sábado, 24 de julho de 2010

A LOJA DE ANTIGUIDADES




 Se lhe perguntassem a si leitor, de rompante, para definir uma loja de antiguidades o que respondia? De repente vir-lhe-ia à memória a obra-prima de Charles Dickens, mas, por aí, não chegaria lá. Então, tendo em conta que de vez em quando até passa numa feira de velharias, pelo senso comum, tentaria responder. Diria que é um estabelecimento onde se vendem coisas antigas? Diria que vendem lá artigos que você já colocou no caixote do lixo? Não diria que é uma espécie de fábrica de ilusão, onde se transforma lixo em luxo?
E se o interrogassem acerca de quem está vender, do homem ou mulher que anda para lá a saracotear-se, como macaco de galho em galho, no meio de livros empoeirados e objectos que para si não fazem o menor sentido, o que diria? Pegaria novamente num qualquer quadro de memória e, se calhar, começaria por dizer que são pessoas com um ar “atoleimado”, não? Lembrar-se-ia de um qualquer tipo, numa feira de rua, com um grande chapéu, uma grande “bigodaça”, sei lá, talvez vestido todo de preto, quase a parecer um qualquer místico sacerdote?
 Mas, com a recorrência à mnemónica, continua sem conseguir estabelecer um conceito para este tipo de lojas. Sim, porque, numa coisa todos estamos de acordo, não são espaços comerciais iguais aos outros similares de comércio. E ainda outro acordo: quem está à frente destas lojas, para o bem e para o mal, também não são iguais a outros quaisquer vendedores. Têm qualquer coisa que os distingue dos demais. Pode ser simplesmente uma sensibilidade elevada, o sexto sentido apurado, aquela intuição inata que nasce com qualquer mulher. É evidente que, como em todas as profissões, não se poderá generalizar. Haverá sempre excepções.
Uma loja de antiguidades é uma universidade de conhecimento antropológico e comportamental do ser humano. Aqui se pode perfeitamente assistir a muitos clientes quererem comprar uma ferradura para ver se, no futuro, passarão a ter mais sorte. Pedir para consultar o livro de São Cipriano –“que é para uma vizinha. Foi ela que pediu para comprar”-, ficar com ele na mão, a olhá-lo, sem o abrir, e, depois de um conflito de interrogações várias pelos labirintos da superstição, interrogar: “diga-me, é verdade que este livro pode fazer mal, se se levar a sério as suas premonições?”.
Pode contemplar-se uma qualquer pessoa levar na mão uma foto de uma peça, de mobília, por exemplo, e, dirigindo-se ao dono da loja, medindo-o de alto a baixo, começar por interrogar: “aqui avaliam peças antigas? Mas o senhor sabe avaliar? É que a peça que tenho aqui retratada é muito valiosa. É do século XVIII/XIX. O senhor estudou arte? É que já me foi estimado um preço de 200 mil euros…”. O dono da loja, o tal com ar amalucado, assim para o esotérico, olhando para a imagem fotográfica, verifica que aquilo, apesar de velho, terá para aí umas largas décadas. Aquela mobília, aquele monte de lenha, é como uma mulher de oitenta anos: já foi boa, já! Já deu tudo o que tinha a dar. Dali para frente, daquela grande estampa, só se espera trabalho. Mas como é que se vai dizer isto a uma pessoa que está convencida que aquilo que tem lá em casa –o monte de lenha- já está pago e “repago” pela fruição da utilidade? Como é que se consegue fazer compreender que naquela cama de madeira, onde foi concebida toda a prole, apenas representa a emoção para quem com ela conviveu? E a emoção não é mensurável. Como é que se descalça esta bota?
A custo, tentando não ferir a ambição do vendedor particular, o dono da loja lá vai dizendo que quem avaliou, quantificou mal, certamente por desconhecimento. Com jeito, começa por dizer “a senhora desculpe mas o que pretende vender não tem valor comercial. Já teve. Agora é simplesmente um objecto com história mas sem valor transaccionável”. "O quê? –recalcitra o particular, completamente fora de si-, o senhor não percebe nada de antiguidades, está a ouvir? Está a dizer-me que esta minha obra, digna de museu, não vale nada? E mais: não me trate por “senhora”, eu sou licenciada…doutora…está a ouvir-me bem?”. E sai espavorida pela porta fora a expelir mais fumo que um comboio a vapor.
Outras vezes, entra pela porta dentro, de passo ligeiro, uma senhorita com ar de sirigaita, olha à volta, torna a olhar…toc…toc…dá mais uma volta ao pequeno espaço, sem conseguir olhar com olhos de ver, e atira: “aqui só vendem coisas antigas e usadas, não é?”. O dono da loja, o tal de ar metafísico, com ar pardalão, responde: “não senhora, aqui não há só antiguidades e usados. Também há “novidades” e sem uso…que, por acaso, sou eu!”. A mulher olha para o homem dividida, não sabe se há-de fazer cara de cavalo cansado ou de chaimite em primeira-mão. Opta por um sorriso amarelo e responde sem dizer nada: “é que eu não gosto de coisas antigas e usadas…dão-me nojo saber que já foram mexidas por outros. Eu sei lá! Às tantas, ainda vem cá o espírito do primeiro dono aborrecer-me…”





5 comentários:

Sónia da Veiga disse...

A minha ideia de loja d'antiguidades sempre foi um sítio género cruzamento de biblioteca com igreja, a fugir p'ró mausoléu: poeirento, soturno, a cheirar a mofo e em que não se pode sequer espirrar sob pena de danificar algo de valioso.

Ora a "Encanto" não é nada assim: é viva, cheia de côr, bem arejada e, apesar do barulho dos putos não me deixar lembrar se com música de fundo ou não, a voz e a personalidade do dono enchem-na de vida.
E o tal senhor não tem nada de apardalado nem esotérico, que eu bem sei! Que uma pessoa fica apardalada com algumas coisas que ouve, lá isso fica, mas isso acontece em qualquer lado...
Claro que se tem que ter cuidado à mesma para não partir nada de valioso, mas qualquer pessoa desastrada (como eu me assumo) sabe que se tem que ter cuidado para não acabar por pagar algo que não se consegue levar para casa, a não ser com cola, paciência e jeitinho para quebra-cabeças!!!
O único senão desse tipo de lojas é que, nestas alturas de crise, surge muita gente a querer vender os seus tarecos para encaixar algum, mas não se pode só comprar se não se consegue vender...
Mas melhores dias virão! Dias em que o que é moderno e oriental será rechaçado, banido das nossas vivências e apreciaremos algo com história e não facilmente reciclável.
A "Encanto" é um encanto e quem lá nos recebe também, sempre com um "Bom-dia" de sorriso aberto.
[passando a publicidade, obviamente, que eu até nem recebo nada por isto!!! ;) ]

Paula Raposo disse...

Uma delícia este teu texto! Parabéns!
Beijos.

LUIS FERNANDES disse...

Obrigada, Sónia. A menina é uma querida.
Um beijo.

LUIS FERNANDES disse...

Ai Paulinha, a menina é um espanto. Para além de uns olhos de anjo, tem uma alma generosa.
Obrigada mesmo. Um beijo.

Anónimo disse...

vejam esta loja de antiguidades http://www.facebook.com/profile.php?id=100001443701462 , Omnia Ars.



gosto muito!