quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O "OLHO DE LINCE" NA CONCHADA


(IMAGEM DA WEB)














 Logo de manhã, assim tipo tiro de canhão, recebemos na nossa redacção do “Questões Nacionais”, pelo nosso correio privado o “YouTube” -não sei se conhecem-, um vídeo da TVI, onde uma advogada de Coimbra afirma que “um bando de delinquentes e criminosos devassaram a minha vida privada”, referindo-se à Conchada.
O nosso director, o Luís Fernandes, calculo, perante aquilo, começou logo a coçar o nariz –suponho que também não o conhecem de lado nenhum, aliás, com toda a franqueza, porque o enxergo todos os dias, ainda bem. Só ganham com esse desconhecimento. Para além de não pagar ao pessoal da redacção –há mais de um ano que os funcionários não recebem ordenado- ainda os trata como escravos. É verdade! Este nosso director Luís Fernandes, sozinho, é pior que um bando de delinquentes e criminosos. Ah…pois, a verdade é mesmo para se dizer! Quero lá saber se ele me demanda em tribunal!
Então, continuando, o Luís Fernandes, manda-me um bip –ainda utilizamos este antigo sinal de chamada porque temos o telefone desligado por falta de pagamento. Eu, perante aquilo, comecei logo a coçar na cabeça e a “monologar” com os meus botões: ”ó diabo, estás lixado, “Olho de Lince”, do director martelada, ou folga seca ou canelada!”.
Apresentei-me rapidamente no gabinete. Ia tão distraído, que até me esqueci de bater à porta, e entrei. Então não é que o cabrão do director estava enrolado com a Rosete “sempre-em-cima”? Já vos falei dela aqui, é a nossa jornalista estagiária, a tempo parcial…boa como ó milho! Ai, “Jasus”, quando penso naquelas saliências –protuberâncias, não sei se estão a ver, estou com as mãos em concha- até fico a transpirar. Para me controlar começo logo a apelar ao meu santantoninho, que me dê um pouco de frescura nesta hora de aflição, caso contrário, até se me pode dar alguma “sulipampa” e “passar-me" para o outro lado.
Então, continuando, como foram apanhados num “flagra”, nem sabiam onde se haviam de meter. O “martelada”, que come tudo com os olhos, só queriam que vissem a figura que ele fazia de calças na mão. A Rosete, coitadinha, ai, dela tive muita pena! Ai isso tive! É um crime apalpar aquela fruta que ainda não estará completamente madura.
Mas o filho da mãe, rapidamente se recompôs, e naquela voz, tipo chicote, não sei se estão a ver, ordena: “ó “Olho de Lince”, você morou na Conchada, não foi? –sem me deixar responder, continua. Então ainda bem! Recebemos uma comunicação de que há por lá um bando de delinquentes e de criminosos à solta que andam a devassar a vida privada, quero que você vá para lá imediatamente. Ah…já agora, como o automóvel da “Grande Reportagem” não tem gasolina, leve o seu jumento. Vá…vá!” –e o remeloso enxota-me com o gesto de abanar a mão.
Fogo, uma pessoa até fica fora de si. Quer dizer, não me paga ordenado, anda a comer a minha Rosete, que é o amor dos meus olhos, e ainda por cima tenho de me fazer transportar em locomoção própria. Fosca-se!
Pronto, tem de ser, tem de ser! Arreei o meu Silvano –é o meu jerico, creio que nunca vos apresentei-, e numa conversa de besta para besta –porque, sinceramente, sou contra todo o tipo de discriminação, e, além disso, gosto de derrubar hierarquias-, disse-lhe, junto a uma das suas enormes orelhas de burro: “ó Silvano, anda daí, vamos dar uma volta até à Conchada. Como sabes, quando eu era ainda adolescente e trabalhava no Mandarim, tive um quarto arrendado na Rua do Alto da Conchada. E, embora fosse por volta de 1966, a verdade é que fiquei a gostar daquela gente. Era tudo pessoal simples e trabalhador. Lembro-me, por exemplo, do senhor Raul, que era engraxador no desaparecido café da praça.
Ora diz-me lá, Silvano, o que teria acontecido àquela boa gente para se transformarem num bando de delinquentes e criminosos, a fazerem lembrar o bando do João Brandão, o “terror das Beiras”, não sei se estás a ver, aquele gajo que assaltava tudo com o beneplácito da Monarquia, e que o Martins de Carvalho, através do jornal “Conimbricense” tanto combateu a apatia laxante, de deixa-correr, do governo monárquico da altura?
Então não é que o raio da alimária entrou logo em convulsões de ansiedade? Como quem diz, por outras palavras, começou aos coices que parecia uma mula? Já vi, às tantas, cheirou-lhe a febra lá para os lados da parte alta da cidade. E lá fomos.
 Entrámos os dois, assim passo ritmado, toc…toc…no Largo da Conchada. É pá, isto está tudo modificado. Já não existe um café com um bilhar, que até se me varreu o nome -seria "Apolo"?-, e que eu, por volta de 1966, quando morava na zona, ia para lá ver televisão. Eu e o dono do café tínhamos dois problemas para resolver. Ele precisava que eu consumisse qualquer coisa, eu, que também gostava de o poder fazer, mas infelizmente não podia. Não tinha nem um tostão no bolso. Isto todos-os-dias. Então, à “surrelfa”, entrava no café de bilhar e colocava-me num canto, em pé, para passar despercebido. Pelo menos até ele dar conta. Quando se apercebia de mim, parecendo gozar com a situação, interrogava: “é hoje?”. E eu, de rabo entre as pernas, ia embora a pensar: “um dia destes, quando arranjar dinheiro, vou mesmo tomar um café…vais ver!”.
Um dia, lembro-me, arranjei uma moeda e guardei-a no bolso, destinando-a ao ansiado cafezinho por mim e pelo dono do estabelecimento. À noite, ufano, de "peito-feito", até me sentei numa mesa. Antes do homem, previsivelmente, vir interrogar-me, acenei com a mão e pedi um café. O homem foi tirá-lo na máquina. Instintivamente fui atravessado por um pensamento, “e se eu tivesse perdido a moeda?”, e levei a mão ao bolso: tinha mesmo perdido o pequeno níquel. Levantei-me rapidamente, como se fosse impulsionado por uma mola, virei-me para a rua, comecei a gesticular, dizendo: “já vou…já vou…espera…espera!”. Em passo de corrida, disse ao dono do café: “não me tire o café que o meu amigo está lá fora cheio de pressa. Não pode esperar mais…”.
Por pensar que o proprietário se teria apercebido, nunca mais voltei ao pequeno estabelecimento.
Porque relembro estas memórias hoje aqui? Sei lá! Se calhar esses tempos miseráveis, para formar na educação as pessoas, fazem falta. Talvez se desse mais valor aos vizinhos.
Ah….é verdade…continuo a gostar muito da Conchada. Apesar de terem passado mais de quatro décadas, continuo a ver no rosto de quem cá mora uma humildade de gente simples e trabalhadora.

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