quinta-feira, 21 de abril de 2011

A LIÇÃO DE VIDA QUE OS NOSSOS PAIS NOS LEGARAM





 Segundo um porta-voz do Governo, esta ponte da Páscoa foi concedida por questões de tradição. A fazer fé no Jornal de Notícias, uma tarde custa 20 milhões de euros ao país.
Começo pelo argumento do Governo, ao referir a tradição como responsável pelo decreto de autorização. Há tradições e tradições, há e ir e voltar. Até 1867 era tradição condenar à morte os criminosos. Até à Constituição da República de 1976 o homem era o chefe de família e a mulher, por exemplo, para se ausentar para o estrangeiro apenas o poderia fazer com consentimento expresso deste. Os touros de morte em Portugal são tradição autorizada para alguns, no caso de Barrancos. Para outros, no caso de Monzaraz –que, apesar disso, continua a desafiar a lei-, já é proibida.
Há uma dezena de anos a maioria de nós, nesta altura de mini férias da Páscoa, teria possibilidades de ir passar o fim-de-semana fora. Agora não. Antigamente, e não há muitos anos, era costume as mulheres levarem cada enxerto dos maridos que até metia dó, agora, felizmente,  acabou-se, como quem diz, com esta e outras tradições.
O que quero dizer é que, num momento tão crítico como este que estamos a viver, apoiar que o país pare durante quatro dias avocando a tradição, é qualquer coisa que ultrapassa a razoabilidade. É um convite à despesa supérflua e sem rentabilidade para a nação. É um mau exemplo de anti-cidadania que, neste acto, se continua a mostrar a todos. É um convite gratuito a incentivar para não trabalhar.
Não admira que os emissários da “troika”, FMI, BCE e UE, se admirem desta nossa forma de estar na vida. É lógico que não se pode continuar a querer distribuir o que não há. Produzindo pouco e sendo pobres como é que poderemos continuar a levar uma vida de ricos? Cada vez que penso nisto, inevitavelmente, lembro-me do meu pai. Pode até parecer muito “comezinho”, mas não posso deixar de referir certas memórias que tenho armazenado na mente.
O meu gerador, durante toda a sua vida, nunca saiu de Portugal. E do país, enquanto vivo, conheceu muito pouco. Estou em crer que nunca teria ido a Lisboa e muito menos ao Algarve. O meu pai, que faleceu em 1998, teve um único fato de cerimónias que lhe durou mais de 30 anos e durante toda a sua vida. Era um casaco e calça castanhos que serviam para ir aos poucos casamentos, a alguns funerais e, de quando em vez, a uma excursão à Santa Maria Adelaide.
Lembro-me que o único transporte que teve, para além de um carro puxado por um boi, foi uma bicicleta de marca “Albata”, de travões de alavanca, e pesada que nem um burro. Os meu pais, agricultores muitos pobres, trabalhavam todos os dias, incluindo sábados e domingos. Enquanto criança e mesmo até adolescente nunca entendi este procedimento, sobretudo porque nas datas importantes para mim, como o dia da comunhão solene por exemplo, nunca lá estiveram. Nunca me lembro de ver o meu pai, apesar de beber umas boas “copadas” de tinto, na taberna a beber umas cervejas. Nunca me lembro de ver ninguém bater à porta para receber uma dívida. Não me deixou grandes coisas materiais, mas deixou essencialmente duas mensagens importantes, e que, apesar de nunca lhe dar razão em vida, sempre as guardei gravadas a ferros na minha mente: “a palavra vale mais do que o dinheiro!” e “quem não tem dinheiro não tem vícios!”.
Considero que no tocante à segunda proposição estava errado. Ou seja, estava parcialmente errado… não de todo. Porque é que digo isto? Porque passei a vida a atirar-me à luta da vida… sem dinheiro. Se tivesse levado o seu conselho a peito não teria nada. No entanto, mesmo assim, se hoje pudesse voltar atrás, teria feito tudo de modo diferente. Não tanto como fiz, mas, se calhar, muito próximo do que era defendido em tese por ele.
Nos dias que correm, olhando à volta, vendo que uns mais e outros menos -carregados de tralha de todos os géneros e que não sabemos o que lhe haveremos de fazer-, todos estamos endividados, verifico que o meu pai, talvez para a sua época, estava carregado de razão.
Os nossos progenitores deixaram-nos uma grande lição. E o curioso é que, se atentarmos bem, parece uma vingança servida a frio.

3 comentários:

Nuno disse...

Apesar de ter sido decretada tolerância de ponto para hoje à tarde, não quer dizer que todos tenham tido direito a ela. Dou como exemplo a Câmara Municipal da Lousã, que tem todos os serviços a funcionar normalmente.

Jorge Neves disse...

Eu estou à-vontade para falar ou melhor escrever porque até sou funcionário da administração central, não desfrutei da tarde de hoje porque infelizmente estou de assistência à família para acompanhar a minha mãe que é doente oncológica.
Mas nada tenho contra a tolerância de ponto, aliás o comércio tradicional só tem a ganhar com está tolerância, quer queiram quer não são os funcionários públicos que movimentam a economia do país.
Se as entidades responsáveis pelo comércio tivessem um olhar mais abrangente, teriam aproveitado os muitos espanhóis que andavam hoje na baixa e os funcionários públicos que não trabalharam e presenteava-os com alguma animação de rua, com uma campanha de promocional.
Isto digo eu que sou funcionário público, que faço compras na baixa e não sou comerciante.

Anónimo disse...

Ó Sr. Jorge Neves, essa dos espanhóis, só pode ser para os apanhados. Lá vai o tempo, em que eles movimentavam o Comércio tradicional. Hoje infelizmente, só dá para os Hotéis, Residenciais e Restauração.
Quanto aos funcionários públicos, esqueça, porque lá vai o tempo em que de facto era verdade a sua afluência á Baixa. Não sabe que a maioria dos funcionários públicos, fazem parte da Juventude á Rasca.
Não sei se o Sr. se encontra incluido nesses funcionários públicos.