segunda-feira, 17 de maio de 2010

O CONTO DA SEMANA...

(IMAGEM DA WEB)

ESCOLHO QUEM? O PAI OU A MÃE?

 Nem vos vou dizer o nome. Para quê? Isso interessa alguma coisa para si? Só sei que hoje estou profundamente infeliz! Tenho 12 anos. Moro aqui nos subúrbios da cidade. E por que estou eu a escrever? Olhe, porque estou chateado deveras. Hoje vou ao tribunal ser ouvido pelo juiz para ele deliberar para com quem vou ficar; se com o meu pai ou a minha mãe. Fogo, isto é muito duro! Bem sei que até já deveria estar habituado, afinal este drama já se arrasta há um certo tempo. Mas custa muito! Vivemos harmoniosamente todos juntos tantos anos! É difícil de aceitar…eles eram tão felizes!


Estiveram casados mais de duas décadas. E se eles gostavam um do outro! Eu e os meus irmãos éramos testemunhas desse enleio. Não viviam um sem o outro. Era como se os dois tivessem um só corpo, um só coração, uma só alma. Eram tão amigos. A minha mãe, quando se referia ao meu pai era sempre “o meu “Manel”! O meu pai, em contrapartida, quando se referia à minha mãe, era sempre “a minha Maria”! Lá em casa nada faltava. Parecia tudo haver em excesso, mesmo até o amor entre os dois.

 Se me perguntassem há uns anos atrás se eu achava que os meus pais algum dia se iriam separar, tenho a certeza que chamaria maluco a quem me interrogasse com aquela dúvida. É certo que eu via lá na minha rua, e mesmo até lá na escola, os meus colegas falarem de serem “filhos de pais que deixaram de o ser” com grande à vontade, mas, mentalmente, eu dava graças a Deus por ter os progenitores que tinha. Essa coisa de divórcio, essa doença crescente que alastra como pandemia, nunca entraria dentro da minha casa. Eu sabia do que pensava. Eu via a forma como os meus pais se amavam.
De repente, como o tsunami que arrasou a Ásia, sem se fazer anunciar, o clima no meu lar mudou. Aquele paraíso, que eu e os meus irmãos estávamos habituados, começou a transformar-se num inferno. Como as ondas do mar serenas que se transformam em vagas de destruição, ali na nossa casa, os dois começaram a agredir-se. Primeiro verbal, depois fisicamente. A seguir vieram as queixas na polícia. Posteriormente, comecei a ouvir falar em divórcio. Depois vi o meu pai arranjar outra companheira e a minha mãe outro par. Aos poucos, fui vendo que afinal esta vida é mesmo uma merda! Em retaliação, comecei a aperceber-me que eu, por ser o mais novo, passei de filho querido a bola de ping-pong. O meu pai, em desabafo e para me querer comprar, dava-me jogos, ao mesmo tempo que me ia dizendo que a minha mãe não prestava para nada. Depois, passados uns dias, vinha a minha mãe, dando-me um beijo e fazendo-me uma carícia no cabelo, fazer queixa do meu pai, que ele era assim e assado. Claramente, para mim, nem um nem outro estavam minimamente interessados em saber o que pensava eu desta luta parricida. Nenhum deles me perguntou nunca se eu sofria com isto. Eles não queriam saber. Eles só queriam mesmo era agredir-se mutuamente. Só isso contava.
E deu-se o divórcio. O meu pai, num comportamento que jamais irei entender, ficou com quase tudo o que tinham conseguido ao longo da sua vida de casados. Comprometeu-se a dar uma verba mensal à minha mãe e nunca cumpriu. A minha mãe passou a ter de trabalhar em limpezas e outro qualquer serviço que aparecesse. Para cúmulo, com o argumento de cuidarem da minha educação, em contrato prévio de divórcio, acertaram em ficarmos todos a viver na mesma casa. Uma asneira que nunca irei compreender. Para piorar as coisas, o meu pai levou para lá a sua nova mulher para fazer ciúmes à minha mãe, acho eu, não sei, mas devia ter sido por isso. Sim, porque, mesmo divorciados, os meus pais continuam amar-se. É estranho, isto, não é? Pois é! Até para mim, que os conheço bem, é incompreensível.
Enquanto este processo tem decorrido no tribunal, para saber qual deles vai cuidar da minha guarda, cada noite que passa me sinto cada vez mais só. A minha mãe já quase que não me afaga o cabelo e nem me dá um beijo. O meu pai a mesma coisa. Parece que deixei de existir para eles. Só as suas vidas atribuladas contam. Se é que eles saberão alguma coisa delas! Ninguém se preocupa comigo. Nenhum deles me interroga a perguntar o que significa assistir ao desmembramento, peça-por-peça, da minha família. Nenhum deles se interroga na razão de eu ter baixado drasticamente as minhas notas na escola. Nenhum deles me interpela a saber do motivo por que deixei de sorrir e me tornei mais ensimesmado. Naquela casa, para contentamento deles, transformei-me numa arma de arremesso. No meu sentir, pouco valho. Só eu sei as lágrimas que choro a coberto do lençol. Quando todos pensam que eu durmo, eu penso no amor que já tive e que, sem sentir, se esvaiu pelas minhas mãos como água que não se pode suster e corre em plano inclinado. Já não sonho com uma família feliz. Isso foi noutra época, nos meus tempos de criança. Pode parecer que não, mas eu envelheci. Já não sou aquele miúdo imberbe e fantasista. O que estou a viver fez-me amadurecer rapidamente como um fruto precoce que é submetido a raios de infravermelhos.
Hoje vou falar com o juiz. O que vou dizer? Que quero ficar com a minha mãe? Eu bem gostava. Palavra de honra, mas ela não tem dinheiro, nem sequer para me comprar um gelado, quanto mais! Fico com o meu pai? Também não me liga nenhuma, mas, vá lá, sempre tem umas notas para me comprar um jogo de computador. Se calhar, merda por merda…
 Escolho um ou outro? Se eu tivesse capacidade de decisão, não escolheria nenhum. Tenho a certeza de que nenhum deles me merece. Bolas! Eu não merecia isto! Acho que sempre fui bom filho. Seria? Se calhar não. Sei lá! Será que eles se divorciaram por minha causa?

2 comentários:

Sónia da Veiga disse...

De lágrima no olho, relembro o que um grande amigo meu passou durante a sua adolescência, tintim por tintim...

E o problema é mesmo o sofrimento das crianças e a culpa que se atribuem.
Porque nem que até já sejam adultos, ficará sempre a pergunta: "Será que foi por minha causa?"...

LUIS FERNANDES disse...

Obrigada pelo comentário, Sónia. Um grande abraço.