quarta-feira, 13 de abril de 2011

O ÚLTIMO TRIBUTO A FAUSTO ROSA

(IMAGEM DA WEB)


 A última vez que o vi, embora não tenha certeza, teria sido por alturas do pretérito Natal. Veio oferecer-me uma garrafa de bom vinho. “É do melhor que tenho em casa”, confidenciou-me. “Já não irei beber nem uma pequena parte do que arrumei ao longo da vida”, prosseguia. “Embora beba apenas um copinho à refeição, sempre gostei de comprar um bom néctar!”.
Pelo menos duas vezes por semana vinha visitar-me. Pela mesma hora, sempre por volta das 16h00, já o conhecia pelo ruído das duas bengalas em que se ancorava a baterem no chão de pedra da minha entrada. Então o cumprimento, na sua voz bem timbrada e cristalina, era sempre igual: “boas tardes, senhor Luís Fernandes –nunca me esquecerei do seu nome, tive um grande amigo, já desaparecido do mundo dos vivos, que se chamava assim. Olhe, cá está o chato do costume. Não o estou a aborrecer, pois não?” –às vezes era mesmo chato. Quantas vezes fazia um sacrifício danado para o ouvir. Muitas vezes falava sozinho…acompanhado comigo sem pachorra para o escutar. Lá tentava disfarçar para que ele não desse por isso.
Arranjava-lhe uma cadeira, ele sentava-se e continuava então numa introdução repetida e já minha conhecida: “ acabei agora de almoçar ali no restaurante Mondeguinho, ali na Rua dos Oleiros, está ver onde é? Nem lhe digo…come-se lá muito bem. Olhe que pago 6 euros com tudo incluído. É barato, não é? Mas se visse como se come lá bem?! Já não tenho paciência para fazer comer. Agora estou aqui um bocadinho consigo a conversar…não o aborreço pois não? É que, sabe, já não tenho ninguém com quem trocar umas palavras. Os meus amigos já morreram todos. Sabe que já tenho 88 anos? Nasci em 1922. Depois, quando sair daqui, vou então ver a minha mulher, está internada ali na clínica Fernão Mendes Pinto…já lhe disse não já? Coitada da minha querida. Sabe que não fala, não se mexe, mas quando fito os meus olhos nos dela até parece que os seus olhos sorriem? Todos os dias vou vê-la” –e as lágrimas saltavam daqueles olhos expressivos e derramavam-se sobre os sulcos lavrados do rosto como água a correr  pela encosta abaixo da cercania. “Desculpe…desculpe…não tenho vergonha de o dizer…choro muito. Fui muito feliz com esta mulher. Foi o amor da minha vida. Foi o meu segundo casamento. Do primeiro não fui, mas deste, senhor Luís Fernandes, fui um homem completo. Quando morrer, um dia, levarei sempre esta mulher atravessada no meu coração. A minha alma transbordará sempre de felicidade. Cada um de nós terá sempre na terra o seu anjo da guarda. Esta mulher foi o meu. Não tive filhos, sabe?! Já casámos muito tarde, em 1981. O meu grande amor tem filhos, mas do anterior casamento. Um deles você até conhece, de certeza…é o “Tó Zé”…está a ver quem é? Bom, como sempre, foi muito agradável conversar consigo, mas está a chegar-se a hora da visita lá na clínica. Um dia destes voltarei…posso vir, não posso?”
Como deixou de visitar-me há já vários meses, hoje fui à clínica Fernão Mendes Pinto. À funcionária do balcão interroguei se conhecia o senhor Fausto Rosa, um senhor que tinha ali a esposa acamada.
-Sim, conhecia! O senhor Fausto morreu!
-Morreu?! Interroguei um pouco incrédulo. Parecia estar tão lúcido e, tirando as pernas, bom de saúde?!
-Pois…mas é assim a vida…faleceu?!
-E a esposa? Perguntei.
-Um momento –e clicou no computador. Faleceu também.
Não perguntei, mas não me admira que tivessem morrido na mesma altura e um logo a seguir ao outro. Há amores ligados em cordão umbilical que quando um dos extremos se apaga o outro vai a seguir.
Onde quer que esteja, senhor Fausto Rosa, descanse em paz na companhia da sua amada. Até sempre meu amigo. Gostei de o conhecer.




Meu amor está a morrer,
na clínica da avenida,
parece nem querer saber,
da dor por mim sentida;
Tanta falta que me faz,
sempre, a todo o momento,
nunca mais fui capaz
de recuperar o alento;
Casei já entradote,
tinha já 60 de idade,
ela foi o meu escadote,
para a nossa felicidade;
Ao vê-la ali acamada,
onde só fala o seu olhar,
ao ver-me, fica encantada,
meu coração fica a chorar;
Tenho 87 anos de viver,
27 de luz, de tanto amar,
só gostava de poder
dar a vida, contigo trocar;
Chego a casa, está vazia,
o silêncio é ensurdecedor,
nada ali tem alegria,
falta lá o meu amor;
De que me vale a riqueza,
se me faltas, adorada,
só queria ter a certeza
de que não te falta nada;
Porque casei já velhote,
nunca chegarei a saber,
se foi o destino em sorte,
ou a sorte de te conhecer;
Meu amor, tanto prazer,
me deste no nosso lar,
valeu a pena viver,
para sempre te recordar.



(COMPUS ESTE POEMA EM 2009 E OFERECI-LHO COM DEDICATÓRIA)



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