quarta-feira, 14 de abril de 2010

O ÓBVIO DE "LA PALISSE"






 Ao receber este comentário, aqui, não posso estar mais inteiramente de acordo. Já escrevi muito sobre a demasiada oferta da Baixa, sobretudo em roupas e sapatos. O que se assiste hoje é a uma concorrência feroz que já há muito ultrapassou os mínimos aceitáveis de decência. Porque, embora não se fale muito nisso, quando as margens de lucro passam a ser negativas, o que se assiste é à destruição total do tecido empresarial. Nos nossos dias, a concorrência entrou pelo cano de esgoto da economia. É apenas um “salve-se quem puder”.
Voltando à demasiada oferta da Baixa, como se escreve no comentário, é óbvio. Hoje o Centro Histórico, para além dos estabelecimentos que tinha há 30 anos, tem ainda novas lojas que foram sendo construídas na década de 1990. Tem ainda os “shopping’s” dentro da Baixa, que praticamente deixaram de funcionar, mas lá se vão arrastando como o resto do tecido comercial.
Ora, se os centros das cidades, incluindo Coimbra, há 20 anos que, progressivamente, deixaram de ser os pólos aglutinadores das vendas comerciais –hoje, estatisticamente, afirma-se que, no todo nacional, as Baixas das cidades correspondem a apenas 8% de vendas-, como é que se pode entender que as mesmas lojas continuem a vender os mesmos produtos?
Claro que é necessária e urgente uma reconversão para produtos alternativos –sobretudo de vanguarda, digo eu!-, como por exemplo, nos cafés com arte, restaurantes com música tradicional local (o fado, por exemplo), alfarrabistas, antiguidades e velharias, tascas portuguesas, no conceito das antigas mas adaptadas aos novos tempos, pequenas mercearias de produtos endógenos de qualidade, lojas com café e doces de qualidade, casas de chá com bolinhos caseiros do tempo da nossa avó, e também os que são refereridos no comentário.
E por que não assistimos nós a esta reconversão, perguntará? Porque há esta resistência por parte dos comerciantes?
Por um instrumento que se revelou, ao longo dos últimos 30 anos, catastrófico para os centros das cidades: o arrendamento urbano.
Hoje um comércio, cujo objecto seja vender sapatos, e cuja renda seja de 50 euros, se mudar de ramo, automaticamente a renda será actualizada, por exemplo, para 1000 euros. Aqui é que reside o busílis da questão. Não vejo que o direito não seja legítimo por parte do proprietário. Nada disso. O problema é que as rendas antigas foram-se arrastando no tempo (comércio e habitação) e os proprietários destas rendas antigas, sentindo-se espoliados ao longo de décadas, agem irracionalmente, tentando recuperar o perdido. Estas rendas irrisórias, ao serem perpetuadas no tempo, transformaram-se numa arma de destruição maciça dos centros das cidades. É um garrote que está a apertar cada vez mais e a evitar a mudança e o natural desenvolvimento do coração das cidades velhas. Porque, ao longo das últimas três décadas –já para não ir mais para trás, porque é uma doença que já vem do inicio da República-, os governos sempre têm feito pequenos arranjos de cosmética no arrendamento que se têm vindo a revelar desastrosos. Toda a gente sabe que uma grande maioria de lojas comerciais se mantém hoje abertas apenas devido a rendas irrisórias –constituindo um ultraje e uma violação do princípio de propriedade para os senhorios. Mais: com o (Novo) Regime de Arrendamento Urbano institucionalizou-se a morte do trespasse comercial. Não é que, intrinsecamente, o princípio esteja totalmente mal. E porquê? Porque, sobretudo na última vintena de anos, os trespasses elevados sempre foram feitos à custa de rendas de miséria e com isso prejudicando gravemente os proprietários. O que está mal, quanto a mim, foi não se ter resolvido de vez o arrendamento –tudo continua na mesma-, e pior: matou-se o trespasse dos estabelecimentos. Ora é preciso ver que a transmissão de um bem, de um proprietário para outro, não é só um direito intrínseco –deveria ser-, é também um motor de desenvolvimento, que evitando a destruição, provoca o aproveitamento desse mesmo bem –filosofando um pouco, devemos lembrar que qualquer um de nós, perante um bem material (ou imaterial) que adquirimos, somos apenas usufrutuários vitaliciamente, caso não o alienemos entretanto. É saudável que assim seja, e é esta cessão que leva ao progresso, fazendo com que uns, pegando num bem subavaliado, através de desempenhos engenhosos, gerem mais-valias. É assim a sociedade de mercado em contraponto com as sociedades centralizadas.
O que é preciso é que as regras de transmissão, neste caso o trespasse, sejam claras e, sempre, tendo em conta a equidade das partes envolvidas no contrato. Neste caso, nos interesses objectivos dos proprietários e inquilinos. E subjectivamente nas consequências que geram nas relações sociais da cidade. Não foi o que aconteceu. Para além de não se solucionar o problema dos proprietários, condenou-se à miséria os velhos comerciantes e, pior para todos, sentenciou-se o coração das cidades a uma decrepitude inexplicável.
Enquanto o Governo actual ou futuro não impuser regras claras, as cidades velhas, com os seus centros a vegetar comercialmente, vão arrastar-se e arrastar famílias inteiras para a miséria.

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