sábado, 13 de novembro de 2010

O MAGUSTO (DESCONSOLADO) VISTO PELO "OLHO DE LINCE"




 Estava eu ontem a tentar consolar o meu Silvano –é o meu burrico, assim um pouco para o escanzelado, não sei se já o teriam visto por aí-, que não são só os homens que são propensos a crises de identidade, as bestas também. Então ontem foi de mais, a animália estava deprimida de todo. Eu bem lhe passava a mão pelo lombo, mas qual quê? Não havia carinhos que a reanimassem. Eu até entendo, é lógico. Já tem uma certa idade. Até há pouco tempo viveu desafogadamente no curral dos fundos do quintal. Palha nunca lhe faltou. Tinha um tratador sempre de serviço aos seus mais elementares caprichos. Ele fazia-lhe a cama, ele comprava-lhe uns sapatos novos sempre que precisasse. Arranjava-lhe as unhas. Nas horas vagas, sempre que era possível, o senhor Alfredo –era o nome do seu “personal trainer”-, dava-lhe lições de educação sexual, levando lá a “Marisol”, que faz serviços ao domicílio e tem a sede na Escola Agrícola. Às vezes até lhe dava lições de bom comportamento. O senhor Alfredo estava sempre a mandar-lhe baixar as orelhas.
É claro, há uns anos a esta parte, fui apanhado por este cataclismo da crise, comecei a cortar, cortar, e confesso –cá para nós, espero que não passe daqui-, se não fosse a ligação familiar que me liga à besta, várias vezes pensei em mandar lá o Alberto “açougueiro” e desmanchá-la em postas. Mas depois, como o asno é protegido, se eu o fizesse ainda ia malhar com o costado na prisão. Então matutei, matutei, lá arranjei uma desculpa para justificar a não acção, e disse para mim: “bolas, a gente protege a família até ao último suspiro!”. E é claro, a cortar, cortei nas externalidades do meu Silvano. E até os fardos de palha “importada” do Alentejo foram trocados por molhos de larica que até mete medo. E quem é que consegue meter naquela cabeça de burro que é preciso mudar? Que as coisas já não são o que eram? Está bem está! Deu-me em ficar deprimido, deprimido, que até fico incomodado. Eu seja ceguinho, às vezes até chora.
Estava eu então a fazer de psicólogo com o jumento, tentando elevar a sua auto-estima, quando tocou o bip do blogue Questões Nacionais. Agora, devido aos cortes da crise, acabámos com as ligações por telemóvel. E não haverá de tardar muito passará para os sinais de fumo. Era o director, o Luís Fernandes. Suponho que não conhecem, e ainda bem, que aquilo é uma remela que não interessa ao menino Jesus. Convocava-me para me apresentar na sede.
Rapidamente peguei o Silvano pela trela e, juntos a pé, seguimos então pelas ruas estreitas. O raio do asnático, creio que um bocado influenciado pelas teorias da CGTP e do Carvalho da Silva, deu em fazer greve. Por isso, só posso contar com a sua presença. E vá lá, vá lá! Por este andar ainda trocamos de posição: ele de bronco passa a esperto e eu de branco passo a besta. Ou seja, se não me puser a pau, ainda tenho de o carregar às costas.
Cheguei então à sede do jornaleco e fui recebido de má-vontade, como sempre, pelo estropício do director. De voz seca e cortante, proclama:
-Ó “Olho de Lince, você amanhã, a partir da hora do almoço, está designado para serviço de “grande reportagem” para aqui para a Baixa. Vai haver um “Mega Magusto promovido pela APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra…
-“Mega Magusto”? Isso é o quê? Vão cair castanhas do céu aos trambolhões, é isso?
-Não desconverse, ó “Olho de Lince”, deixe-se de merdas. Faça o favor de não me enervar…
-O chefe desculpe, mas, se calhar, a sua impaciência deve-se ao facto de não me pagar ordenado há mais de um ano. Às tantas, sente-se culpado, sei lá…
-O quê? Você está doido ó quê? Ainda há cerca de um mês lhe dei 20 euros para você ir cobrir o jantar do Alegre!?
-E isso é alguma coisa, alminha de Deus? Desculpe lá chefe, mas se não me pagar entro em greve já…
-Está bem, pronto, tome lá 5 euros para comer umas castanhas e vá lá…
Cerca das 14 horas, com um tempo parecido com o ânimo do meu asinino, entre o cinzento e o negro retinto, lá estava eu em missão de cobertura ao Centro Histórico.
Cinco ranchos ensaiavam o tom entre o carvão e uma chama que tardava em pequenos grelhadores. Estava um grupo folclórico no Largo do Poço, Junto ao Salão Brazil, outro na Praça 8 de Maio, outro em frente ao Chiado, outro na Praça do Comércio, junto à igreja de São Tiago, e outro na Rua Adelino Veiga, junto ao finado Saul Morgado.
Reparei que as primeiras castanhas que saíram dos grelhadores foram distribuídas, porta-a-porta, aos comerciantes por elementos dos ranchos.
Saliento, no entanto que para um Sábado à tarde, havia muito mais pessoas na rua do que é normal.
Na Rua de Sargento-mor, o João Braga e a trupe da vida airada, numa grande mesa corrida, assavam sardinhas e “barriguinhas” num assador junto ao canto da rua e ofereciam a quem passava.
No Largo do Poço a animação coube a Luís Cortês. Este largo esteve muito bem movimentado e cheio de alegria melodiosa graças à disponibilidade do músico invisual.
O tempo foi passando e as brasas, com a mesma vontade que o PSD deixou passar o Orçamento, lá responderam a contragosto. O problema é que os pequeníssimos assadores não desenvolviam e não davam vazão às solicitações dos transeuntes. Em todos os postos de “quentinhas e boas” havia filas de mais de uma dezena de pessoas. Resultado: começou a faltar castanhas para os comerciantes, que pagaram 5 euros por um fruto que, segundo as palavras descontentes de muitos, só cheiraram. De animação, barulho musical que poderia ter sido propiciado por estes ranchos, nada.
Dizia-me uma comerciante da Rua Adelino Veiga, “isto está mal. Então eu paguei 5 euros e não tenho castanhas nenhumas? Fui ali, junto ao assador, pedir e a senhora ainda me mandou esperar? Eu tenho lá culpa que os assadores sejam pequenos e não desenvolvam? Isto foi mal planeado. Assim, não!”.
Continuei em serviço público de reportagem e parei na Rua das Padeiras. Interroguei um dos mais velhos comerciantes da rua. O que achava do “magusto”? “Mal, muito mal. Sempre pensei que os ranchos iriam dançar e iriam percorrer as ruas da Baixa como de outras vezes. Está bem que estamos sempre a aprender, se calhar, na próxima terá de ser planeado de outra forma, mas isto assim não dá. Aquilo, com aqueles assadores em miniatura e com panelas de barro, pode ser giro mas é para uma dúzia de pessoas, nunca para tanta gente!”.
Continuei para a Rua Eduardo Coelho, aqui, numa sapataria, dois comerciantes blasfemavam contra esta má organização deste evento. “Assim não! Se sabíamos que não ia haver castanhas, nós, individualmente ou colectivamente, tínhamos providenciado para trazer para aqui um grande assador e distribuíamos nós as castanhas. O que nos foi dito é que os ranchos iriam assar as castanhas. Logo partimos do princípio que haveria para toda a gente e não seria preciso envolvermo-nos”.
Mais à frente, outra comerciante, ainda na Rua Eduardo Coelho, quando me viu, tratou logo de se lamentar: “ó “Olho de Lince”, ainda não provei uma castanha, já viu isto? E paguei eu cinco euros?”. Claro que, jornalista é sempre sensível a uma bela mulher na “ternura dos quarenta” e lá fui eu à Praça do Comércio apelar ao Rancho da Palheira que não esquecessem a Rua Eduardo Coelho e a minha bela de cabelos compridos louros e olhos verdes de esperança. Eles cumpriram e lá distribuíram mais castanhas pela antiga Rua dos Sapateiros.
Estava eu na Rua das Padeiras a ver se captava um “boneco” quando quase que fui arrastado por um vento ciclónico. Para além de dar duas voltas sobre o mesmo sentido de rotação, só ouvi “zzzoooooommmm”. Eram as duas funcionárias da APBC, a Carina e a Ana, em grande velocidade, como bombeiras em serviço de emergência. Logo que me recompus do choque, depois de beber uma “jeropiguinha” na Sapataria Pessoa, fui atrás delas. Já só as apanhei no Largo Paço do Conde, onde tentavam, a todo o custo, amainar o descontentamento de alguns comerciantes mais afoitos.
E o que pensa Armindo Gaspar, presidente da APBC, acerca do “Mega Magusto”?
“Tenho noção que as coisas ficaram aquém do que esperávamos. Se voltarmos a fazer o mesmo, é evidente, terá de ser de outro modo. Admito que não correu como estávamos à espera. O problema é quando tentamos fazer omeletas sem ovos dão nisto. É preciso que as pessoas saibam que a APBC não tem dinheiro. É preciso que as pessoas saibam que os cinco euros que pagaram foram para as despesas com publicidade em cartazes e para comprar castanhas. Nós não ganhámos nada com isto. Não metemos dinheiro ao bolso. Ou melhor, o que ganhámos foi que o nosso objectivo foi cumprido: hoje tivemos muito mais gente na Baixa!”, enfatiza Armindo Gaspar.
Eu não gosto de pedinchar, mas, olhando para o ar pindérico e escanzelado do meu Silvano, tive mesmo de ultrapassar alguns princípios. Afinal, verdadeiramente, não tenhamos ilusões, só tem princípios que os pode ter, é ou não verdade? Enchi o peito de ar e atirei: “ó Armindo, como deveriam ter crescido tantos sacos de castanhas, não me arranjas um para dar à minha pileca?”

1 comentário:

Jorge Neves disse...

Na parte da manhã dei a minha volta pelas ruas da baixa e os comentário que ouvi de alguns comerciantes acerca da sua participação no magusto são de lamentar, depois queixam-se que o comercio está de rastos.