sexta-feira, 26 de setembro de 2008

TODOS DIFERENTES... TODOS DESIGUAIS



Nas últimas décadas, no país, resultado ou não das profundas desigualdades do Estado Novo, a verdade é que, numa lógica viciada, numa osmose, numa influência recíproca, como clones, passámos todos a sentirmo-nos iguais uns aos outros. Não apenas em direitos substantivos formais (os direitos Civis e Constitucionais alienáveis da dignidade da pessoa humana), como também nos adjectivos, no modo de procedimento (Códigos de Processo). É certo que o direito, numa inclusão exacerbada, sobretudo tentando corrigir os erros do passado, a partir de meados da década de 1980, passou a levar em conta as diferenças de cada um. Ou seja, se um indivíduo foi apanhado a furtar, e se o produto desse furto foi para satisfazer a sua necessidade básica de alimentação, ou de entes consanguíneos, este acto de reprovação social perde a sua aura de delito “grave”, passando a ser considerado “desvio”, e, subsequentemente entra numa punição de moldura penal leve.
Por outras palavras, porque corro o risco de não ser suficientemente claro, até esta altura, meados de 1980, o direito em Portugal, resquícios de um corporativismo integral e inflexível de cinco décadas, assentava num positivismo jurídico, isto é, qualquer furto era julgado como tal, uma espécie de chapa numerada previamente, tendo apenas em conta a denominação da classificação do acto desviante, sem levar em conta a motivação do autor. Era um direito sem rosto humano. O juiz decidente, sem capacidade autónoma subjectiva, era um mero exequente das leis. Tal como acontecera em França, após a Revolução francesa de 1789, no iluminismo, com o surgimento dos direitos individuais, o positivismo jurídico tentava mostrar que todo o homem é igual à luz da lei. Então, nessa época das luzes, tal como aqui em pleno século XX, num igualitarismo desenfreado, embora de motivações políticas diferenciadas, perante o erro todo o homem era igual. Em França, num experimentalismo cruel Robespierrano, assentes, sobretudo, em teorias de Voltaire e Rousseau, era de índole ideológica-revolucionária-social, cortando laços com um absolutismo sufocante do povo sem direitos (burgueses, camponeses e artesãos). Em Portugal era o contrário, este “positivismo”, através de um autoritarismo pronunciado, em que o poder judicial estava subjugado ao regime, servia exactamente para conter as hostes, prevenindo convulsões sociais, e evitar o alastrar da reivindicação de direitos.
Então aqui, você, leitor, e eu, fazendo um balanço do que foi escrito, interrogamo-nos: bom, se o positivismo jurídico era atentatório do valor pessoa, hoje, em que se leva em conta as diferenças de cada um estamos no bom caminho. No bom, para não dizer no óptimo, pensa você. Pois, mas eu não. E explico a seguir porque creio estarmos no mau caminho. Como passámos a hipervalorizar o “diferente”, em detrimento do “igual” ejectando-lhe doses maciças de psicologia social, quem é diferente, fazendo das suas fraquezas forças, com a ajuda do Estado, acha que a sua diferença, física, psíquica ou outra, não existe. Ou seja, caímos numa pretensão de um igualitarismo de ascendente perigoso. Porque, sejamos pragmáticos, o que é diferente jamais pode ser igual.
Por outro lado, o Estado, numa diarreia legislativa, através de legisladores obcecados por direitos, liberdades e garantias, tentando agradar a lobbies, grupos de pressão conotados com uma esquerda radical, invocando “discriminação” a “torto e a direito”, vai passando a ideia à sociedade de que somos realmente “todos diferentes… todos iguais”. Uma profunda mentira, que só a engole quem não pensa. Claro que, neste conluio, o Estado não é inocente. Tem objectivos económicos a atingir. Veja-se, por exemplo, o sucessivo encerramento de instituições psiquiátricas. A mensagem que é passada é de que os dementes ou diminuídos psíquicos não devem ser tratados como diferentes, mas, pelo contrário, devem ser tratados como iguais. Devem ser “ressocializados”, e inseridos na sociedade. Então o que assistimos? É vermos, nas grandes urbes e outras, estes indivíduos abandonados a vaguear e entregues à sua sorte. Claro que não se pode escamotear algum relativo sucesso, sobretudo nas famílias. Também um pouco por, a isso serem obrigadas e sem alternativa, ficarem mais sensíveis para os seus familiares diminuídos psiquicamente.
Claro que se o leitor chegou até aqui, certamente, interroga-se: mas, afinal, onde quer chegar este tipo? Disserta, disserta! Parece uma alma penada.
Se pensou isto, tem razão. Eu estou a abusar da sua tolerância. Mas, já agora, só mais um pouco de paciência, estou mesmo quase a terminar.
É assim: o que me levou a escrever este texto foi o facto de uma mãe, de seu nome Natércia Mirão, no dia 23 de Setembro, no espaço das “Cartas ao Leitor”, do Diário as Beiras, em tom indignado, vir chamar a atenção para o facto de ter tentado inscrever o seu filho, alegadamente com Trissomia 21 (vulgarmente conhecido como mongolismo), nas aulas de expressão musical, no Pavilhão de Portugal e ministradas pelo maestro Virgílio Caseiro. Segundo a verve desta senhora, o maestro é que não esteve pelos ajustes. Ao que parece, o mestre da batuta alegou que “o menino seria um problema para o grupo de 24, prejudicaria o desenvolvimento da aprendizagem, considerando que não acompanharia o grupo”.
A senhora, mãe do menino, desapontada, diz que “é duro demais para uma mãe que ao longo de nove anos tem integrado o seu filho na sociedade como um igual. (…) Estamos no século XXI e ainda funcionamos com o preconceito (…) o preconceito é uma arma forte, poderosa! (…) Lamento que os meus impostos contribuam para o desenvolvimento de projectos com princípios elitistas de desrespeito e intolerância!!!”
Antes de continuar, ressalvo que nem conheço o maestro nem a senhora, mãe do menino.
Então a pergunta que lhe faço, a si leitor, deveria o maestro Virgílio Caseiro ter aceitado aquela criança e fazer a vontade à senhora? Ou, pelo contrário, no seu legítimo direito natural de escolha, fazendo o que achou melhor, será condenável esta sua opção?
Que lhe parece?

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