sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

UM PENSAMENTO EM FORMA DE ESPECULAÇÃO




“Preferimos a pobreza em liberdade à riqueza na escravidão” –Ahmed Sékou Touré, primeiro presidente da República da Guiné ( 1922-1984).
Especulando sobre esta frase, que diz muito sobre o homem enquanto ser antropológico, exactamente porque, contrariando o que se esperava de um poeta e pensador, Sékou Touré depois de levar a República da Guiné à independência, cortando os elos coloniais que a ligavam à França em 1958, tornou-se um ditador de partido único, numa economia socialista, e intolerante a direitos humanos, nomeadamente às liberdades de expressão e oposição política. Mandou prender milhares de opositores em prisões parecidas com os “Gulags” soviéticos, onde centenas de pessoas perderam a vida.
Mas vou-me deslocar um pouco da imprevisibilidade do “ser” antropológico e pegando na frase, com uma diferença de quatro décadas, vou desviar-me e à luz dos nossos dias, no materialismo consumista que conhecemos, vou tentar dissecar filosoficamente o objecto que lhe está subjacente, ou seja, a liberdade como “prius” acima de toda a riqueza.
Hoje, para os jovens aquela frase faz algum sentido? Preferir a liberdade em detrimento da riqueza e do bem-estar? Estou convencido que não. Só se dá valor a algo que durante um tempo a sua inexistência contribuiu para a nossa infelicidade. Ou, pelo contrário, algo que fazia parte da nossa felicidade e se perdeu. Essa lacuna, quanto maior foi a sua marca na nossa vida, intrinsecamente, mais valor lhe damos, empiricamente, ao longo da nossa existência.
E a ser assim, é evidente que se os nossos filhos já nasceram neste berço de liberdade, encarando-a como um valor fundamental, mas, ao mesmo tempo, desvalorizando-o e tomando-o como um direito adquirido. Continuando o mesmo raciocínio, não admira, é lógico, que, à luz da sua experiência de vida, troquem a riqueza material pelo abstracto valor liberdade. Reparemos, e voltando um pouco atrás, Sekou Touré, há 50 anos, fez exactamente a mesma coisa. Enquanto sentia na carne a discriminação e a segregação de ser negro lutava e pugnava pela liberdade, a partir do momento em que a conquistou arrumou-a na gaveta, subalternizando-a, inverteu a filosofia da frase que lhe deu notoriedade, e tornou-se um materialista ditador comunista.
Claro que, sociologicamente, poderemos especular que, no fundo, só procuramos o que não temos e que a partir do momento em que vemos saciado o nosso desejo passamos a concentrar a nossa atenção noutros objectivos. Poderemos também pensar que o homem será mais rico ideologicamente quanto menos tiver materialmente. Já dizia Adam Smith, no século XVIII, que toda a propriedade corrompe.
Talvez lendo Alexis de Tocqueville (1805-1859) se entenda melhor o “novo” homem democrático e a procura quase obsessiva pelo materialismo quando afirma: “os povos democráticos querem a igualdade (material) na liberdade e, se não a puderem obter, ainda a querem na escravidão”. Diz-nos, em suma que a ambição é um sentimento universal. Assim como nos mostra que o Estado se organiza para promover e estimular o progresso material, nivelando a riqueza através da distribuição, tentando erradicar a miséria, e “democratizar” o bem-estar ao maior número de cidadãos.
E para terminar, no limite, poderemos pensar que, perante este consumismo exacerbado, estaremos numa nova forma de ditadura materialista, criada e pensada pelos governantes hodiernos para nos tornarem assépticos à ideologia e à procura de um mundo melhor…desmaterializado.

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