quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

UM RUÍDO EM FORMA DE PERFUME MUSICAL NA PAISAGEM URBANA


(ESTE MÚSICO, A TOCAR SAXOFONE, HOJE, ENCANTAVA AS RUAS DA CALÇADA)

O que seriam as cidades sem os seus ruídos característicos? O cantador de ocasião, o pregador anti-sistema, uma discussão entre dois ébrios, o louco que percorre as ruas a pedir uma moeda, as artes improvisadas de malabaristas, o som aveludado saído de instrumentos executados por bons músicos?
Infelizmente, parece que tudo está a desaparecer –mesmo até os músicos. Não sei porquê, mas parece, quase, que a cidade, enquanto ponto de convergência humana criativa e alternativa, deixou de atrair os artistas, ou as pessoas “diferentes”.
Há pequenos sons que, no nosso dia-a-dia, vamos apreendendo. Se no princípio os ostracizamos, com o tempo, começam a fazer parte de nós. Se, de um momento para o outro, desaparece sentimos que a nossa rua, o nosso largo, parece uma casa vazia, sem mobiliário. Aquele som, sem o sentirmos, passou a ser um complemento diário da nossa existência citadina. Vou exemplificar melhor: no largo onde trabalho, durante anos e durante todos os dias à tarde, se juntavam aqui cerca de três ou quatro sexagenários a jogar à moeda. Quando fossem 17 horas, eu sabia que iria ouvir várias vezes e repetidamente, alto e bom som, “duas, três, sete, zerooo!”
A forma aguerrida e teatral como o clima de jogo se mantinha atraía as atenções de quem passava. Volta e meia a sessão era interrompida para os jogadores irem beber um copo à tasca da Maria, uma taberna a dois passos do meu largo.
Há cerca de largos meses o jogador “residente” do meu largo aposentou-se. E com a sua reforma desapareceu o jogo da moeda e todos os sons que lhe estavam associados. O jogo da moeda, um divertimento dos mais velhos, eclipsou-se do meu largo para não mais voltar. Tenho saudades daqueles sons perdidos no tempo.

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