sexta-feira, 1 de julho de 2011

A BAIXA VAI FICAR MENOS ELEGANTE E MAIS POBRE



 A sapataria Elegante é uma das mais antigas da cidade. Tem cerca de oito décadas de existência e vai fechar.
Segundo uma funcionária, as actuais proprietárias são duas irmãs já de muita idade e venderam o prédio. De modo que encerra-se aqui um ciclo, uma vida de uma das mais prestigiadas lojas da Baixa de Coimbra. Entre os anos de 1940 e até 1990 este estabelecimento foi a maior universidade de ensinamento na arte de sapataria. Em licenciatura de trabalho, por aqui passaram a maioria dos empresários "sapateiros" mais antigos do Centro Histórico. Por estas portas "art nouveau", a comprar calçado, passou a fina flor, a nata, da sociedade conimbricense de quase todo o século XX.
Com elegância, uma lágrima de saudade pela Elegante.

2 comentários:

Anónimo disse...

Iniciei como Caixa na Sapataria Elegante a minha vida profissional, apenas e durante 5 meses. Apesar de ser pouco tempo conheci gente que recordarei para sempre, desde o patrão o Snr. Pombo a alguns funcionários dos quais ainda me recordo do nome. Conheci também pessoas desta cidade da "gama alta" como esposas de gente ligada ao desporto e de médicos, enfim gente com poder de compra( o preço de cada par de sapatos andava na ordem dos 250$00). Na altura esta era a sapataria mais conceituada da cidade.No entanto recordarei para sempre um senhor que fazia entregas ao domicilio de encomendas enviadas através da CP.Este Senhor que entrava na loja sempre com a cara a escorrer de suor, trazia consigo um filho ainda muito pequeno que o ajudava nas descargas. Apesar dos meus 17 anos anos partia-me o coração ver aquela criança tão pequena em trabalhos tão pesados.Na hora de lhes pagar o frete não resistia e dava-lhe sempre uns centavos a mais.Alguns vezes ao fim do dia na conferência da caixa pagava-o
do meu bolso.Recordar é viver.
Ana Soares

Alice Pombo disse...

Só hoje tomei conhecimento de um artigo publicado em 01/07/11 no Blogue “ Questões
Nacionais” que, sob o título “ A BAIXA VAI FICAR MENOS ELEGANTE E MAIS
POBRE” anunciava a previsão do encerramento da Sapataria Elegante, facto que
infelizmente se veio a verificar no final desse mesmo mês. A forma como foi construída
a notícia e a evocação generosa, quase intimista, do que foi a Sapataria Elegante e do
papel que desempenhou durante muitas décadas na Baixa de Coimbra, motiva-me –
enquanto proprietária e responsável directa do encerramento da empresa - a dar a minha
própria leitura dos factos e o testemunho dos fortíssimos laços afectivos que ligavam
esta “jóia” da Baixa de Coimbra não apenas às duas proprietárias mas a toda a família ,
sem excepção.

Contrariamente ao que é dito na notícia, não foi a “muita idade” das proprietárias
que ditou o fim da Sapataria Elegante. Os meus 74 anos, felizmente, têm sido muito
generosos - ainda não me castigaram com dores de ossos nem falhas de memória
nem com qualquer outro défice significativo de velhice ( e o mesmo se aplica à outra
proprietária, minha irmã). Os meus défices sendo, de facto, de natureza temporal,
situam-se apenas na frequente falta de tempo para responder da forma mais adequada
aos meus compromissos. Todavia é de notar que esta dificuldade, acrescida de uma
outra que se prende com o facto de eu residir em Lisboa, nunca afectou os meus actos
de gestão na Sapataria Elegante, o que permitiu manter a sua liquidez, sem quebras e até
ao fim.

A Sapataria Elegante sempre fez parte das nossas vidas - e desde o seu início - ou seja,
desde o tempo em que o meu pai (o Sr. Pombo), ainda muito jovem, criou aí a base
do seu negócio e o transformou, como se fosse a sua segunda essência, num pólo de
moda e elegância com um exigente código de valores que se manteve inalterável até
ao fim. Foi esta dimensão ética que permitiu que a Sapataria Elegante fosse sempre tão
acarinhada, tão respeitada e tão estimulada na sua arte de bem servir e de bem conviver.
Na verdade, eram muitos os amigos, clientes ou não, que aí entravam - muitas vezes
apenas para conversar, apenas para serem bem recebidos e usufruírem de uns momentos
agradáveis e de descompressão. E a “linha da frente”, que recebia esses amigos, isto é,
os funcionários que aí trabalhavam (nos últimos tempos, apenas dois) eram os outros
amigos que com toda a competência e simpatia ali desenvolviam um trabalho fantástico
e completamente modelado pela sua vivência de muitos anos desse código e dessa
filosofia.

Posto isto, torna-se claro que a decisão de encerrar a Sapataria Elegante foi difícil e
resultou dum processo complexo e de confronto entre a razão e a emoção, num quadro
em que o centro do problema se situou na necessidade de restaurar totalmente o edifício
onde aquele estabelecimento se integrava. A reflexão sobre a progressiva degradação
do contexto económico, os custos elevados que implicariam o referido restauro e a
cada vez maior imprevisibilidade de, em tempo útil, haver algum retorno do esforço
que tais obras iriam exigir começou a pesar no processo de decisão…e a janela de
potenciais soluções ia ficando cada vez mais estreita e cada vez menos convidativa para
se explorar novos horizontes! …
No fim, o racional impôs-se - e os afectos ficaram à espera de melhores dias…

É bom verificar que não é apenas a família que lamenta o encerramento da Sapataria
Elegante. Com “uma lágrima de saudade” outras pessoas boas e generosas nos acompanham nessa perda.

Como dizia o filósofo nada permanece excepto a mudança…
A Sapataria Elegante mudou. Imaterializou-se! Mas permanecerá viva em todos os
corações que a lembrarem com um sorriso ou uma lágrima de saudade

Como diria meu pai:

Um bem haja a todos,
Alice Pombo