sexta-feira, 7 de maio de 2010

PERDIDOS...

(FOTO DE LEONARDO BRAGA PINHEIRO)

Pegando no texto do Jorge Neves, que começo por elogiar a sua constante preocupação em criar ideias que possam servir de âncora, ou melhor, de bóia de salvação aos comerciantes da Baixa de Coimbra. No caso em apreço, fala de se criar uma feira de “stoks”, um “outlet”.
Vamos lá ver se consigo fazer-me entender –sim, porque às vezes nem eu próprio me consigo perceber. É assim: por estranho que pareça a ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra –ainda no tempo em que eu por lá passei- tentou fazer uma feira de saldos na Relvinha e teve pouca adesão de comerciantes e de público. Falo, portanto, há cerca de 8 anos. Posteriormente, há cerca de 4, se a memória não me falha, tentou outro certame e a mesma coisa. As pessoas não aderiram.
 Nos últimos anos, uma empresa particular tem feito feiras anuais no estádio “Cidade de Coimbra”. Não sei exactamente com que resultados. Creio que a última foi há dois anos.
 Temos de admitir uma coisa, Coimbra, para o bem e para o mal, não é igual a outra cidade qualquer. Pode achar-se que o que acabei de escrever é “La Palisse”, é óbvio, mas já passo a explicar melhor. Como é que se pode entender que em Cantanhede, a cerca de 15 quilómetros da cidade dos estudantes, tudo funcione bem, neste caso a feira de Stoks e o certame industrial e comercial, a Expofacic, e em Coimbra não? Este é o furúnculo da questão. E não é tão fácil de escarafunchar como isso. Pode até culpar-se a Câmara Municipal de Coimbra, a ACIC, eu sei lá quem mais, mas, quanto a mim, o problema não reside nestas entidades. Eu sei do que escrevo. Eu estive na direcção da ACIC até 2003 e lembro-me de andar a bater às portas das empresas para as convencer a estarem na feira anual da cidade.
 Bom, pode sempre argumentar-se que a autarquia não apoia o suficiente e a ACIC não organiza estes certames como deve. Porém, para mim, nenhuma destas entidades tem culpa. Lembro-me, por volta do ano 2000, ainda no “reinado” de Pina Prata, que estava à frente desta grande associação, de se entregar a organização da feira de Coimbra à Exponor do Porto. E então? Não deu em nada. Esta é a verdade.
 Coimbra, na sua idiossincrasia, na sua forma de ser, é estranha. Diga-se lá o que se disser, mas é assim. Não adere a nada. Parece que é uma cidade sem motivação. Falo de grandes espectáculos que precisem da envolvência de toda a cidade. Não falo de pequenas iniciativas que se fazem no Teatro de Gil Vicente que, passando a palavra a este, àquele, e depois se na organização estiver o senhor doutor X e a Universidade envolvida, para esse pequeno espectáculo, é sucesso garantido. Agora para grandes saltos, em que sejam necessários os habitantes da cidade, não vale a pena. Em metáfora, é como se a urbe trabalhasse –a contragosto- das 9 às 19 e, mal bate a cabra na torre de Minerva, vê-se tudo a fugir, em correria, para casa, para o aconchego do sofá e a ver a novela na TV.
 Basta ir ao cinema ao fim de semana e verificar que talvez, aleatoriamente, cerca de mais de 80 por cento dos espectadores são jovens.
No teatro a mesma coisa. Embora aqui, tenho uma opinião que as peças apresentadas são sempre demasiadamente intelectualizadas para um povo pouco instruído, a começar por mim. É Brecht, e mais Brecht, que nunca mais acaba. Depois o resultado é vermos uma peça ser assistida por 20, 30 pessoas. Não se aposta em teatro de revista porque é parolo. No entanto, vamos ao Teatro Messias da Mealhada e vemos, sempre, lotação esgotada de uma qualquer produção portuguesa.
 Voltando ao comércio, porque acabei por me dispersar, o problema, neste momento grave, muito grave, que o comércio de rua atravessa, é que os comerciantes precisam de ganhar dinheiro. Ou seja: ter lucro nas transacções. E não conseguem. E não conseguem porquê? Porque compram a mercadoria antecipadamente para uma estação, paga com cheque pré-datado à cabeça, e depois não conseguem vender com mais-valia. Ora é o tempo, repare que estamos em Maio e está frio e a chover, ora são exactamente os descontos promocionais, ou em “outlet”, feitos pelas grandes cadeias que os arrasam. Vou dar-lhe um pequeno exemplo: esta semana, uma grande superfície da cidade estava a vender artigos de criança com 60 por cento de desconto. Ora diga-me, isto não é arrasar? Claro que, legalmente, estas práticas de “dumping” são proibidas, mas isso é só mesmo no Código Comercial. Então o que acontece à pequena loja de Bairro ou do Centro Histórico? Não vende com lucro. E então, num confronto desigual, tem de entrar no mesmo método. Resultado: é a falência a curto prazo. E já não falo nas outras vendas que se fazem na Internet, em que ninguém paga um cêntimo de impostos. Ou pelo menos poucos, para ser mais exacto. Estamos transformados numa grande feira em jeito de país. Todos são vendedores.
 Porque o que está em causa no comércio de rua não é propriamente, como diz, escoar “stoks”. Não, não é isso. O que está em causa é que, pela concorrência feroz e selvagem, ao longo dos últimos anos, entrámos num cano de esgoto, que, como deixou de haver margens de lucro, conduzem inevitavelmente ao desespero e à falência. Em nome de baixar a todo o custo a inflação, produz-se o pior de todos os males: a deflação. Isto é um ponto sem retorno. Estamos num mercado anárquico onde impera a lei da força e do mais forte. Diga-se lá o que se disser a pequena loja está condenada. E não digo isto porque seja pessimista. Antes pelo contrário. Estou apenas a ser realista. Eu converso muito sobre este assunto com comerciantes. Nos últimos tempos apercebo-me do desespero que lhes vai na alma. É raro não conversar com alguém e, do lado do meu interlocutor, não acabar de olhos inundados. Ainda há menos de duas horas aconteceu isso. Você consegue compreender o que é estar a falar com uma pessoa que, num estado de depressão profundo, acaba a chorar desalmadamente. Alguém consegue entender a frustração que se sente por não poder fazer nada?
 O que eu lamento é que, aparentemente, a começar pela administração, ninguém parece importar-se.
Escreva aí: está a formar-se um barril de pólvora de consequências imprevisíveis. Eu não estou a exagerar. Vamos aguardar…

2 comentários:

Jorge Neves disse...

Eu que nem sou comerciante, já cheguei à triste conclusão que a maior culpa é dos comerciantes, que se limitam atirar a culpa para a autarquia e ACIC.

Jorge Neves disse...

Tambem posso afirmar que este tipo de feiras, tem tido um sucesso enorme noutros sitios.