quarta-feira, 23 de julho de 2008

HISTÓRIAS DA MINHA ALDEIA (28): O MOINHO DE VENTO


(ERA UM MOINHO, SENÃO IGUAL, MUITO PARECIDO COM ESTE)

O homem, no aproveitamento de energias alternativas, sempre se soube adaptar à natureza e canalizar, em seu benefício, domesticando a força bruta, através do engenho, de modo a retirar dela o maior proveito possível.
Por volta de meados do século XX, em que a máquina propulsionada a derivados do petróleo ainda não se tinha democratizado, o recurso à água e ao vento era comum. Depois de décadas de esquecimento, como se a natureza não fosse uma constante lição, e, tudo o que tem para nos oferecer, pudesse ser despiciendo, encarado como obsoleto e cair em desuso, presentemente, assistimos novamente a uma viragem. Em face do encarecimento dos combustíveis fósseis, oligopólio de pouco mais de uma dúzia de países, inevitavelmente, cada vez mais o homem se vê na contingência e obrigado a retornar a um passado, que pensava caquéctico e arrumado nas catacumbas da lembrança. Ainda que modernizando os meios, salta à vista que é bom conservar a experiência anterior.
É assim que na freguesia de Luso, em plena serra do Buçaco, ainda hoje, podemos ver alguns moinhos de vento. No sopé, entre o Luso e a Mealhada, embora decrépitos, como almas condenadas à erosão do tempo, ainda persistem em existir alguns moinhos de água. Outrora garbosos, imprescindíveis na utilidade, na prestabilidade da alimentação, proliferaram nesta região, certamente pela grande abundância de líquido incolor e transparente que, neste lugar paradisíaco, brota do interior da terra como graça divina inesgotável.
Que eu saiba, exceptuando os moinhos de Sula, no Buçaco, por esta altura, o único moinho de vento existente nesta zona situava-se na colina sobranceira à minha aldeia de Barrô, com a sua cúpula erguida ao céu, como sentinela estática a vigiar o lugarejo, a pouco mais de cem metros da estrada principal que liga este povoado ao Luso e próximo do muro de Troncho. Lembro-me de, em criança, por volta de 1960, ter entrado uma vez no seu interior e ter ficado fascinado com as suas rodas dentadas, em madeira, entrosando umas nas outras, cujo eixo central movia uma grande mó de pedra, assente em cima de outra estática. Este movimento desmultiplicado, em cadeia, provinha da força das velas impulsionadas pelo vento, a energia eólica.
Ao que sei este moinho, hoje já demolido, era propriedade de vários lavradores da Lameira de São Pedro, onde o único nome que consegui descortinar era o senhor Joaquim Pedro, de alcunha “o Sardinheiro”.
Por volta desta data, na Lameira, haveria mais de meia dúzia de moleiros, sem serem proprietários de qualquer moinho. Era apenas a sua profissão, o seu ofício, hoje praticamente em desaparecimento. Relembro aqui, como ícone, um moleiro, nascido em 1910 e falecido em 2000, o senhor Manuel Gomes Pedro. Este homem do povo, esforçado trabalhador, com uma carroça, puxada por uma mula, corria toda a freguesia de Luso e concelho da Mealhada, desde Mala até ao Carqueijo. Ia a casa dos agricultores, recolhia os sacos de milho, trigo ou centeio, ia moê-los e, passados dias, na volta, regressava com os mesmos sacos, mas agora de farinha moída.
Há uma aldeia, nos arrabaldes de Luso, que se chama exactamente Moinhos, pela extensa abundância daquelas pequenas casas trituradoras de cereais. Assim como, muito próximo desta, há um outro lugar chamado Carpinteiros, onde haveria nessa época meia dúzia de moinhos tocados a água. Segundo informações fidedignas, nesta aldeia, onde a água é rainha, os velhos moinhos jazem abandonados, metem dó e fazem doer o coração, no abandono a que foram votados. Como cemitério de um passado que parece envergonhar a nossa memória, mostram a total desconsideração em honrar a história. Perante tamanha insensibilidade e desrespeito, se os nossos desaparecidos antepassados, hipoteticamente, pudessem ver o estado lastimoso a que chegou este património, que tanto os ligou à terra, estou certo, preferiam morrer outra vez.
Sendo o Luso uma Vila essencialmente turística, e inserida na Região de Turismo do Centro, não fará sentido recuperar estes museus vivos? Para quando uma rota turística de visita aos velhos moinhos de água e de vento?
Às vezes somos ricos sem o saber, porque não estimamos o que temos, nem potenciamos economicamente as suas virtudes, neste caso o nosso património histórico, e, em ladainha, de fado desgraçadinho, continuamos a apregoar a nossa pobreza.

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