terça-feira, 11 de agosto de 2009

BRINCAR ÀS MONARQUIAS






Segundo o Diário de Notícias de hoje, “Restaurar a legitimidade monárquica” é o objectivo assumido pelo blogue 31 da Armada, que hasteou na madrugada de ontem uma bandeira azul e branca na varanda dos Paços do Concelho de Lisboa, precisamente no mesmo local, onde há quase 99 anos, foi proclamada a instauração da República. Subindo -por uma escada de três metros- à varanda, os “bloggers” hastearam a bandeira monárquica e levaram consigo a bandeira do município (…)”.
Não vou perorar aqui sobre os aspectos legais. Se fizeram bem ou mal. Confesso que tenho alguma dificuldade em avaliar este acto para além de uma brincadeira. Também não sei caracterizar se foi de mau ou de bom gosto.
Hoje, num globo que praticamente passou a ser quase todo horizontal, em que as fronteiras deixaram de ser as barreiras herméticas de meados do século XX, tenho muita dúvida que o valor atribuído nesse tempo às bandeiras seja o mesmo dos nossos dias. Hoje, quando vemos fazer continência ao símbolo nacional, mesmo para mim que tenho 52 anos, é apenas um acto simbólico, um “déjà vu”, uma tradição, que apesar de nos tocar a alma pelo hino, já foi. É apenas um acto protocolar carregado de grande simbologia. Lembremo-nos de grandes competições desportivas, quando temos a sorte de um nosso atleta ser agraciado com uma medalha.
Hoje, falar de pátria aos mais novos quase não faz sentido -lembram-se que nos nossos tempos de escola era sempre escrita com Maiúscula? Nos tempos de liberdade em que estamos inseridos, para o bem e para o mal, somos cidadãos planetários do mundo. Somos cidadãos universais.
Então, pergunta você, leitor, e fará sentido falar em monarquia, enquanto sistema político institucional? Se calhar faz. Não porque ache que seja melhor que o republicano, mas, num tempo em que a República Portuguesa, com quase um século, sofre os mesmos vícios -sobretudo na corrupção- e o desgaste do estertor da monarquia em 1910, fará todo o sentido colocar os dois sistemas numa balança, um em cada prato. Basta passarmos um olhar no primeiro volume da “Paródia”, de 1900 –tenho-o à minha frente-, irmos desfolhando, e sobre o lápis satírico das caricaturas, e a pena acutilante de Raphael Bordallo Pinheiro, para vermos quanto um e outro sistemas políticos enfermam da mesma doença. Só para ilustrar, estou a ver, na página 12, uma imagem pictórica com o título: “A crise agrícola”. Mostra então um trabalhador rural, exangue, com ar de maltrapilho, deitado sobre uma pipa, com muitas outras em companhia, e que parece dirigir-se aos que vendem pão. Estes, com ar de fidalgotes, que estão no canto inferior esquerdo. Diz então o agricultor, com cara aflita, para aqueles: “Via o meu campo maninho…Plantei vinha. E em conclusão: Cada vez mais pobresinho. Levae-me a adega de vinho! Dae-me um bocado de pão!”
Isto para dizer o quê? Que não se teçam loas à República como alguns se preparam para fazer na comemoração do centenário. Se calhar é uma boa oportunidade, para em catarse analisarmos este sistema político e, todos juntos, fazermos uma ponderação entre virtudes e defeitos. Não se tente fazer deste centenário uma alegoria a nossa senhora. Como se a “santa” República fosse uma virgem imaculada. Quem por aqui anda sabe que não é assim. A República, não pela idade, mas pelo sistema endémico, cheio de patologias de vício, cai de podre. Tem um cancro que mina os seus alicerces. É evidente que este estado anémico até nem devia surpreender. Afinal, há cerca de 2350 anos já um grande sábio da Antiguidade o dizia. Mais propriamente Platão…na sua República. Os seus 10 livros que nos deixou em legado à humanidade, como uma das maiores obras-primas de sempre.
Sem me estar a armar em intelectual, porque, sinceramente, sei muito pouco, digo-o com toda a convicção, vou só lembrar umas passagens retiradas aqui da Internet: “As formas de governo fazem leis visando os seus interesses e determinam assim o que é justo, punindo como injusto aquele que transgredir as suas regras”. Platão repudiava o modo de vida com a promiscuidade social, ganância, a mente que a riqueza, o luxo e os excessos moldam, típicos dos homens de Atenas. Nunca se contentavam com o que tinham, e desejavam as coisas de terceiros. Assim resultava a invasão de um grupo para outro e vinha a guerra. Platão achava um absurdo que homens com mais votos pudessem assumir cargos da mais alta importância, pois nem sempre o mais votado é o melhor preparado”.
Abusando da vossa paciência, e continuando a citar Platão, “O Estado entra em luta consigo mesmo. Um partido de poucos muitos ricos e outro de muitos pobres estarão em guerra, prevalecendo o último. A democracia surge…quando após a vitória dos pobres, estes matam uns, expulsam outros, e partilham igualmente…o governo e as magistraturas. Tendo a liberdade por base, na democracia ocorrerá a ausência de qualquer exigência e o desprezo pelos princípios. A democracia conduz à anarquia. Estas são as vantagens da democracia: uma forma aprazível, anárquica, variegada (matizada), e que reparte a sua igualdade do mesmo modo pelo que é igual e pelo que é desigual. Ao exasperar a liberdade como bem supremo eliminam-se até as diferenças impostas pela natureza, e assim, a liberdade em excesso não conduz a mais nada que não seja à escravatura em excesso, quer para o indivíduo, quer para o Estado. E dessa forma surge a tirania: do cúmulo da liberdade, surge a mais completa e mais selvagem das escravaturas. Primeiro, instaura-se a anarquia, e dessa situação aproveita-se o tirano, que de pretenso defensor da ordem, transforma-se em lobo, impondo a força sobre todos. É o reino da injustiça”.
Penso que se você chegou até aqui, se as consequências foram previstas há mais de dois mil anos, dá para ver que a República, passado um século, enquanto sistema político, não é mais a mesma a que aludia Winston Churchil, na década de 1940, quando afirmava que entre todos os maus sistemas políticos a República seria a melhor.
Penso que ficou claro que não defendo –nem procuro obliterá-la com defeitos- o nosso sistema vigente constitucional. Como (naturalmente) não vivi na Monarquia também não posso avaliá-la. O que sei, o que escrevo é repescado no que leio. Sei que, aparentemente, a mais antiga monarquia constitucional do mundo, na Grã-Bretanha, funciona muito bem. Assim como outras na Europa.
Não tenho dúvida, também, que, para além destes dois sistemas, haverá mais mundo. O que quero dizer, é que, invariavelmente, na natural dinâmica da humanidade, surgirá outro muito mais aperfeiçoado no caminho do desenvolvimento –pelo menos no princípio- do que estes dois. É inevitável.
Ora, a ser assim, saibamos transcender a nossa relatividade e não tenhamos medo de arriscar num novo sistema político. Porque, pelo que conhecemos da Monarquia e da República, já vimos que, qualquer deles já cumpriu os ciclos de vida: nascimento, crescimento, apogeu, decadência e morte. Neste caso, a meu ver, a República estará na decadência.

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