sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

A MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA




Segundo o Jornal Público de hoje, “O Presidente da República, Cavaco Silva, deixou ontem um claro aviso sobre a dívida externa: Portugal não pode continuar, durante muito mais tempo, a endividar-se no estrangeiro ao ritmo dos últimos anos”.
“No primeiro discurso de 2009, Cavaco Silva elegeu a economia como tema forte, enfatizando em particular a dívida externa”.
Continuando a citar o jornal, “Há uma verdade que deve ser dita: Portugal gasta em cada ano muito mais do que aquilo que produz”, afirmou (Cavaco Silva), acrescentando logo de seguida que “não pode continuar a fazê-lo durante muito mais tempo”. E, de uma forma pedagógica, explica as consequências: “Quando a possibilidade de endividamento de um país se esgota, só resta a venda dos bens das empresas nacionais aos estrangeiros”.
“(…) Cavaco Silva sublinha também que se deve dar atenção acrescida à relação custo-benefício dos serviços e investimentos públicos. O investimento público tem sido defendido pelo Governo como solução “absolutamente essencial” para enfrentar a crise económica”.
“O chefe de Estado chama ainda a atenção para a necessidade de utilizar com “rigor e eficiência” os dinheiros públicos, de reduzir a dependência exterior em matéria de energia, e de melhorar a qualidade e inovação na estrutura de produção nacional”.
“(…) Cavaco Silva dirigiu-se em especial a três grupos da população: os jovens que “vivem a angústia de não conseguirem o primeiro emprego”, os pequenos comerciantes que “travam luta diária pela sobrevivência”, e os agricultores “que se sentem penalizados (…) por não beneficiarem da totalidade dos apoios disponibilizados pela União Europeia”.
Antes de mais, numa opinião pessoal, penso que esta mensagem de Ano Novo foi incisiva, pragmática e clara. Depois da lengalenga do Estatuto dos Açores, é isto, o falar da “economia real” com verdade, expressando preocupação com os grupos mais débeis da sociedade, que a comunidade espera do seu representante máximo na hierarquia do Estado.
Agora, analisando o discurso por partes, vamos então dissertar, ponto-por-ponto, sobre o improvável "colocar de trancas depois de casa roubada". Para sermos honestos, não devemos esquecer que Aníbal Cavaco Silva, então primeiro-ministro, esteve à frente dos destinos portugueses desde 1985 a 1995, e, mais exactamente, num período fundamental da economia portuguesa.
Comecemos pela dívida externa e sobre o problema de Portugal gastar em cada ano muito mais do que produz. Se nos últimos trinta anos, e muito particularmente depois de 1986, ano de adesão à então CEE, todos assistimos à redução –que veio redundar em destruição- de quotas nos sectores básicos do país, como por exemplo: na agricultura (através da PAC-Política Agrícola Comum), nas pescas, nos têxteis, na indústria, etc.- como é que agora, com estes sectores económicos em disfunção, poderemos, numa espécie de estalar de dedos, tornarmo-nos auto-suficientes? O que se tem feito é destruir toda a criação portuguesa, desde a pequena indústria artesanal e tradicional (caso da queijaria, doçaria e cozinha tradicional portuguesa). Como se sabe, foi graças à denúncia de uma especialista em produtos tradicionais portugueses, que trabalhou muitos anos em Bruxelas -acusando o governo actual de não defender convenientemente os produtos tradicionais- que então, já quase próximo do abismo, se inverteu a legislação e se evitou que tudo fosse para o “galheiro”.
Na agricultura, a mesma coisa, com a obsessão securitária em volta da saúde, proibiram-se a matança de porcos e outros animais para consumo das famílias, venda de vinho a granel do lavrador, quase se acabou com a venda de mel, proibiu-se a venda de bagaço do agricultor sem passar pelos grémios de lavoura, cujas consequências directas foram a destruição pura e simples dos milhares de alambiques que eram comuns pelo país agrícola –ainda há pouco tempo passei na zona de Cantanhede e, ao longo dos campos, se podia ver o engaço (parte que fica do cacho de uvas e da qual era feito o bagaço através de fermentação em altas temperaturas) espalhado na longa planície. É um doer de coração ver aquela perdição. De quem é a culpa? De certeza que não será dos agricultores.
Na indústria pesada, a mesma coisa, tudo acabou, a começar pela construção naval. Sendo nós um rectângulo rodeado de mar, admite-se tal coisa? Claro que sim! É o que está à vista, já para não falar no cada vez menor domínio sobre a orla marítima, com cada vez mais a diminuir as quotas de pescado…e a aumentar as espanholas.
No comércio, a mesma coisa. Com a destruição parcial de quase tudo o que era produzido cá, e com a adesão de Portugal à Organização Mundial de Comércio, a partir do inicio de 1990, faz todo o sentido a proliferação absurda de superfícies de dimensão relevante (as grandes superfícies), que numa estudada estratégia, visava, para além de acabar com o pequeno comércio de rua, criar centros de escoamento de produtos importados.
Hoje temos aí o resultado: uma comércio tradicional, que ainda transacciona o pouco que se faz em Portugal, a mal conseguir sobreviver e um comércio “moderno”, onde tudo se vende…mas estrangeiro. Naturalmente que todos os euros lá deixados, para além dos impostos e da margem de lucro, vão direitinhos para a sua proveniência.
Agora, em resumo, como é que se dá a volta a isto? Só seria possível –que não acredito- se os consumidores tivessem pátria e coração –mas não têm! Se fosse possível consciencializar todos a consumir apenas e só o que é nacional. Mas, para isso, era preciso que o governo incrementasse a produção nacional através de subsídios. Claro que os economistas, perante esta medida, estrebucham, e são contra este novo “proteccionismo”. Mas, se nunca acertam uma, porque se lhes há-de dar crédito?
Quanto aos grupos mais frágeis da população a que aludiu o Presidente da República, os jovens, os pequenos industriais e comerciantes e os agricultores, na dificuldade em manterem os seus precários empregos, o melhor que o Governo fazia era isentar de impostos estes grupos empresariais até ao montante de 150 Mil euros. Foi assim que Espanha fez para conseguir parar a hemorragia das pequenas empresas. Mas do país vizinho, para além “dos bons ventos e dos bons casamentos”, os bons exemplos também não são para levar em conta.

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