sábado, 2 de abril de 2011

Ó PÁ, VAI LÁ... VÁ LÁ!





 Era meio-dia, deste sábado meio nublado e divido entre o cinzento meio escuro e claro desta primavera, quando o meu telefone tocou. Era um meu amigo.
-Está?...Quintans?
-Sim…
-Ó pá, devias vir agora aqui ao Terreiro da Erva e veres o fluxo de visitantes. É incrível, pá! Está aqui imensa gente. Isto está a ser um êxito, pá…
-Fico contente, ainda bem… mas porque queres que eu vá aí agora? Passarei à hora do almoço e prometo que darei conta do que se estiver a passar aí com o “Amo-te Pão-de-Ló”…
-Ó pá, mas à hora do almoço é natural que esteja cá pouca gente…
Havias era de vir agora para te aperceberes do imenso público que está aqui.
O teu blogue é muito lido, e escreveste aquele texto a dizer que o Terreiro da Erva não era um sítio apropriado.
-Está bem. Dentro de um quarto de hora eu dou aí uma saltada, tiro fotografias e dou conta aqui no blogue do que se estiver a passar.
E lá fui eu, na pele de jornalista do contraditório, embora não deixando de ser juiz em causa própria. O relógio marcava 12h25.
A tenda montada previamente para a realização deste evento realizado pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, e pela ACIP, Associação Industrial de Panificação, estava composta com algumas dezenas de pessoas dentro do seu espaço. Algumas sentadas, creio, assistiam certamente a uma projecção e palestra sobre doçaria.
Não posso dizer que, pelo número de presentes, estivesse a abarrotar, mas estava realmente bem composta.

UM  POUCO DE HISTÓRIA ACERCA DO TERREIRO DA ERVA

  Há muitas décadas que este terreiro é uma espécie de buraco negro no universo da cidade. Por volta de 1990, nesta altura, em metáfora, era uma espécie de estuário onde confluíam todas as classes média-baixa. Para além de à sua volta morar todo o operariado, sempre teve um estigma acoplado: o da prostituição. A razão é histórica. Até à década de 1950, até Salazar ilegalizar esta prática, era aqui neste terreiro e na Rua Direita –esta artéria era considerada o canal que confluía no estuário- que se encontravam as “casas de meninas”.
  Passando esta mácula, até finais do século XX foi uma zona mais ou menos frequentada por passantes de várias estirpes. Havia vários estabelecimentos comerciais a emoldurar toda a praça e que contribuíam para a revivificação desta zona secular. Ali poderia encontrar-se uma média superfície de transformação de vidro em que trabalhavam cerca de trinta operários. Hoje, como toda a actividade industrial e comercial, arrasta-se com três ou quatro pessoas até ao dia do juízo final.
Mais ao lado, na Rua do Carmo, havia vários estabelecimentos. Hoje estão quase todos encerrados.
Dentro do espaço territorial do largo havia várias barbearias. Hoje há apenas uma. Havia também vários estabelecimentos ligados a automóveis, com venda de baterias e peças. Hoje há apenas um que, com quase uma dezena de funcionários –por impossibilidade de rescindir os seus contratos antigos-, tal como todo o sector, mareia num mar encapelado de dificuldades.
Havia uma grande casa de móveis. Hoje encerrada. Havia também uma grande oficina de mecânica de motas. Hoje o seu espaço está decrépito e a rasgar a memória.
Havia vários estabelecimentos de venda e arranjo mecânico de electrodomésticos. Hoje apenas um resiste e lutando contra esta maré negra de insolvências.
Ali ao lado, na Rua do Moreno, estava o Rancho de Coimbra, uma das últimas centenárias grandes colectividades e em cujos bailaricos dançou meia cidade. Hoje está encerrado e a servir de balneário.
Bem no centro do Terreiro da Erva estava a fábrica de louça antiga “Viúva Alfredo Oliveira”, herdeira do estilo visionário e criativo de Domingos Vandelli (1735-1816), um lente da Universidade de Coimbra, que andou por cá no século XVIII e, para além de fundar o Jardim Botânico, projectou internacionalmente a faiança e a porcelana de Coimbra, ali com fábrica junto ao Convento de São Francisco, na margem esquerda.
Não sei ao certo mas, nesta década de 1990, a fábrica “Viúva Alfredo de Oliveira teria a trabalhar, entre pintores, oleiros e forneiros, talvez mais de uma vintena de operários. Hoje, há vários anos, jaz encerrada e a simbolizar a caduca arqueologia industrial. Pelo que li, tem um projecto aprovado com verbas do QREN para revitalizar a velha fábrica e, com antigos operários a trabalhar ao vivo. Será uma nova valência direccionada para o turismo.
Com o lançamento do projecto metro de superfície, em 1996, em que começaram as negociações com os residentes desta área e enviando-os para a periferia, com o esvaziamento, todo este grande quarteirão foi-se tornando um cemitério de vivos-mortos. Progressivamente, tal como muitos cafés, também outros estabelecimentos foram encerrando. Para piorar, no final de 1990 foi construído um edifício da Caritas para apoio a tóxico-dependentes. Também a Segurança Social veio a estabelecer ali valências de apoio. Resultado: com cada vez menos residentes, com cada vez menos estabelecimentos, o Terreiro da Erva transformou-se numa espécie de terra de “leprosos”. Para quem passa ali, inevitavelmente pela pouca circulação de pessoas, salientam-se os mal-encarados.
As demolições pelo canal do metro em 2006 mandaram a machada final nesta terra de ninguém.
Hoje, como farol no oceano de desilusão local, quem se vai aguentando e projectando os seus raios de luz de contribuição anímica, são algumas pequenas tabernas e os restaurantes na zona, como o Espanhol e o Cantinho dos Reis.

E O QUE PENSAM OS COMERCIANTES DESTA ZONA?

 Na quinta-feira, dia da inauguração, fui lá à noite. Estava com bom aspecto. Deu para ver que esta e outras futuras realizações alegóricas no Terreiro da Erva são muito bem vistas por quem ganha a vida neste espaço. O senhor Reis, proprietário do restaurante Cantinho dos Reis, não tinha mãos a medir no seu sentido de utilidade e prestabilidade. Dirigindo-se a quem estava a trabalhar dentro da tenda de exposição, ouvia-se: “precisam de alguma coisa? Está tudo a correr bem? Contem comigo para o que for preciso!”. Embora sem o interrogar acerca do que pensava deste evento nesta praça, deu para ver que estaria contente. Ele sabe que festas como estas são o único meio possível de revitalizar esta zona decrépita.
Para uma outra empresária ligada a uma grande casa de vidros, “é bom haver iniciativas como esta. É a única forma de não se tornarem tão notados os toxicodependentes e sem-abrigo que pululam à volta. Embora não tenha havido um movimento extraordinário, está a ser muito bom. Ontem e hoje estiveram aqui muitos alunos de escolas”.

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