segunda-feira, 7 de setembro de 2009

EDITORIAL: O QUE É QUE OS POLÍTICOS QUEREM FAZER DAS CIDADES?





Já escrevi dezenas e dezenas de apontamentos sobre o centro histórico. Confesso que às vezes, em solilóquio, dirigindo-me a mim próprio, nem sei como me classificar: se como alarmista, mensageiro da desgraça, ou vidente de coisa nenhuma. Já várias vezes pensei em acabar com estes meus escritos. Não sei se o conseguirei, mas, se tal fosse possível, era muito melhor para mim. É que se, por um lado, exteriorizo as minhas emoções, por outro, como um velho mata-borrão, acabo por sofrer com as angústias dos outros. E, sendo assim, capitalizando com juros, apanho em dobro.
O que se está a passar na Baixa de Coimbra é qualquer coisa que ultrapassa a própria ficção. Para “dividir o mal pelas aldeias”, como sói dizer-se, normalmente exclama-se que é um problema de segurança transversal a todo o país. Mas, mesmo sabendo que assim é, isso resolve alguma coisa?
Na Baixa, segundo dados que consegui recolher, existirão cerca de quatro dezenas de sem-abrigo sinalizados e cuja maioria recebe o Rendimento Social de Inserção. Ora, segundo se pode apreender, e também em conversas com agentes da PSP, serão estes mesmos indivíduos que frequentemente fazem os assaltos no centro histórico. Ou seja, é legítimo questionar para que serve dar dinheiro a estas pessoas? Para além disso, devido ao altruísmo de muita gente que conheço bem, pela sua bondade, pela sua sensibilidade, que respeito muito, durante quase todos os dias da semana, distribuem comida quente e agasalhos. E mais: junto ao Terreiro da Erva, a AMI e outras instituições distribuídas pela cidade e ligadas à Segurança Social fazem tudo o que podem para acorrerem as estas pessoas. Eu próprio, para ajudar alguns que por aqui andam, já pedi ajuda e foi atempadamente satisfeita. A questão é: será que, nesta política de inserção social, dentro do espírito deste Estado-Providência, estamos a contribuir para a salvação de alguém ou estamos a alimentar monstros para, como fantasmas saídos das catacumbas, durante o dia e a noite, servirem para nos atormentarem, assaltando quem trabalha? Como se isso fosse pouco, à face da lei, pelo menos para responderem pelos actos, são desvalorizados e descriminalizados, como se de inadaptados e inimputáveis se tratassem. É verdade que, juridicamente, serão mesmo as duas coisas. Porém, perante uma vítima que é assaltada várias vezes por membros destas hordas destes exércitos de perdição, pode o direito despenalizá-los e a justiça ignorá-los? Pode mas não deve. Porque, através da lei, assistimos a uma dualidade de critérios inexplicável aos olhos de quem muito sofre e trabalha para gerar riqueza para o país e, sobretudo, aguentar as suas despesas diárias.
Por um lado, enquanto agressores, a lei que nos rege, despenaliza os seus actos. Ou seja, ao não imputar-lhes responsabilidades sociais, discrimina negativamente estes indivíduos como pessoas, violando o princípio da igualdade, e atentando contra a sua dignidade. Através desta ignorância, desta ostracização, trata-os como animais irracionais.
Por outro lado, se a vítima que lhes calha em sorte, em acção-directa, defendendo o que é seu –já que o Estado que, constitucionalmente é responsável pela tutela da segurança, no contrato social que estabelece com os cidadãos, não cumpre com a sua função- agride alguns destes contraventores, numa inexplicável discriminação positiva, este mesmo Estado –que anteriormente os desprezou e desclassificou como pessoas-, agora, numa paternidade incompreensível, vem chamar a si um auxílio exagerado, sem ter em conta que quem defendeu o que era seu, apenas o fez porque o Estado não garantiu um pressuposto que é imanente a qualquer nação organizada.
E então o que acontece? O que todos vemos todos os dias. As vítimas, que se limitaram a defender-se, a saírem condenadas. Pode o edifício da justiça sair dignificado com tais leis iníquas assim plasmadas nos códigos? Penso que não.
A lei para ser aceite por todos terá que ter inevitavelmente uma equidade imanente de justiça, onde os pressupostos sociais tenham a mesma valoração. Um equilíbrio, ainda que precário, entre o bem e o mal, valorizando o primeiro.
Ainda que se entenda a ressocialização, não se pode esquecer a coercibilidade, a punição da prevaricação, para servir de estímulo à prática do bem comum. Quando falha esta punição, a sociedade deixa de acreditar no Estado como entidade justa, e encarregue de dirimir os conflitos, e, nesta frustração, tal-qualmente, no princípio do caos, sente-se obrigada a enveredar no caminho da criminalidade violenta.

3 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom dia.
Sou jurista e por isso por dever de oficio, obrigado a conhecer do que fala, partilhando em absoluto das ideias por si expressas no texto.
Não tenhamos duvidas, o inicio da degradação da baixa começou no dia em que os poderes politicos, numa ânsia eleitoralista e providenciadora de ajudar quem não quer e merece ( pelas razões por si muito bem enunciadas ) ser ajudado, instalaram no centro histórico várias instituições de apoio aos sem abrigo e toxicodependentes desta cidade.
Daí que se eu fosse turista e por " engano " decidisse passear pela baixa de Coimbra, por certo não voltaria dada a imagem decrépita, mal cheirosa em muitos lados ( junto á vetusta Igreja de S. Tiago ), mal frequentada e muitos outros adjectivos sempre iniciados por " mal ".Já por várias vezes assisti ao ar boquiaberto e estupefacto, acompanhado de comentários de revolta de vários turistas ao contemplarem o espectáculo degradante que diáriamente se assiste junto á Igreja de S. Tiago.
Caro amigo continue a lutar que eu, apesar de ter interesses na baixa, lamentávelmente já desisti, mas perante o cenário a que assistimos é razão para dizer que povo que não sabe preservar o seu passado não é digno de ter futuro.

LUIS FERNANDES disse...

Muito obrigado, amigo, pelo seu esclarecedor comentário de apoio.
Volte sempre. É um prazer recebê-lo neste humilde espaço.
Eu por cá vou continuando.
Um grande abraço.

Jorge neves disse...

Li o artigo , reflecti, penso e repenso como melhorar a qualidade de vida das pessoas e potenciar todos os recursos humanos e materiais que a Baixinha de Coimbra tem e concluí que para atrair pessoas ao centro histórico da cidade, passará por preparar um conjunto de actividades de animação, apelando à cooperação da sociedade civil. Os estudantes universitários têm de ser um alvo da atenção dos autarcas, para que vejam nas praças do município e principalmente das da Baixa um ponto de encontro.
E porque não aproveitar os meses de calor para recriar, entre outros eventos, algumas festas e feiras na cidade ou mesmo um desfile de oferendas, criando diversos cartazes turísticos que, a prazo, possam ajudar à projecção das zonas históricas, do ponto de vista de realizações com um grau de popularidade acentuado.
Mas, com o objectivo de criar uma forte dinâmica de eventos, é necessário recuperar o conceito de comissão de festas, apelando a que a sociedade participe em massa na organização de uma ampla programação.