quinta-feira, 9 de julho de 2009

ANTÓNIO SÓ QUER "VER" UM QUARTO PARA DORMIR






Chama-se António Joaquim Fernandes dos Santos, tem 48 anos, é invisual, e, normalmente, encontramo-lo, por aqui pela Baixa, às portas das Igrejas, ora da de São Bartolomeu, ora de Santa Cruz.
Até aqui, nada de especial. O que vou escrever a seguir é que já “mexe” um pouco connosco. Este homem –cego, repito- dorme onde calha. Nos últimos tempos tem pernoitado num rebate de um estabelecimento encerrado, aqui na Rua Eduardo Coelho, de cerca de três metros quadrados.
Esta noite, última, segundo um morador, “foi um “cagaçal”. Eram três pessoas a dormirem naquele acanhado espaço. O problema maior é que o António tinha lá a sua companheira. Ora, está a ver, se habitualmente ele já fala alto, imagine-o a fazer sexo. O homem grita que nem um desalmado. Foi o que aconteceu esta noite. Tem de se fazer alguma coisa”, sentencia o morador, mais preocupado com o “hard core” do que pelo facto de o pobre homem dormir onde calha, como um passageiro da noite sem estação de saída.
Infelizmente isto não é caso único. A Baixa, neste momento, é um porto de abrigo para os desabrigados. Durante o dia, na zona do Largo das Ameias, nunca se viram tantas mulheres a tentarem vender o corpo. À noite, em prédios abandonados e rebates de montras, são imensos os indigentes a tentar passar pelas brasas nestes abrigos precários.
Ao escrever este texto, gostaria de fugir a dois pensamentos. O primeiro é que não estou “armado” em pecador arrependido à procura de uma boa acção para ganhar um lugar no céu. O segundo, é que não estou a acusar ninguém. Tenho para mim que as instituições que existem, dentro das suas sempre limitadas possibilidades, fazem o melhor que podem.
São os tempos que vivemos. Tempos que nos deveriam fazer pensar. Por um lado, é nítido o falhanço deste Estado-Providência, que, apesar do exacerbado apoio, cada vez gera mais pobres. Por outro, é obrigação de cada um de nós fazer o mínimo para que se resolva, pelo menos, uma situação de cada vez.
Sinceramente, tenho muito receio deste discurso parecer algo patético. E digo isto porque, ao falar com algumas pessoas quando lhes falo dum caso singular, atalham logo: “ah, pois, esse! Está a receber o rendimento mínimo garantido, não quer cumprir regras, embebeda-se todos os dias, gasta tudo, e é aldrabão até dizer chega”.
Ora bem, vejamos, todas estas premissas são verdadeiras, mas há um “porém”. Elas são transversais a todos os “sem-abrigos”. Ou seja, o que quero dizer é que não vale a pena arranjarmos subterfúgios morais para fugir à nossa responsabilidade social. Porque temos uma parte. Temos ou não temos? No limite, se quisermos, simplesmente pelo facto de estarmos melhores. Termos “cabecinha” para nos orientarmos, qualidade que não é extensível aos desabrigados da vida. Conheço alguns, e, por esses, posso afirmar que o seu maior problema é a falta de orientação. Recebem o Rendimento Mínimo de Inserção e no dia seguinte já não têm dinheiro. Uns gastam-no em droga, outros em álcool, outros adquirem bugigangas só pelo prazer de comprar, para se sentirem “iguais” a outro qualquer cidadão, outros ainda, pasme-se, vão para o Casino da Figueira e estoiram tudo. No dia seguinte já não há dinheiro.
Então digam-me, se estes cidadãos são incompetentes para se auto-regularem, não deveria ser responsabilidade do Estado nomear um “administrador” idóneo para estas pessoas? O cheque da Segurança Social deveria ser passado a este “tutor”, e seria ele que durante o mês iria dando o necessário ao beneficiário.
Nesta actual situação, o Estado limita-se a alimentar os vícios adquiridos destas pessoas.
Talvez valesse a pena pensar nisto. Que acha?...

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