sábado, 18 de dezembro de 2010

UMA VOZ NO SILÊNCIO DO NATAL




 “Eles comem tudo, eles comem tudo e não deixam nada”, “the voice”, a voz aveludada, bem timbrada e encorpada ecoava esta tarde pela rua da calçada.
É o João Torres. É natural de Coimbra, “mas isto por aqui dá pouco”, diz-me a começar a conversa. “Sempre trabalhei por cá com crianças deficientes, autistas e paralisia cerebral, mas as associações abusam dos técnicos. Só querem meter dinheiro ao bolso e estão a marimbar-se para as crianças e para quem se esforça em trabalhar com elas. Acabei por tentar a sorte em Espanha. Por lá não tem nada a ver com os métodos empregues aqui. Lá nós somos respeitados e o primado, o objecto do trabalho, são as crianças. Tudo o que é feito é de coração. Gosto muito de trabalhar em Espanha, mas sabe, de tempos a tempos, de vez em quando toca aqui no peito uma saudade –e leva a mão ao coração- e tenho de regressar à cidade-berço. Mas aquilo lá não tem nada a ver com isto aqui, repete. É um povo mais desenvolvido.
Vou estar por aqui algum tempo, pelo menos até passar o Natal. Aproveito para tocar umas músicas de “Zeca” Afonso…gosto muito das canções dele, e sempre vou ganhando uns trocos.
O Encarnação (o ex-presidente da Câmara municipal) não pode comigo. Primeiro, porque toco estas músicas do Zeca, segundo, eu sou um cidadão participante na vida pública…e eles não gostam de pessoas como eu. Entende? Passam a vida a apelar para que nós participemos na cidadania, mas, depois, quando exercemos esse múnus, colocam-nos de lado e passam a olhar para nós como se fôssemos inimigos.
Eu sou assim, vou uma vez às casas de banho públicas do Parque Verde, não têm papel e está tudo que parece uma esterqueira. Vou lá no dia seguinte, a mesma coisa. Bolas, penso cá para mim, tenho de fazer alguma coisa, pela minha pessoa e pelos outros. E não sou de modas, vou à Câmara Municipal e faço uma reclamação no Livro. Ora, se por uma única reclamação uma pessoa já é olhada de lado, imagine 20. Eu já fiz umas vinte chamadas de atenção no Livro de Reclamações da autarquia. Nunca me deram resposta –é certo que também estou lá para Espanha e não tenho morada certa cá. Pedi várias vezes para ser recebido pelo presidente Encarnação -ex-presidente, renunciou ontem, não foi? Nunca me recebeu. Mas também não tenho pena. O problema foi dele. Eu só queria falar de assuntos importantes e que, segundo a minha perspectiva, teriam interesse sobre o que vejo por aqui e ninguém liga, mas deixe lá, também não me importo.
Sou uma pessoa livre. Tenho dificuldades, lá isso tenho, mas não dependo dos políticos para viver. Não recebo nada de ninguém…nem isso do RSI, Rendimento Social de Inserção.
Tenho uma carrinha grande e vivo com o que tenho. É a minha casa. É lá que percorro o presente em busca do futuro.
Acredito que um dia vou dar a volta por cima. Ainda um dia hei-de dar uma grande chapada ao Estado”.
 Declaração de João Torres, um cantor que vale a pena ouvir. Se o encontrar nas Ruas Ferreira Borges/Visconde da Luz…PARE, ESCUTE e OLHE.
PARE, para apreciar o quanto o João concorre para uma atmosfera musical na rua. 
ESCUTE, porque vale a pena ouvi-lo.
OLHE, porque o João é pessoa e, como todos nós, precisa de se sentir notado e reconhecido. Já agora, vá lá, contribua para que ele possa continuar a viver a sua vida, e dê-lhe uma moeda. Um bom Natal para o João Torres.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostaria de deixar um grande e forte abraço ao Blog. Aproveito para agradecer às palavras aqui escritas, e não exitem em fazer uma visita pelas manhãs da baixa de Coimbra para dar dois dedos de conversa.
Gostaria também de fazer um apelo, sorriam, sorriam como se tivessem acabado de nascer. Sorriam com um sorriso igual ao sorriso permanente do Sr. Luís Fernandes.
"Olha o sol que vai nascendo, anda ver o mar. Os meninos vão correndo, ver o sol chegar"

João Torres.