quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A MEGALOMANIA DO INTERIOR

(IMAGEM DA WEB)



 Ontem, em todos jornais nacionais, Mangualde foi notícia: vai ter uma praia com água salgada e areia. Mais ainda, segundo consta, será a segunda no mundo. A primeira está sediada no Japão.
Segundo o Diário de Coimbra (DC), a ideia, num investimento de um milhão de euros, “é ter a funcionar, entre 15 de Junho e 15 de Setembro, uma praia artificial com 6.500 toneladas de areia e 945 mil litros de água salgada, que terá como fundo uma simulação da linha do horizonte através de uma tela em impressão digital com 65 por cinco metros”.
Continuando a citar o DC, “Para o presidente da Câmara de Mangualde, João Nuno Azevedo, o evento é diferenciador e “coloca Mangualde no centro das atenções do verão”.
Não sei se o leitor, ao ler esta notícia ontem, se se teria questionado. Há várias razões para nos interrogarmos. A primeira começa logo se um investimento destes em tempo de contenção orçamental fará algum sentido. Ou seja, numa época em que a todos são pedidos sacrifícios esta autarquia, à revelia da matriz imposta, decide mostrar e ser o centro de atenções. Mais ainda, sabendo todos que a generalidade, em maioria, das câmaras estão todas endividadas, será este um bom caminho no sentido da capitalização de dividendos para o desenvolvimento de uma zona económica difícil? Não conhecemos o balanço desta Câmara de Mangualde, mas sabemos que o dinheiro que vai ser “investido” sai directamente do Orçamento Geral do Estado, logo de todos nós.
Coloquei “investido” entre comas porque, sejamos frios no raciocínio, será este um projecto de investimento sério? Gastar um milhão de euros na construção de uma praia artificial que irá funcionar durante três meses será plano de gente com cabeça? Para mais tendo em conta que o nosso clima temperado é cada vez mais instável e que os projectados três meses poderão ser muito menos, se houver chuva e frio? Mais ainda, fará sentido construir uma praia artificial quando se está a cerca de 100 quilómetros de uma praia natural como é a Figueira da Foz?
Não é o primeiro caso de, através de passe de mágica, tentar fazer do interior o centro de qualquer coisa, nem que seja da idiotice. Castanheira de Pêra já o tentou há uns anos com a construção da sua praia fluvial. Fui lá uma vez, estava bonito sem dúvida, mas não voltei mais. Isto é, tenho a certeza de que o pioneirismo do então executivo de Castanheira não me seduziu para lá voltar outra vez. Valeu aquele investimento todo? Duvido. Posso estar enganado? Posso sim, senhor!
Uma coisa, para mim, ninguém me tira: estes investimentos monstruosos são fogachos de vista, só para dar no olho a nível político e partidário. Na prática não traz nada de novo e não acrescenta nada a estas zonas desertificadas do país. Se estes autarcas investissem este dinheiro na fixação de residentes até se entendia, agora a construir nuvens de fumo colorido que depois do verão desaparecem completamente, quanto a mim, não faz o mínimo sentido. Bem sei que não é fácil namorar pessoas para saírem do litoral e irem morar para o interior, sobretudo numa época em que não há empregos, mas investimentos de três meses também não será a solução. Alguém decidirá trocar o litoral por uma zona recôndita do país por um emprego sazonal? Será este tipo de investimentos que interessa ao seu desenvolvimento?
É evidente que poderemos sempre questionar o que, perante a falta de políticas integradas governamentais, o que poderá fazer um presidente de uma autarquia do centro do país? Num tempo em que a nível público se fecham escolas primárias, centros de saúde, linhas de caminho-de-ferro, deixa de se apoiar o artesanato e se combate com exigências absurdas a produção de produtos endógenos? E  do ponto de vista privado encerram fábricas, lojas comerciais, se destruiu praticamente a agricultura de subsistência, ao acabar com as feiras de gado e com a sua forma de rentabilizar o esforço da terra? Bem no fundo, sendo justos, até somos obrigados a compreender as loucuras destes edis. Mas só compreender. Nada de os deixar levar as suas ideias loucas à frente. O problema é, como? Se as autarquias, para além de orçamentos próprios, são independentes do ponto de vista financeiro e do poder decisório? Quem é que pode parar estas loucuras?


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