segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

UM HABITUS QUE SE ENTRANHA NA BAIXA





 O pronto-a-vestir Habitus, na Rua Visconde da Luz, encerrou hoje. Segundo se consta, devido à elevada renda praticada. Durante cerca de um ano esta nova gerência resistiu até onde pode. Ou seja, sem pompa e sem glória, este estabelecimento teve um fim triste e igual a outros da Baixa.
O Habitus, com esta denominação, está implantado no Centro Histórico de Coimbra há cerca de vinte anos. Tal como outros, o seu criador original, começou a apostar em centros comerciais e acabou, alegadamente, por perder quase tudo. A sua história, como noutros casos, é em todo semelhante. É evidente que não se pode, nem deve, condenar quem procura um mundo melhor. O problema é que este “Eldourado”, para estas pessoas, foi fatal.
Alguns ainda vão resistindo nas grandes áreas comerciais. Embora, nos últimos tempos, têm vindo declaradamente a optar por estes modernos espaços em detrimento das suas lojas de rua. Algumas delas, mesmo sendo proprietários destes espaços, constata-se o seu definitivo encerramento. Muitas destas têm afixado o letreiro "arrenda-se", outras, pura e simplesmente, permanecem “empapeladas” há mais de uma ano e sem que, aparentemente, haja vontade de as ceder a outros. Basta dar uma volta na Rua Ferreira Borges e também noutras artérias mais estreitas da cidade.
Para além destes, de que escrevo e ainda em actividade nas grandes áreas comerciais, alguns outros faliram neste decénio, o que nos leva a concluir que a troca do centro comercial de rua pelo centro comercial de condomínio fechado não teria sido uma boa opção para a maioria de investidores.
Não é fácil chegar à fala com estas pessoas, o que é uma pena, porque a sua experiência descrita teria sido fundamental.
Uma coisa é certa: nos próximos tempos muitos mais comércios irão encerrar sem apelo nem agravo. Já muito escrevi sobre este assunto e apontando directamente algumas causas que implicam a sua morte, no entanto, não se pode deixar de referir de que a Baixa tem demasiados estabelecimentos comerciais para a procura que suscita no momento em que escrevo. O que quero dizer é que, tirando quase uma centena que fecharam nos últimos anos, mesmo assim, actualmente com cerca de seiscentos em laboração, serão demasiados. É fácil de ver as razões, mas, num entendimento meramente subjectivo, vou, outra vez, enumerá-las:

1-Esta zona comercial tem os mesmos estabelecimentos antigos que fizeram história durante todo o século XX até 1990 e quando era o centro do Centro de todo o comércio do distrito. A partir desta data, resultado do crédito barato, muitos prédios foram demolidos e no rés-do-chão, inevitavelmente, em vez de garagens, nasceram mais lojas comerciais;

2-A partir de 1990, quando abriram as duas grandes superfícies Makro e Continente, e quando começou a democratização do comércio, isto é, em todas as vilas nasceram negócios de todos os ramos de modo a que os seus residentes deixassem de ter necessidade de se deslocar à grande cidade para comprar, a Baixa, em densidade comercial relativo a espaços, continuou a crescer. Ou seja, quando a procura começou a diminuir drasticamente a oferta continuou a aumentar desmesuradamente até sensivelmente 2002;

3- Como eucaliptos que paulatinamente vão secando tudo à sua volta, as recentes e emergentes grandes superfícies, mal nasceram, começaram por matar todas as pequenas mercearias. A seguir foram as lojas de electrodomésticos e de música. Depois foram todas as lojas de artigos desportivos. Na mesma onda foram as peixarias. Rebentaram com todos os bazares e lojas de brinquedos. Mataram todas as lojas de móveis;

4-Não tenhamos dúvida nenhuma que neste momento estão a estancar completamente as livrarias independentes que ainda vão resistindo. Irá chegar a altura de que terão de encerrar.
As perfumarias, tal como as anteriores, estão a ser sugadas devagarinho da zona da Baixa até desaparecerem completamente.
Os estabelecimentos de artigos decorativos estão na fila, também pela concorrência de lojas chinesas.
As poucas lojas de máquinas e ferramentas, aos poucos, estão a desaparecer desta zona velha.
As lojas de pronto-a-vestir têm os dias contados. É fácil de ver porquê. Hoje, em quase todos os estabelecimentos, tudo o que se vende é “made in China”. Ora é fácil de constatar que os grandes grupos de comércio, com políticas de terra queimada, com preços abaixo de custo, em “dumping”, asfixiam qualquer loja independente. Poucas restarão neste genocídio planeado ao pormenor;

5-A meu ver os artigos de sapataria, apesar de serem cilindrados nos preços, conseguem aguentar-se no Centro Histórico, embora, claramente, metade das lojas existentes terão de mudar de ramo. Há sapatarias a mais para tão pouca procura;

6-Então surge a interrogação: o que é que se aguentará no futuro que é já amanhã?
No próximo futuro poucos sobreviverão. Alguns deles serão as Lojas de chineses, que continuarão a inflacionar as rendas e a ocupar os espaços vazios que vão claudicando.
Conseguirão aguentar os ramos que não tiverem concorrência directa com as grandes superfícies.
Resistirão as pequenas lojas do tipo de ferragens e que vendem um pouco de tudo, desde o parafuso ao ferro de engomar. Continuam de pé muito por obra e graça dos poucos moradores que, sem poder de locomoção, continuam a abastecer-se aqui;

7-Por inerência, pela pouca frequência de pessoas, a hotelaria actual vai falir em massa. Vai assistir-se ao resguardo turístico. Isto é, quem tiver rendas baixas –pelo menos até à reavaliação do Regime de Arrendamento Urbano- e for dono do seu próprio espaço, tal como nas praias, irá apenas abrir de Junho até Setembro. Os restantes meses, porque não dá para a despesa, estarão encerrados. O Outono e o inverno serão tempos de escuridão no Centro Histórico;

8-E será sempre assim? Isto é, estarão estas zonas condenadas a transformar-se em “guetos”?
Não. Tenho a certeza de que não. Num futuro a vários anos –e que poderá ser encurtado pelo aumento brutal dos combustíveis-, quando o costume virar, os centros históricos voltarão a ser novamente o motor económico das cidades –jamais como as décadas até 1990, mas, com novos residentes a ocuparem todos os locados, voltarão a ser o centro nevrálgico, o coração a pulsar da polis.
As grandes catedrais de consumo, pelo abandono progressivo dos consumidores, motivado pela mudança de hábitos, tranformar-se-ão nas novas “fábricas” abandonadas do futuro, tal-qualmente como grandes estruturas industriais que grassam decrépitas pelo país. No entanto, iremos assistir a um fenómeno curioso: a morte destas megasuperfícies irá constituir o renascimento da Fénix deste e de outros centros históricos. Como o costume se alterou as multinacionais irão apostar fortemente nas baixas das cidades. É muito provável que, nos próximos tempos, comecem a ser adquiridos quarteirões inteiros e, nessa altura, voltem a aparecer “os grandes armazéns” do final do século XIX;

9-Alegrem-se, quem chegou até aqui, porque eu, em presciência, na adivinhação, sou um fracasso completo. Portanto, em síntese, este discurso pessimista e fatalista não deve ser de modo algum levado a sério. Entendam isto apenas como alguém, um lunático, que não tinha mesmo nada para fazer e então, na esperança de acertar em qualquer coisa, pôs-se a tentar adivinhar. Um falhanço completo, digo eu, juiz em causa própria.

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