segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

"HOMEM LOBO DO HOMEM"




O título foi furtado ao empirista Thomas Hobes (1578-1679). Lembrei-me desta designação, e da filosofia que lhe está subjacente do grande materialista inglês, ao constatar hoje, aqui na Baixa, um peditório para uma associação de apoio a ex-tóxicodependentes. Vou então contar a história:
O homem, de trinta e poucos anos, bem vestido, mas com uma aura que o tornava diferente, entrou-me pela loja adentro. Era uma daquelas pessoas que olhamos e a primeira impressão diz-nos muito sem dizer nada. O indivíduo trazia ao peito uma lata redonda, com uma pequena ranhura para introduzir moedas e notas. Trazia também ao peito um cartão identificativo da Associação “A Arca da Vida”. Embora tivesse fotografia o cartão era um pouco tosco. Na mão, um pequeno cesto de vime, com alguns laços de fita vermelha –identificativos com a sida. Junto a estes laços, imensas moedas e notas de 5 euros.
A primeira impressão que tive foi a de que estava a ser burlado: das duas uma ou o homem não representava nenhuma associação com aquela sigla ou então, pelo contrário, representava mesmo, mas havia ali marosca. E, neste caso, o fulano estava a burlar a associação que o abrigou e lhe deu apoio. E como?! É simples: os óbolos que entravam na lata redonda, que estrategicamente estava colocada atrás, iam para a “A Arca da Vida”, as pequenas dádivas colocadas no cesto de vime iam para “a vida da arca” do sujeito. Claro que ele fazia tudo para que as pessoas utilizassem o cesto.
Depois de descobrir o número de telefone da sede da “Arca da Vida”, na Maia, fiquei a saber que este peditório estava regulamentado e pertencia a uma dependência de Mira. Lá falei, telefonicamente, com o responsável que ficou de boca-aberta: “o quê? Esse sujeito anda a fazer isso? E as pessoas, não vêem que ao colocar no cesto as moedas estão a contribuir para uma fraude?! Muito obrigado, muito obrigado, vou já tratar disso, porque estou aqui em Coimbra”.

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Já depois de escrever este texto acima, fui informado de que o “lacinho vermelho” é exclusivo da Liga Portuguesa Contra a Sida (LPCS). Vai daí, hoje, liguei para a sede em Lisboa e fiquei a saber várias coisas:
A primeira é que a LPCS normalmente não faz peditórios a nível nacional. Quanto muito fá-los localizados e quase sempre em Lisboa;
A segunda informação que obtive, e esta já calculava, é que todos os que, como eu, contribuíram foram burlados. Nem esta Associação “Arca da Vida”, nem outra qualquer instituição está autorizada a “utilizar” o nome da LPCS;
A terceira informação, em forma de constatação, é que esta instituição da Maia e com ramificações em Mira, para além de poder ser acusada de fraude (perante os transeuntes anónimos) pode também ser acusada de abuso de confiança e apropriação ilícita de simbolo, visando o enriquecimento;
A quarta informação, e aqui não deixa de ser curioso, reparem na burla em cadeia: “A Arca da Vida” começa por vigarizar a LPCS utilizando os anónimos cidadãos; a seguir os membros daquela associação, para além de materialmente burlarem as pessoas de boa vontade, enganam também a empresa a que pertencem;
E por último, a título de prémio particular, talvez pelo esforço desenvolvido, o gerente da instituição de Mira, numa forma teatral e magistral, através do telefone, engana-me a mim.
Sem “pinta” de modéstia o título de “homem lobo do homem” foi mesmo feliz. É por estas e outras que cada vez mais as pessoas ficam descrentes e “frias” perante, muitas vezes, a desgraça alheia.

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