sexta-feira, 10 de julho de 2009

OS OLHOS DA ESCURIDÃO




Ao meu lado, o homem vai conversando. Naquela rua comprida, um pouco sinuosa, a que chamam de “direita”, onde o sol faz um violento esforço para beijar o chão, ambos caminhamos em passo resoluto. Em simulação de abraço, por entre o seu braço, levo o meu braço. O homem é cego de ver. Mas só o saberá quem olhar os seus olhos desérticos de vida, vazios de luz, ou então pela bengala listada. Se atentar apenas na aparência de deslocação, pensa que esta pessoa é senhora dos seus cinco sentidos.
Percorremos cerca de 150 metros. De repente o homem pára estático e diz: “é aqui neste prédio!”. Fiquei boquiaberto. Interrogo, diga-me, senhor António, como é que sabe que é aqui? “Ai sei, sei, e até lhe digo mais: o outro edifício de que falávamos há pouco é ali à frente. Está a vê-lo?”.
Não sei se alguma vez, você, leitor, se sentiu idiota como eu me senti ali, ao lado deste invisual. E da minha boca sai uma pergunta parva em forma de interrogação: mas como é que o senhor sabe? Sem conseguir ver, como consegue reconhecer’ “Eu conheço a Baixa toda…pelos passos. Repare, nós estávamos na Praça 8 de Maio. Eu sei quantos passos são até aqui, para onde vínhamos. Assim como, sei quantos são até lá à ponta. Eu tenho o número de passos na cabeça de qualquer ponto que percorro no dia-a-dia”, diz-me o António.
Não há dúvida de que apanhei uma lição. Quando passamos por um qualquer invisual, porque estamos agarrados a pré-conceitos, nem imaginamos as capacidades que, por necessidade ou por compensação da natureza, estas pessoas desenvolveram. Mesmo no tacto, enquanto conversava com ele, acerca de um assunto, retira a carteira do interior do bolso, e do meio de vários papéis, diz-me “está aqui, veja!”.
Quando voltar a passar ao lado de um qualquer cego, vou olhá-lo de outro modo. Sei que ele não vê com olhos de quem não pode ver, mas “sente”…e, provavelmente, “pressente” tudo o que o rodeia.
A natureza, no dia-a-dia, dá-nos lições de vida…

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