quinta-feira, 7 de maio de 2009

BAIXA: "DESEJO-LHE BOA SORTE"






 Como já escrevi aqui, faço parte de um grupo de comerciantes da Rua Eduardo Coelho que, vendo a situação calamitosa em que se encontra o comércio de rua, nomeadamente o centro histórico, em que quase todas as semanas encerram lojas, nos dirigimos à APBC, Agência para a Promoção da Baixa de Coimbra, e à ACIC, Associação Comercial e Industrial de Coimbra, para que, todos juntos, estabelecêssemos um plano que visasse a inversão deste dramático problema.
Apesar de alguns de nós não serem associados, imediatamente estas duas entidades se disponibilizaram e, numa mesa, estabelecemos planos imediatos e a médio prazo. No tocante aos imediatos, entendemos que deveríamos recuperar os sábados todo o dia. Numa primeira impressão, não se entende como é que, nos tempos difíceis que passamos, a maioria das lojas continuem a encerrar às 13 horas. -Seria injusto se dissesse que não entendo alguns deles, sobretudo estabelecimentos com pessoal. Muitos deles têm problemas adstritos à legislação do trabalho e que não são fáceis de resolver. Mais à frente falarei de alguns deles.
Estão em curso várias iniciativas, em que se pede a colaboração da Câmara Municipal e das Juntas de Freguesias. Não vou aqui esmiuçá-las. A seu tempo, em conferência de imprensa, a APBC, as apresentará.
A partir de ontem, tenho tirado a manhã, para, de loja-em-loja, andar a pregar a minha mensagem. A todos, em ladainha, digo: as coisas estão muito más, como sabe, peço-lhe, em nome de todos, que mantenha o seu estabelecimento aberto aos sábados todo o dia. Para parecer Santo António, já que tenho o nome António, só me falta o hábito.
Posso dizer, com certeza, e também com satisfação, que cerca de oitenta por cento estão de acordo, de que é preciso começar por algum lado. Temos de fazer alguma coisa para evitar o genocídio desta classe comercial.
Mas, então, o que argumentam os outros 20%? Acredite, leitor, é um desconforto, para mim, transcrever aqui o que dizem, mas vou fazê-lo. Uns dizem: “o quê, eu trabalhar ao sábado de tarde? Nem pensar! É o único tempo que tenho para cuidar do meu quintal. Desculpa lá, mas não vou deixar de fazer isso!”
Outros, saem-se com isto: “Oh…trabalhar ao sábado todo o dia, para quê? Já aos outros dias normais pouco se faz. O melhor que se fazia era encerrarmos todos ao sábado durante todo o dia!”
Outros ainda: “Ora, ora, isto não vai resolver nada! Não deveria ser assim. Deveria haver outras medidas!” –quando lhe pergunto qual, começam a gaguejar e não sabem responder em conformidade.
Outros ainda: “olhe, eu tenho muita consideração por si. Palavra que tenho. Acredito em si. Mas estando metidas nisto a câmara, a agência (APBC) e a ACIC, desculpe lá, mas não acredito nessa gente. Nunca fizeram nada por nós. Isto não vai resultar. Era preciso outras medidas de fundo" –quais?, interrogo. "Não sei. Era preciso encontrar um homem que chamasse a si a defesa de todos” –quando lhe digo que esse “Sebastião” não existe, e que a solução está dentro de nós individualmente, que, no momento em que as coisas estão, não pergunte o que pode Deus fazer por nós, mas antes o que se pode fazer por Ele, continua: “não, sozinhos, não vamos a lado nenhum. É preciso alguém que nos salve. Vamos fazer assim: se resultar, eu entro na segunda fase. Está certo, não está? Olhe que eu até gosto muito da Baixa. Só por isso é que continuo aberto –não me esqueço que foi aqui que ganhei a minha vida- e só por isso ainda não aluguei a minha loja a um chinês. Apesar de estar descrente, desejo-lhe boa sorte”.
Pode parecer incrível, mas tudo o que aqui transcrevo é a mais pura das verdades.
Eu sei que as pessoas estão desmotivadas, cansadas, descrentes e até frustradas. Eu tenho dias que também me sinto do mesmo modo. Mas, sendo assim, vamos cruzar os braços e deixar que chegue a nossa vez de “morrer”?
Eu sei que não é fácil. Está tudo contra o comércio tradicional. A começar pelos políticos nacionais e locais. O que querem é ouvir que abriu mais uma grande superfície na sua cidade –hoje mesmo abriu o Dolce Vita Tejo, o maior do país e um dos maiores da Europa.
O desinteresse pela revitalização dos centros históricos levou a este estado de apatia e ao “deixa arder que o meu pai é bombeiro”. Estabeleceu o princípio da “pescadinha-de-rabo-na-boca”: Os comerciantes não trabalham mais horas porque cada vez há menos pessoas para comprar. Por sua vez os clientes, mesmo os poucos, como antevêem que as lojas estarão encerradas, cada vez vêm menos.
O Código de Trabalho –tal como o Novo Regime de Arrendamento Urbano está para os proprietários- é profundamente discriminador para os empresários do comércio tradicional. Os funcionários admitidos de novo nas grandes superfícies comerciais, se preciso for, trabalham feriados e até à meia-noite. No comércio de rua, em nome do bizarro, em nome de “direitos adquiridos”, os antigos empregados, sem sua autorização e acordo, não trabalham, nem depois das 19 horas, nem aos feriados, nem aos sábados de tarde. Por cada tarde de trabalho extraordinário vale um dia de folga. Pergunta-se: quem consegue desenrolar esta meada, fugindo a esta teia em forma de armadilha?
Em resumo, se admito compreender as razões de alguns comerciantes como legítimas, não posso aceitar que fiquem de braços cruzados à espera do tal D. Sebastião ou um Deus que nos salve.
Temos de ir à luta. Por muito que todos nos queixemos, este é o resultado da nossa pouca exigência e capacidade de reivindicar. Penso que estamos no fim da linha. Ou se tomam medidas de salvação, ainda que sejam apenas de efeito “aspirina”, ou então vamos mesmo desaparecer todos. Não haja ilusões. Os grandes centros comerciais ficam muito gratos por esta passividade e falta de resposta.

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