segunda-feira, 18 de outubro de 2010

MISÉRIA: UM QUADRO RECORRENTE

(IMAGEM DA WEB)





 A mulher, alta, magra, de cerca de 30 anos, de aspecto relativamente cuidado, transpõe a porta da pequena loja de velharias empurrando um triciclo com um bebé de mais ou menos um ano. Traz consigo um pequeno saco. Encosta o carro com a criança e dirige-se ao dono do estabelecimento: “disseram-me que aqui compram coisas”. E abre o pequeno saco de papel já muito usado noutras viagens. Lá dentro, seis pequenos livros de romance em formato de bolso e uma pequena caixa, tipo guarda-jóias, com uma argola de prata, com a inscrição “Bebé” e um pequeno anjo de asas abertas também de prata. Certamente oferta do baptizado do pequeno rebento, que, olhando fixamente os dois, um pouco corado, assistia a esta cena.
A sua voz é frágil e vacilante. Tudo indica, no seu titubear, que há um receio impresso, como se adivinhasse antecipadamente o que vai ouvir. Como se, por calcorrear outras tantas portas batidas, já conhecesse a resposta de cor e salteado.
E a resposta do comerciante, já repetida nesta manhã, cerca de meia-dúzia de vezes, saiu inexorável. Inevitavelmente, foi igual à de tantas outras já conhecidas pela mulher: “não posso comprar. As coisas estão más. Lamento!”.
E ali, naquela pequena loja, a mulher como se estivesse em fim de tempo, grávida de tanta negação e insensibilidade, como se ali mesmo tivesse rebentado o saco das águas, leva uma mão aberta aos olhos, como envergonhada da sua indefesa, e chora copiosamente. As lágrimas, como paridas de uma situação incongruente e filhas de pai incógnito mas conhecido de vista, como pingos de chuva deslizando pela montanha, escorrem sem controlo pelo rosto da jovem mulher.
-Desculpe…desculpe! Não sei o que fazer! Tenho o meu filho a arder em febre e não tenho dinheiro para comprar um medicamento que possa atenuar a sua temperatura febril.
O meu marido batia-me e tive de sair de casa. A Caritas arranjou-me uma habitação…estou a pagar 70 euros. De subsídio de apoio à pobreza, recebo 220 euros. Mal dá para eu comer e comprar fraldas ao bebé. Tenho recebido ajuda do Banco Alimentar e da Caritas, mas não há sempre. Eu queria trabalhar, mas a única coisa que me aparece é para a hotelaria. Tenho de trabalhar à noite. E quem me fica com o bebé? Já contactei uma senhora para me ficar com ele, mas ela quer 150 euros. Ora diga-me, se eu vou ganhar 450 euros, como é que posso?
Há dias fui falar com o padre lá da minha zona, a pedir auxílio. Olhou para mim, mirou-me de alto a baixo, e talvez porque me visse limpa e arranjada, disse-me que fosse trabalhar. Trabalhar para onde? Olhe, eu sou católica, mas perante a atitude daquele padre, questionei o que ando a fazer na minha crença.
Já fui falar várias vezes com a assistente social da minha zona. Diz para eu rezar. Rezar como? Eu e o meu bebé alimentamo-nos de orações?
Ainda ontem, ia eu com o meu filho ali na rua e uma cigana romena, dessas que andam por aí a vender pensos, foi atrás de mim a pedir-me uma moeda. Saberia ela que eu, se calhar, preciso muito mais? Saberia ela que chego a passar fome?
Sou ali da zona de Aveiro. A minha mãe mora lá. De vez em quando telefona-me a saber como é que estou. Digo que estou bem. Se eu lhe disser que estou a passar fome é mais uma preocupação que lhe vou dar. Não posso fazer isso!
Desculpe estar a contar-lhe isto, mas preciso de desabafar. Peço muita desculpa! E as lágrimas continuam a correr-lhe pelo rosto abaixo. Há dias estava tão desesperada que não tinha nada que dar de comer ao meu filho. Entrei naquele supermercado, ali junto à estação, e furtei um iogurte para lhe dar. Já viu? Eu não tinha 20 cêntimos para comprar um simples iogurte. 20 cêntimos…já viu bem? Que vergonha!
Fui apanhada junto à caixa. Chamaram a polícia. Que vergonha! Imagina uma pessoa ser apanhada a furtar um iogurte? Mas que havia de fazer? Veio a PSP. Levei uma rabecada das grandes do polícia. Eu chorava desalmadamente. Custou-me muito! Não sei o que fazer à vida! Se não fosse o meu filho já tinha acabado com tudo isto há muito tempo. Isto é viver? Isto é vida para alguém?
Desculpe…desculpe, eu estar para aqui com esta choradeira toda, mas eu precisava de desabafar…

(HISTÓRIA VERÍDICA, RETIRADA DO QUOTIDIANO)

1 comentário:

Ana "Strobe" Mendes disse...

Infelizmente este tipo de situações são demasiado frequentes no nosso país.
Em vez de darem subsidios miseráveis a esta gente, se lhes arranjassem soluções de trabalho, talvez não houvesse tanta miséria. Talvez esta mulher pudesse pagar os 150euros à ama.
Acho que se faz bem continuar a enfiar a cabeça debaixo de terra, enquanto isso vão-se mostrando estatísticas de desemprego, arranjam-se soluções para os que não querem trabalhar, mas para os que anseiam ter um sustento digno, aí a conversa já é outra!
Há que rezar!