terça-feira, 15 de junho de 2010

EXIGIR AOS "MEDIA" QUE SE CANTE O FADO...




 Passei no blogue “Denúncia Coimbrã” e fui confrontado com este post: 


Exigimos os “media” a dar atenção à canção de Coimbra”.
Já tem mais de 750 membros no Facebook e nasceu para exigir a visibilidade merecida à Canção de Coimbra.

Esta cidade tem um complexo esquisito de não reconhecer os seus valores. De inferioridade, portanto. É por todas as áreas e nem a Canção de Coimbra escapa ao vírus fungoso enraizado no mofo de uma (velha) Universidade.

Esta cidade não tem garbo* nem respeita as suas valências. Mais, fuzila-as com indiferença violenta e injusta. Atroz e prejudicial. Revoltante, portanto.

A comunicação social tem sido, também, responsável por uma injusta, e estúpida, invisibilidade da Canção de Coimbra. Incluindo o Fado de Coimbra e os restantes géneros musicais contextualizados.

Ultimamente, e depois de duas décadas de pobreza, com algumas desgarradas aqui e ali, além deste grupo no Facebook a blogosfera também tem alguns resistentes que (ainda) lutam por algo justamente merecido

Este grupo criado via Internet por Rui Lopes tem este propósito: “Nos últimos anos a Canção de Coimbra foi completamente ostracizada pelos “media” todos: as TV’s, a Rádio (até a Rádio Universidade de Coimbra, convém não esquecer isso) e os jornais pouco falam do assunto. Há que fazer força para que a Canção de Coimbra tenha o lugar de destaque que merece! Por isso criei este grupo!”.

*garbo (calão militar; sign. Orgulho, vaidade, auto-estima)

Aderi ao grupo do Facebook porque em parte concordo com o teor, no entanto, analisando o texto, há coisas que me geram alguma confusão e que, numa espécie de catarse, purificação emocional, gostava de referir.

1º-Começo por concordar com a classificação de que “esta cidade tem um complexo esquisito de não saber reconhecer os seus valores. De inferioridade, portanto…”.
O que vem a seguir já nem tanto. Há aqui alguma confusão entre a rama e a árvore da floresta. Vamos ler o parágrafo: “É por todas as áreas e nem a Canção de Coimbra escapa ao vírus fungoso enraizado no mofo de uma (velha) Universidade”.

Vamos por partes: deveremos cindir num corpo só a Universidade, enquanto instituição, e a sua associação de estudantes, Associação Académica de Coimbra? É que se assim considerarmos, e partirmos deste pressuposto, o parágrafo está certo. Ou seja: a Universidade (velha) é a germinadora do vírus fungoso de que enferma a Canção de Coimbra.
Acontece que eu não concordo com este pressuposto falacioso. Para mim, a Universidade não pertence ao mesmo corpo de estudantes. São dois corpos distintos: um é a instituição Universidade, com mais de sete séculos (1290), e outro é a Associação Académica de Coimbra, com quase século e meio (1861).
São dois lóbis divergentes. Ainda que, metaforicamente, possam ser considerados vizinhos com objectivos convergentes.
E aqui já posso adiantar que não considero a Universidade a causadora do tal vírus endémico do fado, mas sim a sua “congénere” associação de estudantes.
Vamos recuar um pouco à história do fado ou canção de Coimbra. Onde nasceu? Onde estão as suas raízes? Naturalmente na rua. A sua ascendência é profundamente popular. Leia aqui.
Quem é que vem a apoderar-se completamente desta corrente, embora acrescentando-lhe muita erudição e transformando-a naquilo que conhecemos hoje? Exactamente os estudantes. Para o bem e para o mal. Para o bem, porque, tornando o versejar da Canção Coimbrã mais erudito, obtiveram um produto musical mais requintado e melhor.
Para pior: porque escravizaram a Canção de Coimbra (ou fado). Considerando-a uma coisa sua, elitista, mantendo-a numa quintinha, intramuros, utilizando-a no Estado Novo como arma política, fizeram com que esta não se desenvolvesse e, separada do povo, fosse mirrando aos poucos na cidade.
Pode até argumentar-se que o fado ou canção Coimbrã está muito bem e recomenda-se, porque nos últimos anos, na cidade, surgiram alguns grupos de qualidade. Porém, isso é ver o Sol através da peneira. Nenhum estilo musical de raízes populares, como é o fado de Coimbra, poderá crescer vivamente se não tiver o envolvimento das pessoas da rua como acontece em Lisboa.
Porque razão é que o fado só pode ser cantado por homens? –Lembro aqui há cerca de vinte anos uma polémica sobre a possibilidade de ser cantado por uma mulher, num festival promovido pela Previdência Portuguesa.
 Porque razão é que os instrumentistas e cantores têm de ter uma capa sobre as costas?
Para mim há uma explicação simples: quanto mais se mantiver um produto livre da concorrência, como feudo, mais o seu preço se mantém elevado no mercado. Ou seja, ganha meia-dúzia e perde todo o colectivo.

2º-“A comunicação social tem sido, também, responsável por uma injusta, e estúpida invisibilidade da Canção de Coimbra. Incluindo o Fado de Coimbra e os restantes géneros musicais contextualizados

Ora bem, como ressalva de interesses, eu não sou jornalista. Portanto, nesta questão estou à vontade para o que vou explanar. A comunicação social, tal como o nome indica, só fala do que mexe socialmente. Se em Coimbra, para além das serenatas da Queima e da Latada e mais umas iniciativas no Verão pela câmara municipal, não há um festival de fado ou outra qualquer iniciativa que chame o fado para a ribalta social e que possa contribuir para o seu desenvolvimento e surgir de novos valores, como pode a comunicação falar dela?

Depois aqui, quando se fala de “géneros musicais contextualizados”, está-se a falar de quê? Dos grupos folclóricos, obviamente. Que, com grande esforço financeiro individual, vão mantendo viva a canção popular da região de Coimbra. Certo? Pois! Agora recuemos para a polémica que deu nos últimos oito anos, sobretudo por um certo grupo de intelectuais que só entendem a cultura vista pela bitola deles, contra o anterior vereador da cultura, Mário Nunes, em que era apelidado depreciativamente por “Mário dos ranchos” por apoiar estas pequenas agremiações populares.

3º-“Nos últimos anos a Canção de Coimbra foi completamente ostracizada pelos “media” todos: as TV’s, a Rádio (até a Rádio Universidade de Coimbra, convém não esquecer isso) e os jornais pouco falam do assunto”.

 Já escrevi em cima sobre o facto de a comunicação social não falar de um movimento que está em “morte clínica” na cidade. Só se escreve sobre o que tem impacto, está vivo, e dá no olho.
Quanto á Rádio Universidade, apesar de ser classicista não deixa de ter que ser generalista. Que, se calhar, deveria passar muitos mais conteúdos da Canção de Coimbra, tenho a certeza de que sim. Embora, saliento –porque ouço quando viajo no carro-, não é só o Fado de Coimbra que é ostracizado, é quase toda a música portuguesa. Passa por lá muito pouca. Acho eu, podendo até estar a ser injusto. Mas, infelizmente esta premissa é extensível a todas as rádios portuguesas.

Em resumo, creio que não faz nada mal –antes pelo contrário- chamar a atenção para a Canção de Coimbra. O problema, quanto a mim e com todo o respeito pelo autor da proposta, é que não se deve eleger a comunicação social como a culpada deste situacionismo. Por isso é que escrevi este longo texto. Só para o ler é mesmo preciso pachorra…

Sem comentários: