ver um filme que já visionámos? Naturalmente que iremos ver o Orvalho mandar o PSD apanhar gambozinos para o Choupal. Mas é chato, não achas? Porra! Tanta esperança que, mais uma vez, colocámos neste homem. Calculo que estejas a interrogar-te quem terá razão?! Não sei, meu filho. A gente nunca sabe o que se passa verdadeiramente. O que parece é que o Orvalho –que de orvalho tem pouco- é danado para atear fogos lá na estrutura do aparelho social-democrata. E aquilo, o laranjal, não sei se estás a ver, é como o comércio tradicional, todos querem mudanças mas desde que não se toque muito nos interesses individuais. Ou seja, meu filho, todos querem que se mude tudo… mas para ficar na mesma.
No que respeita à política "rual", como quem diz, cá no Beco da Paroleira. Está quase tudo na mesma. Ou quase. Há aquela novidade do senhor…(…) de 85 anos, que anda a dormir com a… (…) de 40 e poucos, mas não temos nada a ver com isso. A única preocupação do conselho é por questões de saúde do velho. E se lhe dá o “badagaio”? Estás a pensar que terá uma morte abençoada? Pois, lá isso é verdade. Como tu és inteligente, meu filho! Sais ao teu pai. Está de ver!
É o único problema que nos aflige cá no beco. Não achas que, já que a lei é omnipotente e está em todo o lado e sempre a controlar tudo, se deveria passar a criminalizar também a "geriafilia"? Sim, meu filho, o contrário da pedofilia! Então um velho, na ponta da idade não se transforma em criança? Achas que estou doido, é? Se calhar…
Já estás a dormir com a minha conversa, não é, meu filho? Pois esqueci-me da diferença de horários. Vou então ficar por aqui.
Recebe um abraço deste pai que te ama e nunca te esquece.

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