sexta-feira, 24 de julho de 2009

REALIDADE CRUEL




“Quinta, 8 Novembro 2007 às 00:07

Quando era menina e pedia um brinquedo aos meus pais obtinha como resposta: " quando houver mais dinheiro e a vida correr melhor, com certeza vais ter"
Lembro-me que a minha primeira boneca foi de trapo, costurada pela minha irmã, naquela máquina velhinha de costura que a minha mãe possuía.
Quando recebi aquele presente das mãos da mana mais velha, saltei de alegria.
Dentro das possibilidades que nos eram permitidas naqueles anos difíceis, o meu pai lá conseguiu colocar-me a estudar, a duras penas é claro, a maioria das vezes tive que pedir folhas de papel emprestadas aos meus colegas de turma, porque não tinha caderno. Aos 16 anos tive que deixar os estudos e lá se foi o meu sonho de ser Enfermeira, mas não dava para mais, e tive que começar a trabalhar num estabelecimento comercial, onde os patrões pareciam comandantes e nós os soldadinhos de chumbo.

Depois de vários anos a trabalhar em comércios da minha localidade, a vender " lençóis e toalhas de praia aos Espanhóis", apareceu a oportunidade de voltar a estudar e não hesitei duas vezes, entrei de cabeça num curso de Técnicos Administrativos, e, para grande alegria minha, no final do curso tinha um excelente trabalho á minha espera: secretária do departamento de exportação numa empresa que por ironia do destino era de Espanhóis. Quando vi o meu primeiro recibo nem queria acreditar, cumpria assim dois sonhos: trabalhar num escritório e ganhar o suficiente para preparar o meu futuro, e assim fui conseguindo adquirir as minhas primeiras coisas pagas com o meu salário; tirar a carta de condução e comprar um carro, e depois alugar uma casa para viver sozinha, afinal com 26 anos é um sonho comum.
Quando obtive tudo isso, senti que de alguma maneira estava a receber a compensação do que me tinha faltado quando era criança, e jurei a mim mesma que se um dia tivesse um filho, jamais permitiria que passasse o que eu passei.
Passaram os anos, conheci o Pedro e foi amor à primeira vista. Após algum tempo de namoro decidimos viver juntos, e no dia 24 de Dezembro de 1999, recebo a feliz noticia de que estou grávida, foi uma alegria para ambas famílias, talvez a melhor prenda de natal para todos.

Tudo corria bem, a vida sorria-nos, ambos tínhamos trabalho estável, até que um dia o tecto derruba na minha cabeça. O desgaste da relação aconteceu e acabamos por nos separar. Logo em seguida a empresa dispensa os meus serviços e lá venho eu parar ao desemprego.

Estive dois anos à procura de trabalho, mas parece que os grandes empresários portugueses não estavam pela labor de me contratar, e começa o meu martírio, contas para pagar, o dinheiro que não chega para nada, uma filha que eu adoro para criar e as lágrimas eram inevitáveis cada vez que me lembrava da minha infância....

Em 2005, vou trabalhar para uma associação, como cozinheira, e conheço lá uma pessoa que tem uma empresa e precisava de uma funcionária para escritório. Como eu tinha os conhecimentos requisitados acabei por ser contratada. Foi um alegria tão grande, o salário era bom e eu podia começar a refazer tudo de novo, talvez até comprar um novo carro, porque o anterior eu tive que vender.

Ao fim de quase dois anos nesta empresa, no passado mês de Outubro por falta de liquidez a empresa resolveu demitir o pessoal, incluindo eu. Ou seja volto ao mesmo martírio de antes: não recebemos os nosso salário e nem direito a receber desemprego tivemos...

Confesso que me passaram milhares de coisas pela cabeça, milhões de loucuras, mas parei e pensei na minha filha que agora tem 7 anos e precisa mais de mim do que nunca...e fui à luta, procurei, perguntei, pedi a amigos que me avisassem se soubessem de alguma coisa. Demorou mas encontrei finalmente um trabalho numa pastelaria, mas a que preço?

Para poder cumprir com o horário estabelecido, vou ter que deixar a minha filha ao cuidado de um casal de primos, vou passar a vê-la apenas uns minutos por dia e à segunda-feira, que é o meu dia de folga, somente algumas horas no final do dia, porque ela está em período escolar…

Não quero ter que dizer à minha filha: " quando houver dinheiro com certeza vais ter", prefiro dizer: "isto ou aquilo, não te dou porque acho desnecessário"


Às vezes eu penso, onde será que eu errei para merecer agora um castigo tão grande, a minha filha é o que mais quero neste mundo, mas jurei que nunca lhe faltaria nada e por ela vou-me sacrificar, mesmo que isso me parta o coração em dois... sei que vou sofrer como uma condenada. A ausência dela vais ser cruel demais até para uma pessoa forte como eu... mas nada posso fazer a não ser agradecer a Deus cada dia da minha vida pelo que tive, o que não tive e o que ainda posso vir a ter....porque eu acredito que um dia a sorte vai sorrir para mim, para eu poder dar à minha filha um futuro maravilhoso... afinal tenho apenas 39 anos e muitos mais pela frente!

Sei que infelizmente não sou a única no nosso País a passar por esta situação, nem quero com este desabafo obter pena ou lástima de alguém, apenas deixar a mensagem de que esta vida pode ser realmente muito cruel, mesmo para aqueles que algum dia pensaram que tinham tudo...”

(Texto de Amarília Mota, de Caminha, Viana do Castelo. Com a devida vénia, retirei-o do Netlog. À sua autora, o meu agradecimento, esperando que não leve em conta o abuso de confiança)

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá sou a Amarília, autora de "Realidade Cruel", que se encontra no meu blog do netlog.
Venho agradecer o carinho e atenção
dispensada é minha história, que com certeza vai fazer com que muitas pessoas de identifiquem com ela.Foi muito doloroso para mim escrever sobre este tema, porque se trata de algo muito pessoal, mas foi a unica maneira que eu encontrei para aliviar a minha dor.
Para si um bem haja, por publicar no seu blog, e um sincero obrigado do fundo do meu coração. Bjo