segunda-feira, 11 de julho de 2011

VÁRZEAS E AS PONTES DA MEMÓRIA





 Há largos meses que o António Soares, numa das vezes que teria vindo a uma consulta médica a Coimbra, entrando pela minha porta adentro, exclamou: “queria pedir-te um favor. Será que podes escrever sobre o estado lastimoso da nossa ponte de ferro, de Várzeas? É que, sabes?, dá-me dó ver aquele nosso monumento a degradar-se cada vez mais. Provavelmente, há cinquenta anos que não sente uma cobertura de tinta!”
Prometi ao Soares que escreveria sobre ao assunto. Quis o acaso que só agora o pudesse fazer.
Ontem, numa viagem que sempre me dá imenso prazer, desci do Luso até à aldeia onde nasci. Fotografei a velha travessia ferroviária, que liga os dois picos do vale, por cima de Várzeas, e serve de ligação à Beira Alta, e constatei que, de facto, o ferro saído das oficinas de Eiffel, em nome do princípio da preservação, reclama uma pintura.
Logo à entrada da povoação fiquei de boca à banda com a nova ponte sobre o rio. Larga, com duas vias, já a pensar no futuro, bem desenhada e sem agredir a paisagem, a sua arquitectura, pela simplicidade, impunha-se ao visitante. Tendo em conta que a anterior, para além de atentar contra a segurança, tinha apenas uma via e obrigava à paragem obrigatória de um dos veículos que ali se cruzassem, o povo, de certeza absoluta, deveria estar orgulhoso e contente –pensei com meus botões.
Desci ao povoado e procurei o Soares na sua casa, mas ele não estava. Teria de falar com alguém sobre o estado da ponte. À primeira pessoa que encontrei, depois de a cumprimentar, lancei o desafio: desculpe, estou a escrever sobre o estado da ponte. O que acha?
-O que acho? Uma porcaria, é o que é! Admite-se uma coisa daquelas? Aquilo é um carrossel! Os carros quando a atravessam têm de galgar aquela rampa. Onde é que isto já se viu? Valia muito mais deixarem estar a outra velha. Aquilo está mal projectado!
-Mas, desculpe, não era sobre esta ponte que queria falar –interrompi.
-Ai não? Ai quer falar sobre as “Alminhas” que, por causa da construção deste aborto, mandaram abaixo? É sobre isso que vai escrever? Pois escreva. O povo está revoltadíssimo: “queremos as nossas “Alminhas” outra vez… e já!”
Já nem adiantei mais. Ala que se faz tarde. Vou ouvir outro habitante. Pode ser que a opinião não seja a mesma.
Junto à capela encontrei outro conhecido. Mais uma vez interroguei o que pensava do estado enferrujado da ponte de ferro.
-Ó pá, realmente é uma necessidade. Aquilo está a parecer mal. A Refer terá de dar um jeito. Bem sei que as coisas não estão fáceis, mas esta ponte tem para nós um significado muito especial. É a nossa identidade histórica. Entendes?
-E, já agora, diz-me, sem querer, apercebi-me há pouco que há aqui um certo mal-estar em relação à nova ponte sobre o ribeiro. O que achas?
-Acho que as pessoas nunca estão satisfeitas com o que lhe fazem. Sabes? Cairam-lhes no regaço sem esforço. Esqueceram que há cinco décadas todas estas ruelas eram atapetadas com mato. Para além disso tinham uma lâmpada, com uma luz muito fraquinha, em cada ponta. Hoje está tudo alcatroado. Todas estas vielas, para além de muitos pontos de luz, durante a noite parecem dia. Alguma vez tivemos uma vida assim? As pessoas querem mais, mais, e muito mais. Quem é que contenta o povo, Luís?


(Através do e-mail ci@refer.pt foi dado conhecimento à REFER EPE do estado físico desta travessia em ferro que liga à Beira-Alta e enviado este texto e fotos)


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1 comentário:

Anónimo disse...

realmente é de louvar alguém que se preocupa com o estado lastimável da nossa ponte.apesar dos meus 28anos ainda me lembro de ver uns senhores pendorados com cordas a darem tratamento em toda aquela estrutura de ferro, por isso não é há 50anos que não sofre manutenção mas que já passa dos 20 isso tenho a certeza.
abraço
Edgar Fernandes